Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024 - 13h44
A famosa frase de Euclides da
Cunha, O sertanejo é, antes de tudo, um forte, ao longo do
tempo, teve seu sentido ampliado, por outros escritores: O
nordestino é, antes de tudo, um forte. A princípio, Euclides mirava
como fortes os tabaréus que seguiam Conselheiro, O Peregrino, alcunha do
cearense Antônio Vicente Mendes Maciel. Fortes por enfrentarem as adversidades
na construção do arraial de Belo Monte (Canudos), em 1893, e por continuarem
divulgando, apesar da Proclamação da República, no sertão nordestino, os ideais
monarquistas. Fortes por suportarem a guerra contra a força policial da Bahia e
o exército brasileiro em 1896/97, assombrando a capital da jovem república, com
a força messiânica dos sertanejos fanáticos.
Antônio Conselheiro, além de
santo, advogado dos mais necessitados, falava a língua do sertanejo, promesseiro
de marca maior, estilo político. O exército varreu do mapa a pequena Canudos, dilacerando
corpos com a força dos seus canhões, contudo a figura de Conselheiro continua
vagando pelo campo de batalha, prometendo, com o silêncio tagarela da roupa
branca e barba negra, um amanhã melhor, quiçá no céu.
A avó de Avelina, Maria das
Dores, seguidora de Conselheiro, morreu no campo da batalha das planícies de
Canudos, fazia parte do grupo de rezadeiras que protegiam o corpo do santo, com
rezas poderosas e ramos de arruda. Conselheiro vestia-se com um chambre branco,
não cortava o cabelo nem a barba. Santo estrategista, destemido, de arma na mão,
pronto a defender seus fiéis seguidores.
Anos mais tarde, no limiar e
meados do século XX, sob a visão dos demais brasileiros, os nordestinos continuaram
portando essa pseudo máscara sobre-humana, diante das adversidades. Assumiam a condição de fortes porque
só eles suportavam, durante semanas, o lombo de um pau-de-arara com destino a
São Paulo. Em tempo de seca, não era fácil sair do Nordeste: numa época, foram
pro Norte, via rios, ajudar na construção da EFMM e na extração do ouro branco;
em outra, viraram soldados da borracha, financiados pelo Tio Sam, durante a 2ª
Grande Guerra. Afora isso era ir de caminhão, ou a pé, no estilo Vidas Secas,
de Graciliano Ramos, até chegar na estação da Estrada de Ferro que passava em Juazeiro,
na Bahia. Daí até São Paulo, via Minas Gerais. Ao fim da sofrida caminhada,
sobrava pouco, ou nada. Hoje, o progresso melhorou os caminhos do Nordeste para
o Sul/Sudeste, os acessos estão, relativamente, mais fáceis. Às vezes são os do
Sul/Sudeste que migram pro Norte/Nordeste. Entretanto, se, na jornada pela
vida, a morte prematura for vencida, um dia! o retirante voltará pra sua terra,
nem que seja pra mostrar as sobras da família retirante: – Oi eu aqui de
novo, xaxado! Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo! Para sempre seja
louvado!
Missão impossível: arrancar o
Nordeste de dentro do retirante. Não importa o destino, o nativismo será sempre
uma comovente companhia. Na saída, o cérebro entra no modo sobrevivência e vai,
o desejo de comida e água fartas vão, mas o coração fica. O amor é mais forte
do que a razão e envolve todos os encantos e cantos de cada letra da palavra
saudade.
“Inté mesmo a asa
branca
Bateu asas do sertão
Entonce eu disse:
Adeus, Rosinha
Guarda contigo meu
coração
Entonce eu disse:
Adeus, Rosinha
Guarda contigo meu
coração”
Pais de santo, padres e
pastores de todos os naipes, filhos da transcendência, ensinam como ter fé e usufruir
dos santos católicos, dos orixás africanos e dos deuses em geral.
A condição de
rezadeira, defendida na negritude de D. Avelina, ao som dos atabaques, era
conhecida por quase todos os habitantes das pequenas cidades sertanejas por
onde atuava. Muitos a temiam, evitavam cruzar a rua com ela, principalmente os
crentes, diziam que ela tinha parte com o diabo. De fato, ela era poderosa,
rezadeira com o dom hipocrático de amainar a dor. Andava na boca dos
necessitados, igualmente procurada por fazendeiros, para curar bicheiras de
gado. O povo dizia que Vó Avelina tinha poderes sobre a mosca varejeira.
Todo ano, em temporada de
varejeiras, aparecia um depósito razoável, na conta que D. Avelina abrira na
Caixa Econômica de Senhor do Bonfim, embora residisse oficialmente em uma roça
de Capim Grosso. Ela sabia o porquê dos misteriosos depósitos: Fazendeiros de
Feira de Santana recorriam a ela toda vez que as moscas atacavam o rebanho. O
que mais impressionava: eles mandavam um vaqueiro até Capim Grosso, mais de
100km distante da fazenda, para narrarem as características das vacas doentes e
a localização da fazenda. A velha Avelina preparava um altar, com galhos de
bambu, espadas-de-São-Jorge, cansanção e ramos de arruda, além de um velho
quadro, reproduzindo a figura de Antônio Conselheiro, medindo 50 X 70 cm, que
ela guardara, como lembrança de Canudos. Dizia pra todo mundo que aquele
retrato ela recebera como herança de sua avó, rezadeira oficial de Conselheiro.
Língua afiada e
concatenada com o misterioso, rezava com muita convicção, para depois se dirigir
ao vaqueiro e informar: - pode voltar pra sua fazenda, diga ao seu patrão
que a bicheira caiu e lembre a ele o número da minha conta. Um ou outro
vaqueiro duvidava da alvíssara, só abria a cara de estupefação, após ver com os
próprios olhos. Durante anos, a fama correu por todas as cidades do entorno, a
poupança rendia os juros da propaganda boca a boca. O dinheiro era suficiente
pra ela melhorar e manter casas em Capim Grosso, Senhor do Bonfim e Juazeiro. Gostava
de ajudar outras pessoas, passando a imagem de benfeitora das cidades do
polígono das secas. Vivia bem! Ademais, mesmo sendo considerada, pela igreja
católica, Mãe de Santo, pagava dízimos ao padre Válter da paróquia de Senhor do
Bonfim e assistia missas, quando podia. Fazia questão de comungar, porém só
recebia a hóstia se fosse das mãos do padre paroquiano. Avelina, segundo os que a conheciam, morreu
com mais de cem anos de idade. Na lápide de uma tumba de mármore branco, no
cemitério de Feira de Santana, um fazendeiro de Riachão do Jacuípe mandou
colocar uma foto de Avelina, seguida da alcunha pela qual ela gostava de ser
conhecida: O Porrete das Bicheiras!
Neste país, afeito a
polarizações, até o poder das rezadeiras está entre o céu e o inferno. Não se
sabe até hoje se o poder de Avelina vinha de Deus ou de Satanás. Naquela época,
não havia celulares e muito menos fakenews; havia mentiras, grandes e pequenas,
como as de primeiro de abril, porque elas são inerentes, todavia ninguém era
besta de duvidar das forças obscuras das rezadeiras, muito menos dos fantasmas,
essencialmente daquele que aparecia no beco do colégio das freiras, em Senhor
do Bonfim. Vestia-se como freira, mas quando a pessoa chegava perto a batina
flutuava no ar, desnudando a aparição: o fantasma não tinha corpo nem rosto.
Uuuuuai!!! Valei-me minha nossa senhora…
D. Avelina era poderosa, temida! Sabia como
ninguém romper limites, superar obstáculos e ir além do humano. Enquanto viva,
rendeu homenagens à mama África e à herança cristã, feito gilete. Guardiã
da memória, serviu como personagem da cultura popular.
Quebranto e outros
males menores não eram páreo para o raminho de arruda de Tia Avelina: ela
colocava o doente de joelhos à sua frente, de tal forma que a pessoa pudesse
enxergar o retrato de Antônio Conselheiro, com sua enorme barba preta e o olhar
incisivo. Pronunciava, em voz baixa, palavras incompreensíveis, enquanto
balançava o raminho de arruda no entorno da pessoa enferma e o mal partia, para
as profundezas do inferno. Dona do mundo misterioso, só não sabia fazer chover,
mas conhecia, na intimidade, todos os hinos a S. José, o padroeiro das chuvas
no sertão.
Meu divino São José
Aqui estou em vossos pés
Nos dê chuva com
abundância
Meu Jesus de Nazaré
Tia Avelina, Vó Avelina
ou D. Avelina foi vencida pela morte, deixando marcas de alívio, nos sofredores
que buscaram ajuda, para superar seus males: Curou minha enxaqueca; salvou
meu filho, expulsou bicheira de boi, ignorando a distância. Boas e más lembranças
inté hoje circulam pela cabeça dos ditos fortes, no polígono das secas, contudo
o martírio das mortes violentas, nos campos de Canudos, virou refém da
narrativa histórica, está tatuado na memória, renova lágrimas que o tempo não pode
enxugar.
Confraria dos Assassinos do Tempo
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