Segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022 - 14h58
Não parecia, mas o tempo já havia contado 30 anos desde que me refugiei em outro lugar. Nessa manhã nublada de verão, ao ouvir o canto dos pássaros e o silêncio do amanhecer, lembrei-me de um ditado que ouvira há décadas de um parceiro de jornada - desses amigos invisíveis, como gosto de dizer: "O silêncio é dos sábios". Aprenda a silenciar. Mas, de comportamento impulsivo, demorei décadas para assimilar esse preceito do bem viver. Hoje, com a maturidade florescendo, aprecio demais fechar os olhos e ouvir o silêncio e também silenciar - coisas distintas para se entender e praticar. Nesse movimento, ouço as batidas do coração, o balançar das folhas das árvores, o vento, os pequenos sons ao redor. Suspiro buscando o céu...
Já é quase o terceiro mês do ano novo. O tempo convencional virou páginas. Parece tão pouco, o que mudaria? O que mudou? O que mudará? Lembrei-me de um texto de Drummond intitulado 'O Tempo' "Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um individuo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para diante tudo vai ser diferente..."
Mais um suspiro e fui abraçar uma flor; abri os braços e os ergui em direção ao céu e ao sol. Fechei os olhos e suspirei mais uma vez e senti o ar entrando pelo meu corpo invadindo meu ser. Rodopiei. Sempre me senti assim, às vezes tão profunda e quieta e em outras um furacão, um vulcão em erupção.
Drummond tem razão, balbuciei. Sem esse corte no tempo seria mais difícil suspirar. Olhei para as minhas mãos e vi o que o tempo silenciosamente trabalhou em minha pele. O tempo é sorrateiro e o silêncio nos ajuda a observá-lo melhor. O silêncio acalma, aquieta e ajeita as coisas em nós e o tempo vai levando aquelas 'coisas', as amarguras que doem; vai também faxinando, arrumando, construindo; levando e trazendo gente, histórias e amores. Eu tenho para mim, pelo que sou, que serei com o passar do tempo dessas mulheres que jamais envelhecerão - apesar do tempo na pele. Dessas senhoras/menina que vão sempre suspirar de braços abertos para o sol e para o vento. Que vão conversar com a lua e desejar ainda fazer amor com água na boca. Para além disso, também me vejo em silêncio, balançando-me na rede. Nela, fecho os olhos, sinto o vento, ouço os pássaros e amo o silêncio. Daqui da varanda do meu quintal penso no tempo passando e ouço calmamente o silêncio do próprio tempo e do meu coração. E, balançando-me, adormeci para sonhar e ao acordar perceber que o tempo já havia passado e construído em mim 56 páginas. Sorri.
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