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Dizem os estudiosos que as palavras surgiram da necessidade de comunicação dos membros de um grupo: nas reuniões de fim de tarde, em volta de uma fogueira, cada tribo, cada grupo ia moldando os sons conforme objetos e seres a serem nomeados. De palavra em palavra, com o passar do tempo, cada povo formou seu vocabulário próprio, ampliado diariamente, em função da evolução cerebral e da criatividade de cada um. Impossível dizer porque os sons dos significados variaram tanto ao longo dos povos do planeta, se viemos, praticamente, de dois troncos: sapiens e neandertais.  

Se existissem palavras fossilizadas ou uma ciência que cuidasse exclusivamente do estudo do surgimento da palavra, algo além da etimologia, com certeza nos surpreenderíamos com a evolução e o nascimento de muitos vocábulos e expressões, usados no dia-a-dia, nas diversas línguas existentes ao redor do universo. A ética da palavra seria um estudo muito interessante, o significado de um palavrão ou como eles surgiram ao longo dos grupos: hijo de una yegua.

A   palavra “porra”, por exemplo, um palavrão que, na Bahia, evoluiu para “porreta”, hoje é um elogio, conhecido em todo o Nordeste: mas que música porreta!!! - Ninguém foi mais porreta do que irmã Dulce. No entanto, “porra”, na Bahia e no resto do Brasil, continua sendo algo nada elogiável: Mas que porra de música é esta que estão tocando aqui? Outra palavra que vem sofrendo alterações, nos últimos anos, é caralho. Ora é sinônimo de pênis, ora é um adjetivo qualificativo para depreciar ou exaltar uma situação: A festa está do caralho!!!

Muitas palavras “inventadas” por brasileiros só são entendidas no Brasil e só chegarão a outros países de língua portuguesa, via televisão, internet ou por migrantes e turistas. Alguns neologismos são impossíveis de serem traduzidos para outras línguas. Em Portugal “bicha” é sinônimo de “fila”, no Brasil, bicha, bichinha ou bichona, é uma gíria para nomear homossexuais, talvez em função da palavra “bicho” ser um substantivo comum de dois gêneros. Como seria traduzir cu-doce em alemão, ou fazer o chinês entender o significado da expressão se nem nós sabemos explicar a origem???

Claro que estamos falando da língua portuguesa, mas todas as línguas, além de serem dinâmicas, possuem as suas particularidades neológicas, semânticas e etimológicas. João Guimarães Rosa foi um dos vanguardistas na criação de neologismos, soube como ninguém reinventar a língua, tanto que muita gente, para entender Grande Sertão: Veredas, precisava consultar um dicionário próprio, criado pelos críticos do renomado escritor. Entalagado, na veia literária do escritor, era sinônimo de embriagado, ou seja, aquele que bebeu em talagadas. Ademais ele recriou na literatura a fala do sertanejo, não apenas no plano do vocabulário, mas também no da sintaxe e da melodia da frase.

"O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem." (João Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas)

Dramaturgo, escritor de artigos para jornal, cronista, radialista, Nelson Rodrigues, ajudou a popularizar palavrões, foi criador de neologismos, mas passou à história como autor da expressão, complexo de vira-latas: “Por complexo de vira-latas entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol”. Embora criada em 1958, até hoje a expressão é usada em ocasiões e situações que caracterizam a subalternidade do brasileiro em relação a outros povos. 

Atualmente, em função da internet e das mídias sociais, convivemos com uma salada de gírias, palavras novas ou derivativas e expressões idiomáticas, umas engraçadas, criativas, e outras advindas da mistura de línguas, com a predominância do inglês. Vejamos alguns exemplos: aquapestre, a arte de montar em cavalos marinhos; casburro aquele que é teimoso e pouco inteligente; zodiacar, culpar os astros pelos nossos erros; vocabu-lar, a casa das palavras; bootânica, parte da história sobrenatural que estuda as plantas assombradas; bolbo da corte, uma cebola que faz o rei chorar; cebolema, uma questão complexa com várias camadas; informol, líquido que serve para preservar cadáveres mais descontraídos; e por aí vai, numa longa cadeia de palavras e expressões, surgidas no âmbito da diversidade criativa dos humanos.

No entanto, tem palavras que são inimagináveis na boca de certas pessoas. Imaginem um general dizendo “sim” aos pixulés exigidos por políticos, na sala de um ministério do governo: melhor dizer “não” e renunciar ao cargo, do que aderir à prática dos pixulés e pisar na ética do Exército Brasileiro.

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