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Crônica

Sustança


Luiz Albuquerque - Gente de Opinião
Luiz Albuquerque

O Brasil é, realmente, um país onde as diferenças regionais são gritantes. Com exceção do que existe em comum em todo o Território Nacional, como o idioma, o futebol e o carnaval, quase todos os outros costumes variam de acordo com a Região e com a origem de sua população. Para exemplificar, e porque tem a ver com este relato, vamos falar de alimentos. Não a culinária dita tradicional, mas o complemento alimentar básico, aquele que a maioria da população não passa sem ele.

Existe o feijão, que é unanimidade Brasileira. Fora este e poucos outros, cada região tem seu produto que, sem ele, parece que a comida não tem gosto. No Sul tem a polenta, no Sudeste, o pãozinho. No Centro-Oeste, o torresmo, no Nordeste a rapadura. E no Norte tem a farinha de mandioca.

Quando eu falo da farinha, no Norte não é a que se consome nas demais regiões, aquela branca e fina, um pó. A farinha consumida no Norte é algo difícil de explicar para quem nunca a experimentou ou mesmo nem a viu. Vamos ver se eu consigo.

A farinha do caboclo amazônico tem, como matéria prima, a mandioca chamada de brava, amarela, contém um princípio tóxico, e assim não pode ser consumida “in natura” por ser venenosa.

Existem basicamente dois tipos de farinha: A farinha seca e a farinha d’água. A seca, de cor de um amarelo fraco ou branca, tem gosto menos ativo e serve como acompanhamento principalmente para carnes fritas ou assadas. Já a farinha d’água tem a cor amarelo forte, com o gosto mais ativo e vai muito bem quando acompanha peixes em geral ou carnes com caldo, embora tenha quem mistura tais farinhas até com macarrão. No Amazonas é comum aos nativos colocarem farinha também em doces e em sucos de frutas regionais, como no açaí ou no cupuaçu.

O que intriga aos que passam a conhecer algumas dessas farinhas, principalmente a d’água, é sua aparência, grossa e sem uniformidade, mais parecendo uma porção de pequenos pedregulhos. É comum àqueles que as provam pela primeira vez perderem obturações dentárias ou quebrar pequenos pedaços do dente. Mas tudo é só uma questão de costume.

Na região amazônica a farinha é um acompanhamento presente em todas as refeições, é uma coisa séria. Para ilustrar tal afirmação, vou relatar um fato que ocorreu

Pois bem. Há alguns anos chegou na empresa um colega que trabalhava na filial de Manaus, AM. Ele veio para   participar de um treinamento que duraria quinze dias. Era um amazonense de traços indígenas e um pouco acima do peso, chegando a ser barrigudo. Logo destacou-se não só por ser excelente técnico, mas também por tomar todas e comer muito.

Em poucos dias o rapaz passou a ser destaque pela quantidade de comida que consumia a cada refeição, servida em mesa farta até demais. Fazia o primeiro prato, o segundo e o terceiro. Todos terminavam há tempo e ele ali, comendo. Aos poucos, quase todos iam se retirando, ficando apenas alguns que, educadamente, faziam-lhe companhia.

Certa feita, ao final de um almoço, perguntei: “e aí, o que está achando da comida aqui da empresa?” Ele respondeu: “É muito boa! Pena que não dá pra deixar a gente satisfeito”. Eu, incrédulo, questionei: “Mas não é possível! Depois de tudo o que você comeu, ainda consegue ter fome?” Ele, demonstrando total desprezo, me olhou e soltou a grande verdade: “Aquilo lá? Que é que adianta ter aquele monte de comida se não tiver farinha? Sem farinha, a comida não dá sustança!”. 

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