Sábado, 19 de abril de 2025 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Crônica

Você é Ridículo


Você é Ridículo - Gente de Opinião

A maioria dos bordões usados nos esportes ou os apelidos dados pelos narradores aos desportistas chamam a atenção pelo uso de palavras inadequadas ou com significados diferentes daqueles do dia a dia. Assim é que chamar um jogador de monstro, piaba, cabeça de bagre, imperador, rei de Roma, jogador do século, deus, ou narrar um gol gritando: olho no lance! − tá no filó − agora não adianta chorar – cruel, cruel, muito cruel – apontou, atirou, entrou… golaço, aço, aço, são tentativas bem sucedida de passar, pela voz, a emoção do narrador aos milhares de ouvintes ou de telespectadores.

No tempo do rádio, muita gente ia para o estádio com um radinho de pilha na mão, não bastava ver, era preciso ouvir a voz emocionada do seu locutor preferido, narrando o gol em uma velocidade incrível, quase sendo atropelado pelas palavras. Conheço um jovem senhor, apaixonado por futebol, que ainda hoje assiste o jogo pela TV, com volume zero, porque o som da emoção vem de um rádio ligado ao lado da TV. Com o advento das telas e as transmissões ao vivo, as narrações ficaram mais lentas, obrigando os narradores a inventaram bordões mais chamativos, como: Sabe de quem, sabe de quem? – Olho no lance! – Olha lá, olha lá, olha lá, no placar.

Os bordões são como um cartão de identidade dos narradores e das emissoras para as quais trabalham, é uma espécie de assinatura de suas transmissões. Quando o narrador é bom, um simples bordão ganha emoção dobrada e os torcedores vibram com um lance bonito, um drible, um chute venenoso; no basquete, uma cesta, uma enterrada, um lance de três pontos. As frases usadas são capazes de marcar época e se eternizam na memória dos torcedores. Difícil esquecer o grito do Galvão Bueno, vindo dos EUA: é tetra, é tetra, é tetra!!!

Ainda hoje depois de ter abandonado o futebol há muitos anos, Falcão é identificado no Brasil, na Itália e em diversos países, onde o futebol é o esporte principal, como o Rei de Roma. Adriano, enquanto jogou na Internacional foi chamado de Imperador. Na copa de 1970, Gérson ficou conhecido como o homem da canhotinha de ouro. Praticamente todo jogador tinha ou tem um apelido que o identifica com um lance ou com uma característica física própria, como o craque das pernas tortas (Garrincha), se bem que, hoje, os apelidos foram repensados, pois podem gerar processos na justiça: Negão, Zarolho, Macaquinho, Bodão, Bunda Mole, Mãozinha, Polaco, Vermelhão, Colorido, Índio, Noiado, Boiola, Diabo loiro, são exemplos de apelidos inviáveis.

A narrativa esportiva vem mudando, ao longo dos anos. Até as mulheres estão entrando nessa seara, antes privativa dos homens. O narrador (a) multiesportivo torna as transmissões mais descontraídas, coloquiais, irreverentes e emocionadas, com o uso de bordões e trocadilhos cada vez mais esquisitos, estreitando relações com o torcedor. Para cada esporte, o narrador inventa um jeito novo de transmitir, deixando de ser alguém que está simplesmente contando o que está vendo, para ser, também, o que está vivendo e sentindo.

Quem é amante do basquete e da NBA adora ouvir os bordões, os apelidos e as improvisações gritadas durante as transmissões do narrador Rômulo Mendonça, conhecido como o mensageiro do caos, e que foi eleito, em 2019, o melhor narrador do país, no Prêmio Comunique-se. Veja algumas pérolas do Rômulo: É um facííííínora! que homem! mora de pantufas no meu coração! - Cheguei chegando, suas lambisgóias. -  Onde estão vocês, suas sirigaitas? – A jararaca assassina – O veneno da jararaca - Hoje tem papai lebrão contra o time do Justin Timberlaker. − O resgate da aberração, maravilhooosaaaaaaaa! −Antetokoumpoooooooo! uma carreta, furacããããããão! – Nei Latorraaaaaca!

Apesar do sucesso do Rômulo Mendonça nas noites e madrugadas de transmissão da NBA, pelo canal ESPN, é de Everaldo Marques, hoje na Globo, mas que veio da escolinha da ESPN, o bordão mais marcante e aplaudido pelos telespectadores: − "Você é ridículo!", mudando a conotação negativa, originária da frase, para positiva, assim sendo, o você é ridículo passa a ser um elogio. Outra frase dele, também famosa: “enquanto tem bambu tem flecha”.

O esporte e a política são paixões emotivas muito próximas, imaginem se os bordões de duplo sentido pulassem dos esportes populares para a política e um apresentador de telejornal identificasse o Ciro como jararaca e pedisse aos eleitores para que tomassem cuidado com o veneno da jararaca. Em outro dia dissesse a plenos pulmões: − Bolsonaro, você é ridículo! E diante de uma foto do ex-presidiário barbudo gritasse: − Petralha, você é um facínora! E após uma entrevista do Moro a um repórter da emissora: Que homem! você mora de pantufas no meu coração. Muita gente ia parar no pronto-socorro.

Em se tratando de política, prefiro dizer: Você é ridículo, cuidado com o veneno da jararaca e você é um facínora, no sentido original das expressões. 

Gente de OpiniãoSábado, 19 de abril de 2025 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

O Corão e os Discípulos de Jesus

O Corão e os Discípulos de Jesus

Sempre considerei absurdo contendas entre muçulmanos e cristãos. São execráveis. Ambos são crentes do mesmo Deus, e o Corão tem imensas afinidades c

Brasília: um sonho maçônico que precisa ser resgatado

Brasília: um sonho maçônico que precisa ser resgatado

Em 1956, quando Juscelino Kubitschek resolveu erguer Brasília, realizou uma cerimônia  no local onde hoje está o Memorial dos Povos Indígenas. Com u

Podcasts como vistas da janela da escrita

Podcasts como vistas da janela da escrita

       Incrível como as vistas da janela da escrita vêm se digladiando, no processo de divulgação de conteúdos, ao longo dos últimos anos, como se a

Confissões de um ribeirinho

Confissões de um ribeirinho

O rio Madeira está muito cheio hoje. A régua de medição das enchentes está marcando quase 17 metros em Porto Velho. Essa marca é a cota de alagação,

Gente de Opinião Sábado, 19 de abril de 2025 | Porto Velho (RO)