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Crônica

Você é Ridículo


Você é Ridículo - Gente de Opinião

A maioria dos bordões usados nos esportes ou os apelidos dados pelos narradores aos desportistas chamam a atenção pelo uso de palavras inadequadas ou com significados diferentes daqueles do dia a dia. Assim é que chamar um jogador de monstro, piaba, cabeça de bagre, imperador, rei de Roma, jogador do século, deus, ou narrar um gol gritando: olho no lance! − tá no filó − agora não adianta chorar – cruel, cruel, muito cruel – apontou, atirou, entrou… golaço, aço, aço, são tentativas bem sucedida de passar, pela voz, a emoção do narrador aos milhares de ouvintes ou de telespectadores.

No tempo do rádio, muita gente ia para o estádio com um radinho de pilha na mão, não bastava ver, era preciso ouvir a voz emocionada do seu locutor preferido, narrando o gol em uma velocidade incrível, quase sendo atropelado pelas palavras. Conheço um jovem senhor, apaixonado por futebol, que ainda hoje assiste o jogo pela TV, com volume zero, porque o som da emoção vem de um rádio ligado ao lado da TV. Com o advento das telas e as transmissões ao vivo, as narrações ficaram mais lentas, obrigando os narradores a inventaram bordões mais chamativos, como: Sabe de quem, sabe de quem? – Olho no lance! – Olha lá, olha lá, olha lá, no placar.

Os bordões são como um cartão de identidade dos narradores e das emissoras para as quais trabalham, é uma espécie de assinatura de suas transmissões. Quando o narrador é bom, um simples bordão ganha emoção dobrada e os torcedores vibram com um lance bonito, um drible, um chute venenoso; no basquete, uma cesta, uma enterrada, um lance de três pontos. As frases usadas são capazes de marcar época e se eternizam na memória dos torcedores. Difícil esquecer o grito do Galvão Bueno, vindo dos EUA: é tetra, é tetra, é tetra!!!

Ainda hoje depois de ter abandonado o futebol há muitos anos, Falcão é identificado no Brasil, na Itália e em diversos países, onde o futebol é o esporte principal, como o Rei de Roma. Adriano, enquanto jogou na Internacional foi chamado de Imperador. Na copa de 1970, Gérson ficou conhecido como o homem da canhotinha de ouro. Praticamente todo jogador tinha ou tem um apelido que o identifica com um lance ou com uma característica física própria, como o craque das pernas tortas (Garrincha), se bem que, hoje, os apelidos foram repensados, pois podem gerar processos na justiça: Negão, Zarolho, Macaquinho, Bodão, Bunda Mole, Mãozinha, Polaco, Vermelhão, Colorido, Índio, Noiado, Boiola, Diabo loiro, são exemplos de apelidos inviáveis.

A narrativa esportiva vem mudando, ao longo dos anos. Até as mulheres estão entrando nessa seara, antes privativa dos homens. O narrador (a) multiesportivo torna as transmissões mais descontraídas, coloquiais, irreverentes e emocionadas, com o uso de bordões e trocadilhos cada vez mais esquisitos, estreitando relações com o torcedor. Para cada esporte, o narrador inventa um jeito novo de transmitir, deixando de ser alguém que está simplesmente contando o que está vendo, para ser, também, o que está vivendo e sentindo.

Quem é amante do basquete e da NBA adora ouvir os bordões, os apelidos e as improvisações gritadas durante as transmissões do narrador Rômulo Mendonça, conhecido como o mensageiro do caos, e que foi eleito, em 2019, o melhor narrador do país, no Prêmio Comunique-se. Veja algumas pérolas do Rômulo: É um facííííínora! que homem! mora de pantufas no meu coração! - Cheguei chegando, suas lambisgóias. -  Onde estão vocês, suas sirigaitas? – A jararaca assassina – O veneno da jararaca - Hoje tem papai lebrão contra o time do Justin Timberlaker. − O resgate da aberração, maravilhooosaaaaaaaa! −Antetokoumpoooooooo! uma carreta, furacããããããão! – Nei Latorraaaaaca!

Apesar do sucesso do Rômulo Mendonça nas noites e madrugadas de transmissão da NBA, pelo canal ESPN, é de Everaldo Marques, hoje na Globo, mas que veio da escolinha da ESPN, o bordão mais marcante e aplaudido pelos telespectadores: − "Você é ridículo!", mudando a conotação negativa, originária da frase, para positiva, assim sendo, o você é ridículo passa a ser um elogio. Outra frase dele, também famosa: “enquanto tem bambu tem flecha”.

O esporte e a política são paixões emotivas muito próximas, imaginem se os bordões de duplo sentido pulassem dos esportes populares para a política e um apresentador de telejornal identificasse o Ciro como jararaca e pedisse aos eleitores para que tomassem cuidado com o veneno da jararaca. Em outro dia dissesse a plenos pulmões: − Bolsonaro, você é ridículo! E diante de uma foto do ex-presidiário barbudo gritasse: − Petralha, você é um facínora! E após uma entrevista do Moro a um repórter da emissora: Que homem! você mora de pantufas no meu coração. Muita gente ia parar no pronto-socorro.

Em se tratando de política, prefiro dizer: Você é ridículo, cuidado com o veneno da jararaca e você é um facínora, no sentido original das expressões. 

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