Segunda-feira, 31 de janeiro de 2022 - 12h06
A maioria dos bordões usados
nos esportes ou os apelidos dados pelos narradores aos desportistas chamam a
atenção pelo uso de palavras inadequadas ou com significados diferentes daqueles
do dia a dia. Assim é que chamar um jogador de monstro, piaba, cabeça de bagre,
imperador, rei de Roma, jogador do século, deus, ou narrar um gol gritando: olho
no lance! − tá no filó − agora não adianta chorar – cruel, cruel,
muito cruel – apontou, atirou, entrou… golaço, aço, aço, são tentativas
bem sucedida de passar, pela voz, a emoção do narrador aos milhares de ouvintes
ou de telespectadores.
No tempo do rádio, muita gente
ia para o estádio com um radinho de pilha na mão, não bastava ver, era preciso
ouvir a voz emocionada do seu locutor preferido, narrando o gol em uma
velocidade incrível, quase sendo atropelado pelas palavras. Conheço um jovem
senhor, apaixonado por futebol, que ainda hoje assiste o jogo pela TV, com
volume zero, porque o som da emoção vem de um rádio ligado ao lado da TV. Com o
advento das telas e as transmissões ao vivo, as narrações ficaram mais lentas,
obrigando os narradores a inventaram bordões mais chamativos, como: Sabe
de quem, sabe de quem? – Olho no lance! – Olha lá, olha lá, olha lá, no placar.
Os bordões são como um cartão
de identidade dos narradores e das emissoras para as quais trabalham, é uma
espécie de assinatura de suas transmissões. Quando o narrador é bom, um simples
bordão ganha emoção dobrada e os torcedores vibram com um lance bonito, um
drible, um chute venenoso; no basquete, uma cesta, uma enterrada, um lance de
três pontos. As frases usadas são capazes de marcar época e se eternizam na
memória dos torcedores. Difícil esquecer o grito do Galvão Bueno, vindo dos EUA:
é tetra, é tetra, é tetra!!!
Ainda hoje depois de ter
abandonado o futebol há muitos anos, Falcão é identificado no Brasil, na Itália
e em diversos países, onde o futebol é o esporte principal, como o Rei de Roma.
Adriano, enquanto jogou na Internacional foi chamado de Imperador. Na copa de
1970, Gérson ficou conhecido como o homem da canhotinha de ouro. Praticamente
todo jogador tinha ou tem um apelido que o identifica com um lance ou com uma característica
física própria, como o craque das pernas tortas (Garrincha), se bem que, hoje,
os apelidos foram repensados, pois podem gerar processos na justiça: Negão,
Zarolho, Macaquinho, Bodão, Bunda Mole, Mãozinha, Polaco, Vermelhão, Colorido, Índio,
Noiado, Boiola, Diabo loiro, são exemplos de apelidos inviáveis.
A narrativa esportiva vem
mudando, ao longo dos anos. Até as mulheres estão entrando nessa seara, antes
privativa dos homens. O narrador (a) multiesportivo torna as transmissões mais
descontraídas, coloquiais, irreverentes e emocionadas, com o uso de bordões e
trocadilhos cada vez mais esquisitos, estreitando relações com o torcedor. Para
cada esporte, o narrador inventa um jeito novo de transmitir, deixando de ser alguém que está simplesmente
contando o que está vendo, para ser, também, o que está vivendo e sentindo.
Quem é amante do basquete e da
NBA adora ouvir os bordões, os apelidos e as improvisações gritadas durante as
transmissões do narrador Rômulo Mendonça, conhecido
como o mensageiro do caos, e que foi eleito, em 2019, o melhor narrador
do país, no Prêmio Comunique-se. Veja algumas pérolas do Rômulo: É um facííííínora! que homem! mora de pantufas no meu
coração! - Cheguei chegando, suas lambisgóias. - Onde estão vocês, suas sirigaitas? – A
jararaca assassina – O veneno da jararaca - Hoje tem papai lebrão contra o time
do Justin Timberlaker. − O resgate da aberração, maravilhooosaaaaaaaa! −Antetokoumpoooooooo!
uma carreta, furacããããããão! – Nei Latorraaaaaca!
Apesar do sucesso do Rômulo Mendonça nas noites e
madrugadas de transmissão da NBA, pelo canal ESPN, é de Everaldo Marques, hoje
na Globo, mas que veio da escolinha da ESPN, o bordão mais marcante e aplaudido
pelos telespectadores: − "Você é ridículo!", mudando a
conotação negativa, originária da frase, para positiva, assim sendo, o você
é ridículo passa a ser um elogio. Outra frase dele, também famosa:
“enquanto tem bambu tem flecha”.
O esporte e a política são paixões emotivas muito
próximas, imaginem se os bordões de duplo sentido pulassem dos esportes
populares para a política e um apresentador de telejornal identificasse o Ciro
como jararaca e pedisse aos eleitores para que tomassem cuidado com o veneno da
jararaca. Em outro dia dissesse a plenos pulmões: − Bolsonaro, você é
ridículo! E diante de uma foto do ex-presidiário barbudo gritasse: − Petralha,
você é um facínora! E após uma entrevista do Moro a um repórter da
emissora: Que homem! você mora de pantufas no meu coração. Muita gente
ia parar no pronto-socorro.
Em se tratando de política, prefiro dizer: Você
é ridículo, cuidado com o veneno da jararaca e você é um facínora, no
sentido original das expressões.
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