Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024 - 08h05
Em recente pronunciamento, na véspera da reunião do
Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) em
10/12/2024, onde se decidiria pela conclusão, ou não, de Angra 3, o
deputado federal Julio Lopes (RJ) evocou a população a rezar
para que fosse aprovada a retomada da usina. O deputado é o mesmo que
sofre uma ação que está em julgamento no Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), envolvendo a apuração de crimes comuns de corrupção ativa e passiva,
lavagem de ativos e falsificação, ou alteração de documentos públicos para fins
eleitorais.
Nada mais nos surpreende quanto aos argumentos
usados pelos nucleopatas, cuja intenção é a nuclearização do país.
Mas apelar à religiosidade do povo brasileiro, através de rezas, para
intervir nas decisões dos membros do CNPE sobre o uso de uma tecnologia mais
conhecida pela destruição, morte e desastres causados pela radiação, é, no
mínimo, estapafúrdio. Está fora do contexto
econômico, científico, ambiental, ético e social, que a discussão exige.
Filiado ao Partido Progressista (PP) e atual
presidente da Frente Parlamentar Mista da Tecnologia e Atividades
Nucleares, o nobre deputado não parou por aí. Chegou a audácia de afirmar
que “o país perderia bilhões e um conhecimento estratégico, caso não fosse
aprovada a continuidade do empreendimento”. Frases ao léu, sem bases
comprobatórias. O que o país perderia, conforme o deputado, seria um ganho para
o país que ficaria livre do perigo iminente que representa tal tecnologia. O
conhecimento é conquistado em estudos científicos, pesquisas nas universidades,
em reatores de pesquisa, e não em uma usina industrial.
O tom alarmista que os defensores da tecnologia
nuclear utilizam não condiz com a verdade dos fatos. Declaram que a
falta de novas usinas nucleoelétricas coloca em risco a segurança
energética do país, gerando instabilidade no sistema elétrico, além da
descabida afirmação que a nuclear é uma fonte
limpa, que contribui para enfrentar o aquecimento global.
É bom lembrar que esta usina nuclear foi iniciada
na década de 80 do século passado, resultado do acordo nuclear promovido pela
ditadura militar com a Alemanha, que previa a construção de 8 usinas no país.
Felizmente para o povo brasileiro somente uma foi concluída, Angra 2. A própria
Alemanha recentemente abandonou a construção de novas usinas, fechando as já
existentes em seu território.
O que não é dito é que a maior parte dos
componentes eletromecânicos desta usina foram adquiridos no século
passado, e pelo tempo que estão armazenados são antigos e obsoletos em relação
à evolução tecnológica ocorrida após os desastres catastróficos em Chernobyl
(1986) e Fukushima (2011). Angra 3 é um projeto ultrapassado, que não
cumpre vários requisitos atuais de segurança. Seus equipamentos estão
passando por um polêmico, nada confiável, “upgrade”. A
continuidade da obra é uma verdadeira irresponsabilidade, aumentando muito a
probabilidade de desastres acontecerem, caso esses equipamentos venham a ser
utilizados.
Outro aspecto é o uso e abuso de uma terminologia equivocada,
e sem respaldo na ciência. A mentira que a eletricidade nuclear é uma fonte limpa, salta aos olhos, mesmo dos
mais desavisados. Como limpa? Qualquer fonte de energia quando transformada
produz algum tipo de impacto ao ser humano e à natureza. A obtenção da
eletricidade nuclear consiste de vários processos industriais, desde a
mineração do urânio até seu uso final nos reatores, como combustível. Em todas
estas atividades a produção de emissões de gases de efeito estufa ocorre. Outra
questão a ser considerada é a produção de resíduos, conhecidos como "lixo
atômico". Sem dúvida, um dos maiores problemas, pois deixa para as
gerações futuras rejeitos com alta
radioatividade, cujos elementos químicos emitirá radiação nos próximos milhares
de anos, para os quais a ciência ainda não sabe como armazenar com segurança.
No afã de defender uma fonte de energia cujo
interesse é somente “fazer negócios”, o interesse público é deixado de lado,
pois a eletricidade nuclear é cara, bem mais cara que as fontes renováveis de
energia, como a solar, eólica e hidráulica, que hoje contribuem com mais de 85%
na matriz elétrica brasileira. Segundo estudo do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ainda serão necessários mais 23
bilhões de reais para finalizar a construção de Angra 3. Caso isto aconteça, haverá aumento nas contas de luz para todos os
consumidores.
Apesar do deputado ser um dos coassinantes de uma
PEC, intitulada “Soberania e do Equilíbrio Fiscal”, propondo cortes de gastos
severos nos benefícios sociais, é um defensor de primeira linha dos
supersalários dos gestores do setor nuclear. Uma contradição, que deixa claro
que defende interesses privados em detrimento dos interesses públicos.
Sugiro que as rezas sejam dirigidas para que os
espíritos malignos, concentrados no Congresso Nacional, não sejam mais eleitos,
pois não agem a serviço da imensa população que convive com tarifas de energia
elétrica exorbitantes e com o serviço de má qualidade das distribuidoras.
Assim, o interesse público é deixado de lado. O que importa para as almas
sebosas existentes nos poderes da República, são apenas meros interesses
econômicos e de poder. O que também deixa claro que nunca, na história deste
país, tivemos um Congresso tão ruim para o povo brasileiro como este que aí
está.
___________________
* Professor associado aposentado da Universidade Federal de
Pernambuco, graduado em Física pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP/SP), mestrado em Ciências e Tecnologias Nucleares na Universidade
Federal de Pernambuco (DEN/UFPE) e doutorado em Energética, na Universidade de
Marselha/Aix, associado ao Centro de Estudos de Cadarache/Comissariado de
Energia Atômica (CEA)-França. Integrante da Articulação Antinuclear Brasileira.
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