Terça-feira, 28 de janeiro de 2025 - 13h10
No século XIX, o pesquisador francês August
Saint-Hilaire (1779-1853) ficou espantado com a ação devastadora das formigas
cortadeiras no Brasil, atingindo inclusive árvores frondosas. E aí foi cunhada
uma frase que se tornou famosa: “Se o Brasil não acabar com a saúva, a saúva
acaba com o Brasil”.
Já estamos no século XXI e nem o Brasil acabou
com a saúva nem a saúva acabou com o país. A profecia não se cumpriu. No
entanto, a frase permanece viva e muito utilizada, por vezes como analogia à
praga da gastança dos governos das últimas décadas.
Os danos causados pela saúva são significativos
e cientificamente comprovados. Muitos dos estudiosos chegaram a quantificar os
danos causados por um único formigueiro, como, por exemplo, a redução em três
toneladas por hectare no resultado do plantio de cana-de-açúcar. Pois os maus
governantes em pouco mais de duas décadas já causaram maiores danos e prejuízos
ao país e à maioria da população brasileira do que as saúvas em séculos.
Esses prejuízos podem ser facilmente enumerados
porque as ações deletérias trazem as impressões digitais desses governantes
reprovados em competência administrativa.
Um deles diz respeito ao gigantismo da máquina
pública, inchada não para cumprir sua função de suprir os serviços essenciais à
população, mas para acolher os amigos de quem esteve ou está no poder, de seus
aliados - muito reprovados pela população nas urnas eleitorais -, e
correligionários, apadrinhados com cargos em novos ministérios, secretarias,
diretorias e conselhos das estatais, muitos deles recebendo salários superiores
aos vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), teto máximo
fixado pela Constituição.
O Legislativo também tem sua parcela de
responsabilidade. Basta citar as emendas parlamentares que somaram, em valores
pagos, R$ 15,90 bilhões em 2021, R$ 17,02 bilhões em 2022, R$ 21,91 bilhões em
2023 e R$ 24,88 bilhões em 2024. Em apenas quatro anos, foram empenhados R$
132,94 bilhões e, desses, R$ 79,71 bilhões pagos em apenas quatro anos. As
chamadas Emendas Pix viraram sinônimo de repasse de recursos públicos sem
transparência, driblando a fiscalização e facilitando gastos ineficientes,
improbidades administrativas e corrupção.
Têm também a assinatura dos maus governantes os
déficits causados por ações para abrigar aliados. O expressivo rombo das
Previdências Sociais (RGPS + Servidores Públicos), com estimados R$ 940 a R$
950 bilhões em 2024, o correspondente a 8% do Produto Interno Bruto (PIB)
nacional. Some-se ainda o déficit primário do governo federal, da ordem de R$
105 a R$ 115 bilhões, e o déficit nominal do governo federal, que soma de R$
1,093 a R$ 1,120 trilhão, nada menos do que 9,4% a 9,5% do PIB.
A dívida pública chegou ao inacreditável
patamar entre R$ 9,10 a R$ 9,20 trilhões, o correspondente a mais de três
quartos do PIB (de 77,5% a 78,0%). As consequências disso são catastróficas.
Basta analisar a situação com atenção à evolução da taxa Selic.
Em maio de 2024, a taxa Selic era de 10,50% ao
ano. Em dezembro, fechou em 12,25% ao ano, ou seja, aumento de 1,75 ponto
percentual em sete meses. Com isso, em 2025 os juros adicionais da dívida
pública brasileira chegarão a R$ 161 bilhões por ano se a taxa Selic for
mantida em 12,25%. O cenário mais provável, entretanto, é o de que a taxa média
da Selic fique em 13,50%, o que significa que os juros adicionais em 2025
chegarão a R$ 230 bilhões por ano. Um cenário ainda pior que o de 2024, em que
o país pagou em juros do setor público de R$ 950 bilhões a R$ 1 trilhão, o
correspondente a 8,5% do PIB.
Os números oficiais mostram o tamanho da
gastança do governo federal em 2024. Será de R$ 5,4 a R$ 5,5 trilhões, o
equivalente a 45,8% do PIB, na primeira hipótese, ou a 46,5% do PIB, na segunda
situação. É mais do que o dobro de toda a arrecadação tributária federal, que
fechará 2024 somando R$ 2,2 trilhões.
A conta não fecha porque o governo federal
arrecada apenas 18% do PIB e gasta mais de 45% do PIB, sendo 9% a 10% apenas
com juros sobre dívidas e outros 20% com gastos primários.
O déficit também é grande nas empresas
estatais. As estatais federais, que foram lucrativas no recente 2022,
fecham o ano de 2024 com déficit de R$ 3,70 bilhões, e as estaduais com valor
ainda maior, R$ 3,9 bilhões. No total, são R$ 7,6 bilhões de rombo.
Como saúvas vivendo das árvores frondosas, os
privilegiados na nação sugam as reservas nacionais. Alimentam-se de emendas
parlamentares e penduricalhos que somam dezenas de bilhões de reais por ano em
vencimentos acima do teto constitucional dos ministros do STF. Sem
constrangimento, esposas de não um, mas sim 4 ministros de Estado foram nomeados
para cargo vitalício no respectivos Tribunais de Contas Estaduais, todas com
remuneração básica superior a R$ 38 mil, gastos esses acrescidos de
penduricalhos, veículo oficial, motorista, plano de saúde generoso e outros
benefícios. São bons exemplos de desperdício e maus exemplos de moralidade.
Enquanto isso, a nação vive com juros altos (taxa
Selic de 12,25% a.a.), inflação prevista de 4,85% ao ano, uma das maiores
cargas tributárias do mundo (de 32,5% a 33,4% do PIB) e com a maior tributação
mundial sobre consumo (de 27,5% a 28,5%), o que sacrifica especialmente a
população mais pobre porque impacta no preço da cesta básica e demais gêneros
alimentícios e outros de primeira necessidade.
É muito dinheiro gasto para pouco resultado na
qualidade de vida do cidadão brasileiro. Não é à toa que o Brasil está
reprovado em todos os indicadores sociais – Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH), Índice de Retorno de Bem Estar Social (IRBES), coeficiente Gini
(indicador socioeconômico que mensura a distribuição de renda), e
Programa Internacional de
Com esse cenário, nenhum governante pode
assegurar que o país vem melhorando se todos os indicadores sociais degradaram
nas últimas décadas e se hoje, em pleno século XXI, tenhamos 33% da população
nacional vivendo na pobreza, apesar de o Brasil ser a 8ª economia do mundo. Esse
é o verdadeiro legado dos maus governantes, encoberto pelo silêncio de grande
parte da sociedade civil e da mídia.
Ao contrário do que Brasília quer fazer crer, o
dólar não chegou a R$ 6,20 por obra do acaso ou pela ação especulativa das
instituições financeiras da Avenida Faria Lima (SP/SP), mas sim pelo
descontrole das despesas primárias, pelos déficits, pela explosão do
endividamento, e pela inflação crescente e acima do teto da meta, conjunto que
pune todos os brasileiros, sobretudo os assalariados e aposentados que têm
remuneração de apenas um salário-mínimo mensal.
Esse cenário pode mudar não apenas com medicas
econômicas, mas com uma série de alterações legislativas como o fim da
reeleição para cargos do Executivo, a imprescritibilidade de crimes praticados
contra a administração pública, a volta da possibilidade de prisão após decisão
colegiada em segunda instância, proibição de manifestação de ministros das
cortes superiores fora dos autos, além da independência total da mídia,
absolutas liberdade política, de expressão e econômica, e absoluta
transparência nas ações do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.
É o momento de reconhecimento dos erros, e não
só de reconhecer, mas de pôr fim a eles e adotar novas e melhores práticas,
além do fim dos ufanismos descabidos, sem resultado efetivo para a melhoria de
vida dos cidadãos. Einstein já dizia que “insanidade é fazer a mesma coisa,
repetidamente (gastar mais do que arrecada) e esperar resultados
diferentes (atingir déficit ZERO)”. Não é mais possível adiar a
prevalência da verdade e da transparência, verdadeiros faróis para iluminar o
caminho que a nação deve seguir.
**Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de
macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi
vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à
deriva”, “Caminhos para um país sem rumo” e “Brasil: Que país é este?”. Site: https://samuelhanan.com.br
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