Sábado, 6 de julho de 2019 - 13h22
D. Nuno Brás revogou a suspensão ‘a
divinis’ do padre Martins Júnior. O bispo do Funchal apenas fez o óbvio, tarde,
mesmo que não tenha culpa própria neste capítulo, e mal.
Óbvio porque um pastor que nunca
abandonou o seu rebanho e sempre se posicionou como curador de almas,
missionário na sua própria terra, agente cultural e pedagogo apenas fez o que
recomendara o Concílio Vaticano II, contribuindo assim para uma Igreja capaz de
“ir ao encontro do homem na sua realidade existencial”. Era o que faltava amputar-lhe
essa dimensão inclusiva, continuando a exclui-lo.
Óbvio porque era inevitável que
decidisse sem demora sobre aquilo que a Igreja teimosamente nunca quis resolver
com frontalidade e diálogo.
Óbvio porque nomeou administrador
paroquial da Ribeira Seca, - com “todos os direitos e deveres previstos no
Código de Direito Canónico”, mesmo que não tenha sido nomeado pároco -, aquele
que efectivamente e perante o seu povo nunca deixou de o ser.
Tarde porque a Igreja redentora
tornou-se incompreensivelmente calculista, geradora de incertezas e, como
lembra a comunidade que ontem e hoje assinala os 50 anos de Martins Júnior como
pároco da Ribeira Seca, o prolongado tempo de espera fomentou ódios
inexplicáveis, “a hostilidade dos poderes públicos” e até intolerância dos seus
pares.
Mal porque a Igreja que prega caridade
cristã, moral e bons costumes devia ter pedido publicamente perdão por ter
marginalizado um dos seus. O acto de contrição teria sido uma benção, pois
teria contribuído para a percepção pública de uma Igreja com rosto humano.
Alguém acredita que havia razões que
sustentassem uma suspensão só porque o padre era rebelde, com causas?
Alguém acredita que Martins Júnior foi
o único padre revolucionário por natureza que fez política e evangelizou à sua
maneira? Quantos não ouviram nas missas e nas pregações inflamadas padres a
apelar ao voto em partidos específicos? E quantos deram os adros para comícios
e até o púlpito para comunicações do regime?
Alguém acredita que as razões primeiras
que levaram à aplicação e manutenção da suspensão do padre Martins Júnior só
agora deixaram de existir?
Alguém acredita que é preciso coragem
para tomar uma decisão inevitável? Coragem precisará D. Nuno Brás para resolver
casos bem menos pacíficos e bem mais vergonhosos, que atentam contra a
dignidade humana e os valores cristãos. Coragem precisará D. Nuno Brás na hora
de fazer nomeações pastorais que mexam com interessados instalados. Coragem
precisará D. Nuno Brás para erguer também na Madeira “uma Igreja para os pobres”.
Se fosse feita justiça, Martins Júnior
teria que ser ressarcido por quatro décadas de ostracismo que o mantiveram
afastado das decisões colectivas na Diocese, “da comunhão com toda a Igreja” e
até das legítimas ambições no interior da própria estrutura hierárquica. Seria
Jorge Mario Bergoglio alguma vez Papa se apanhasse um bispo Santana pela
frente?
Durante quase 42 anos, Martins foi
desterrado, perseguido e humilhado. Nunca lhe faltou “gratidão” do povo que
aceitou servir, mas a complexada Igreja não lhe deu a mão e a vez. Esperemos
que a 14 de Julho, na festa do Senhor na Ribeira da Seca, aconteça a verdadeira
festa do perdão.
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