Terça-feira, 20 de outubro de 2020 - 22h20
Quem tenha a oportunidade de conhecer de perto o esforço
sobre-humano empreendido pelos servidores do Hospital Regional de Vilhena no
seu dia a dia, com certeza há de reconhecer que são pessoas dotadas de virtudes
um tanto difíceis de encontrar num mundo carregado de individualismo e falta de
interesse pelo bem do próximo. Como paciente – nos sentidos clínico e
comportamental da palavra – vi de perto a grandeza dessas criaturas que
enobrecem, com seu denodado profissionalismo, a espécie humana.
Mas não se bate papo com um jornalista sem o risco de
passar-lhe informações. Nessas três décadas e meia de dedicação a esse ofício,
aprendi que tenho mesmo que policiar minhas reais intensões até quando digo
“bom dia”, pois por vezes é mais uma pergunta que um despretensioso
cumprimento. Eis que foi inevitável conhecer e registrar as dificuldades que os
profissionais que atuam no Hospiital Regional enfrentam como cidadãos e chefes
de família, em que pese jamais passarem qualquer angústia para os que recorrem
aos seus préstimos profissionais. É sempre entre sorrisos gentis e palavras
ternas que acolhem aos que lhes chegam.
Glicemia a 427. É bem certo que já eram escassas as
possibilidades de eu estar aqui hoje escrevendo mais um texto. A visão já
estava turva. E a bronquiectasia que me restou de algumas pneumonias seguidas
acentuava a sintomática dificuldade de respirar. Nessas horas, a receita é uma
só: pensar em Deus e buscar socorro. Insulina corretiva, litros de soro... mas,
com certeza, a mais curativa de todas as injeções foi a de ânimo. Aos poucos me
acalmo e me recupero. E, já que a vida continua, pergunto-me por que dispensar
tão especial pauta? Afinal, o movimento ,coisa rara por ali, estava relativamente
calmo, permitindo-me fazer o que mais gosto nesta vida: perguntas. Nem barulho
do ar condicionado havia, até porque os aparelhos foram retirados, havendo hoje
apenas os buracos nas paredes e as janelas permanentemente abertas. Nada de
ventilador. E paredes sem pintura e caixas de tomada e interruptor sem suas
tampas e com os fios expostos completam o cenário de descaso e desrespeito para
com pacientes e profissionais que ali cumprem sua missão.
Fico então sabendo que aqueles anjos de jaleco, técnicos de
enfermagem, que percebem um salário quase mínimo, cerca de pouco mais que mil e
trezentos reais, têm algo em comum com os profissionais de nível superior,
enfermeiros, médicos e outros: estão até hoje sem receber as gratificações que
lhes deveriam ser repassadas pela Administração Municipal. Simplesmente
repassadas. E assim, para garantirem uma remuneração um pouco melhor, que lhes
permita fazer frente às despesas de uma habitação com um mínimo de dignidade,
desdobram-se em jornadas extraordinárias, expondo-se, dessa forma, ao estresse,
à fadiga e à exposição mais alongada aos riscos de contaminação inerentes ao
seu ambiente de trabalho. Mas não deixam de atender.
Há com certeza outros caminhos a trilhar, em especial o bom
aproveitamento do corrente momento político, que oportuniza promover a mudança
na administração municipal. Mas vejo que a esses anjos de jaleco cabe a mesma
receita que utilizei: pensar em Deus e pedir socorro. Esses heróis, que se
desdobram não apenas no tempo, alongando suas jornadas, mas também no espaço,
praticamente estando em dois lugares ao mesmo tempo, como o médico que se
alterna entre o pronto-socorro e o ambulatório, não apenas pensam em Deus como
agem em nome dele, salvando vidas.
Mas também pedem socorro: precisam urgentemente que todos
os cidadãos desta cidade, tão bonita e progressista que é Vilhena, eliminem
essa mancha negra que é o descaso da gestão municipal para com a saúde pública,
com a redução à metade do quadro de médicos, com instrumentos caros e de última
geração, como tomógrafos, dentre outros, adquiridos com recursos vultosos,
simplesmente parados, sem serem usados, alguns sem sequer serem instalados.
Esses heróis pedem socorro. E o fazem para poder prestar socorro. Que neste
momento de decisão todo cidadão vilhenense, pare e reflita sobre o seu direito
à vida na hora de decidir entre retomar o progresso e sucumbir à estagnação.
Edson Lustosa é jornalista,
gestor organizacional e presidente do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito
e Justiça.
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