Segunda-feira, 20 de maio de 2019 - 10h33
As fortes chuvas que assolaram o Rio de Janeiro no início de abril não apenas deixaram famílias entristecidas com a perda de entes queridos e mesmo a destruição de bens, como veículos e casas. Os temporais na capital carioca repetem também a falta de humanismo em torno dos benefícios que a tecnologia pode trazer à sociedade. Assim como moradores de São Paulo nas águas de março, na tentativa de se deslocarem com segurança, parte da população do Rio que optou pelos aplicativos de mobilidade se deparou com preços absurdos - até 400% maiores -, fruto da chamada precificação dinâmica.
versus procura, a precificação dinâmica é opressora. Se, de um lado, os motoristas se beneficiam por maior rentabilização - e ganham sobrevida em seus rendimentos -, de outro, os usuários dos apps ficam intimidados pelos valores exorbitantes praticados quando mais precisam, como por exemplo ao terem de enfrentar fortes chuvas.
Esta prática - que se tornou comum entre os maiores players do setor - afeta, sobretudo, a qualidade do serviço prestado. O preço dinâmico deixa o motorista mal acostumado, enquanto ele poderia (deveria!) ter uma remuneração mais justa durante o dia inteiro, e não apenas diante da alta demanda.
Num passado não muito distante - quando pouco ou nada se discutia sobre a economia colaborativa - eram frequentes as reclamações acerca da qualidade de atendimento e serviço de taxistas (que, hoje, é importante ressaltar, volta a se desenvolver). O advento dos aplicativos que mobilizam motoristas de carros particulares veio na contramão, com a proposta de entregar todas as melhorias que se perderam nos táxis, em especial o conforto e segurança. O que se vê hoje, no entanto, é o exato oposto: seja por política agressiva de descontos, bastante comum na época em que as cooperativas de táxi reinavam, ou pelos abusos da precificação dinâmica, tais decisões atingem diretamente o usuário final.
Em minha visão, a solução está numa palavra bastante proliferada, mas pouco praticada: equilíbrio - no caso, dos preços adotados, com tarifas justas e, obviamente, a extinção da arbitrária precificação dinâmica. Atualmente, os passageiros são privados em duas frentes: o bom serviço - perdido em meio a tresloucada guerra de preços - e o uso do aplicativo em momentos de maior necessidade do dia pelo valor exorbitante.
A adoção de preços equilibrados - muito provavelmente maiores do que os exercidos nos períodos de desconto concedido por alguns players do segmento - se mostra o catalizador da profissionalização motorista de carros particulares. As vantagens se apresentam para todos: rentabilização dos aplicativos; apoio aos motoristas credenciados em todas as suas necessidades, da manutenção do veículo a benefícios exclusivos; e, na ponta final, um serviço de qualidade ao usuário.
Peguemos a realidade de Nova York: por regulamentação local, ainda que haja limite de carros que podem circular pela cidade, há exigência sobre uma receita mínima dos motoristas, o que faz com que o ticket médio de corridas nos apps seja igual ou maior que o táxi nova-iorquino. Neste cenário, a pessoa que opta em prestar tal serviço tende a ser motorista - e não estar, ao contrário do contexto brasileiro, em que o turnover é, em média, de 4 meses -, contribuindo para a profissionalização da atividade. O ciclo virtuoso passa por esse apoio mútuo entre os apps e seus credenciados e a natural entrega de um serviço de qualidade, a preços justos: nem descontos insalubres e nem o abuso da precificação dinâmica.
É fundamental para a competição saudável a independência de ideias e ações de comunicação com o público, mas sempre tendo como guia não somente o bom senso, mas também o lado humano, na definição de um teto de preços para momentos especiais do dia. Inclusive, junto com meu time, temos estudado formas de engajar nossa frota de motoristas credenciados para ajudar a população em situações específicas que demandem novas rotas de fuga nas cidades.
Independentemente das circunstâncias, seja o horário de pico pré ou pós-expediente ou diante de fenômenos naturais como os que atingiram o Rio de Janeiro na última semana, o olhar humano deve prevalecer, até mesmo na forma de como tornar rentáveis diferentes negócios, inclusive os de aplicativos de transporte. Somente assim veremos as criações tecnológicas para mobilidade urbana serem revertidas em benefícios práticos para a sociedade, que passará a ter - de fato - mais uma opção de modal segura e de qualidade.
*Armindo Mota Junior é CEO e fundador da Wappa, empresa de mobilidade 100% brasileira, com 15 anos de atuação no mercado corporativo e que desde 2018 abriu sua plataforma a qualquer usuário para corridas de táxis ou carros particulares credenciados
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