Domingo, 27 de abril de 2025 - 12h33
Diante do momento atual – em que se discute a
retomada da construção de Angra 3 (paralisada há quase 40 anos), abrindo a
porteira para um amplo programa de instalação de mais usinas, constante do
Plano Nacional de Energia- PNE 2050 - é muito importante conhecer o histórico
da política nacional de energia nuclear desde o nascimento, e até sua
repercussão nos dias atuais. O ditado popular “pau que nasce torto, morre
torto” tem tudo a ver com este percurso.
Os primeiros registros de atividades envolvendo fissão
nuclear em território nacional, promovidas pelos militares, datam da década de
1930. Em consequência, na década de 1950 criou-se o Conselho Nacional de
Pesquisas (CNPq), com especial interesse, nas pesquisas sobre o átomo, tanto
para a produção de energia elétrica como para fabricar bombas, preocupação
geopolítica vigente no início da Guerra Fria.
ACORDOS INCONVENIENTES
Vários estudos e publicações disponíveis
apontam problemas associados à questão atômica desde a criação do CNPq, em 1951
(lei sancionada pelo presidente Eurico Gaspar Dutra). Na época, disputas
acabaram resultando na criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
para investigar denúncias sobre acordos internacionais de exportação de
materiais estratégicos para os Estados Unidos da América. Na CPI, foi discutida
a ingerência norte-americana na política brasileira com a anuência de
autoridades nacionais, envolvidas nas transações, nada transparentes, da
atividade nuclear.
Diante destes fatos, o presidente da República,
Juscelino Kubitschek (JK) constituiu uma Comissão Especial para elaborar as
Diretrizes Governamentais para a Política Nacional de Energia Nuclear, cuja
principal recomendação foi a criação da Comissão Nacional de Energia Nuclear
(CNEN). Nascida por decreto do executivo em 1956, dentro da estrutura do CNPq,
sua regulamentação definitiva pelo Congresso Nacional só ocorreu 6 anos depois,
quando foi convertida em autarquia federal pela lei 4.118 de 27/08/1962.
Incompreensível – dada a importância do assunto – que essa regulamentação da
CNEN demorasse tanto tempo.
As divergências, os conflitos, a disputa
interna no CNPq entre autonomistas (nacionalistas) e não nacionalistas (pró
norte-americanos) definiram os próximos passos da política nuclear brasileira.
Com a promessa desenvolvimentista – sintetizada no slogan “50 anos em 5”
– em seu Programa de Metas, JK apontou a necessidade de realização de estudos
sobre o projeto nuclear brasileiro, e mesmo a instalação de uma usina nuclear
de 10 MW. No plano externo, alinhou-se à política norte-americana no contexto
da Guerra Fria.
Estudos recentes abordados no artigo científico
“Who's to blame for the brazilian nuclear program never coming of age?"
("De quem é a culpa pelo programa nuclear brasileiro nunca ter atingido a
maioridade?"), publicado em 15 fevereiro de 2025 pela revista científica
Science and Public Policy, vinculada à Universidade Oxford, (Reino Unido), o
professor da UFMG Dawisson Belém Lopes e o doutor em Ciência Política João
Paulo Nicolini Gabriel, revelaram corrupção, interesses escusos, o papel
negativo e os equívocos estratégicos adotadas pelo regime militar (1964-1985)
na implantação da indústria nuclear no Brasil.
As revelações dos autores, reforçada por ampla
análise documental e entrevistas, são contundentes em demonstrar a visão dos
militares e de sua nucleocracia (grupo de burocratas escolhidos pela ditadura
para comandar o programa brasileiro) na escolha das estratégias que
possibilitaram dominar o ciclo do combustível nuclear, em particular do
enriquecimento do urânio.
DECISÕES ERRÁTICAS
Para
estabelecer uma indústria nuclear nacional durante a ditadura, a estratégia
adotada seria reduzir a dependência da tutela tecnológica norte-americana, além
de pular etapas em relação à absorção da tecnologia. Assim, há 50 anos,
durante a gestão do general Ernesto Geisel, celebrou-se o acordo
Brasil-Alemanha (1975), que reforçou a dependência à outra nação
estrangeira, a Alemanha Ocidental.
O acordo
previa a instalação de 8 usinas nucleares no país e a transferência de
tecnologia relativa ao ciclo do combustível. Deste acordo, só Angra 2 foi
construída. A obra começou em 1981, e a usina começou a operar em 2001.
Angra 1, que
antecedeu Angra 2, foi comprada em 1972 da empresa norte-americana Westinghouse, num modelo conhecido como “turn key” (chave na mão),
sem transferência de tecnologia, nem troca de conhecimento. Inaugurada em 1985, desde então, Angra 1 – logo apelidada
de "vagalume", pelas frequentes interrupções – tem
apresentado vários problemas operacionais.
Um dos
principais motivos apontados para o fracasso do acordo nuclear com a Alemanha é
o fato da elite tecnocrática, no período da ditadura, priorizar o
desenvolvimento rápido, em detrimento do fomento à pesquisa nacional,
marginalizando, negligenciando a academia, seus pesquisadores e a indústria
nacional. A colaboração insuficiente entre o governo ditatorial e parcelas
importantes da sociedade brasileira, que poderiam contribuir com o projeto
nacional, dificultou e inviabilizou o florescimento de um setor nuclear
autossuficiente.
Acidentes em
usinas nucleares em Chernobyl/Ucrânia (1986) e em Fukushima/Japão (2011)
revelaram ao mundo que estas fábricas de produção de energia elétrica não são
tão seguras, como querem nos fazer crer os nucleopatas.Tais acidentes
desencorajaram a instalação de novas usinas no mundo, e muitos países chegaram
a interromper projetos e mesmo banir esta tecnologia.
INSEGURANÇA NUCLEAR
Atualmente, os
negócios nucleares tentam mostrar, equivocadamente, a necessidade de novas
instalações, como solução para o aquecimento global e para atender a demanda
crescente por energia elétrica. Verifica-se que financiadores
de “think tanks” (instituições que se dedicam a produzir conhecimento, e
- cuja principal função é influenciar a tomada de decisão nas esferas pública e
privada -) e lobistas estão muito ativos e atuantes, abusando da desinformação.
A falta de transparência é a arma potente dos negócios nucleares.
O setor nuclear brasileiro tem em sua
trajetória um passado nebuloso, repleto de episódios controversos. Entre eles,
destacamos: o secretismo do Programa Nuclear Paralelo/Clandestino; a corrupção
no Acordo Nuclear Brasil Alemanha, que originou uma CPI; o contrabando e
exportação de areias monazíticas do litoral capixaba/baiano/fluminense; a
cabulosa venda de urânio para o Iraque; a irresponsabilidade e o déficit de
competência técnico-gerencial; o recebimento de propinas milionárias por
gestores do setor e a falta de controle social; o legado de morte e
contaminação, deixado pela Nuclemon (antiga estatal) na extração de minerais
radioativos e de terras raras; a tragédia do Césio-137, em Goiânia; o enorme
passivo ambiental da mineração de urânio, no Planalto de Poços de Caldas/MG e
em Caetité/BA; a insegurança em radioproteção, acarretando roubos e sumiços de
radiofármacos e de fontes radioativas, com a omissão de informações cruciais
para a população sobre graves ocorrências, como vazamentos de água radioativa
das usinas nucleares, em Angra dos Reis/RJ.
Esses e outros episódios aprofundaram perante a
opinião pública o crescente descrédito sobre o desempenho da indústria nuclear,
e de seus gestores, privilegiados com supersalários. Mais recentemente, o
desgaste da Eletronuclear (responsável pelas usinas) ficou bem evidenciado,
diante de uma crise financeira com uma política de demissões em massa, que
acabou levando a uma greve, por tempo indeterminado, dos trabalhadores das
usinas e da parte administrativa.
Planejamento errático, estratégias equivocadas,
incompetência técnico-operacional, falta de transparência e de controle social,
completa ausência de interlocução com a comunidade acadêmica, com o
empresariado e com a sociedade foram os maiores problemas que levaram ao fiasco
do Programa Nuclear Brasileiro. As lições nos mostraram que, neste caso “pau
que nasce torto, morre torto”.
Erros do passado seguem sem aparecer uma luz no
fim do túnel, como a herança maldita de mais de 20 bilhões de reais já
consumidos em Angra 3, obra iniciada em 1986, que necessita praticamente do
mesmo valor para ser concluída. Usina repudiada pela população brasileira é
contra indicada por especialistas e técnicos do próprio governo Lula, num
embate infindável com os lobistas nucleares acomodados em ministérios
estratégicos e no Congresso Nacional.
Não há hoje a mínima adesão da sociedade
brasileira para que o Brasil promova a nuclearização de seu território com mais
usinas nucleares, desnecessárias para garantir a segurança energética. Mesmo o
“pequeno reator” atômico apresentado como alternativa às grandes usinas, deve
ser repelido pelos riscos que representa para a vida humana e da natureza. A
energia nuclear não é um bom negócio, nem econômico, nem ambiental e nem
social. E as mudanças climáticas em curso, só aumentarão os riscos de graves
acidentes, como alertam especialistas nucleares.
Acreditar em um mundo/Brasil desnuclearizado,
sem armas de destruição em massa, sem usinas nucleares é acreditar em um amanhã
melhor, de paz, e de progresso da civilização humana!
______________________________
* Professor associado aposentado da
Universidade Federal de Pernambuco, graduado em Física pela Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP/SP), mestrado em Ciências e Tecnologias Nucleares
na Universidade Federal de Pernambuco (DEN/UFPE) e doutorado em Energética, na
Universidade de Marselha/Aix, associado ao Centro de Estudos de
Cadarache/Comissariado de Energia Atômica (CEA)-França.
**Ativista socioambiental
do Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania e integrante da
Articulação Antinuclear Brasileira.
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