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Sociologia da Educação - Violência, escola e a formação do ser social


Tainá Reis  - Gente de Opinião
Tainá Reis

Tainá Reis[1]


O ano de 2023 foi o que apresentou mais ataques a escolas no Brasil desde 2002. A informação vem do Instituto Sou da Paz, que monitora esse tipo de ataque nos últimos vinte anos. Foram sete casos em 2023, seis em 2022 e três em 2019, período com maior número de episódios. Desde 2002, foram registrados 25 casos, com 139 vítimas; 46, fatais. Em 48% dos eventos foram usadas armas de fogo, responsáveis por 76% da letalidade dos casos[1].

Enquanto a sociedade busca respostas para esses ataques no âmbito da saúde mental dos responsáveis, ou buscando entender a dinâmica das relações entre professores e alunos, com foco em eventuais casos de bullying, pretendo propor uma abordagem a partir da Sociologia da Educação. A compreensão de um fenômeno social não pode se dar dentro dos limites do próprio fenômeno, é necessário olhá-lo de maneira ampla, com suas interconexões e diferentes camadas. Assim, não é olhando apenas para dentro da escola que entenderemos tais ataques, mas, talvez – é o que proponho –, entendendo-se a relação escola-educação-sociedade.

Como ponto de partida, temos que a escola é um espaço de reprodução das relações sociais de poder vigentes em cada sociedade. Tal perspectiva pode ser respaldada por uma variedade de autores; destacamos aqui Émile Durkheim, Karl Marx e Pierre Bourdieu. Longe de pretender dar conta da teoria desses intelectuais, vou apenas pinçar de suas teorias elementos para o debate sobre o crescimento da violência escolar no Brasil. A ideia é tratar não apenas da escola, mas reforçar que ela não é estanque às dinâmicas sociais.

A educação – e aqui não só escolar – é responsável pela formação do ser social. Isto é, um indivíduo quando vem ao mundo nada sabe sobre o comportamento adequado ao seu contexto (como se portar, como pensar, sentar, vestir, comer). É nas relações sociais, primeiro, familiares, depois, escolares, que se aprende as normas, valores e regras sociais. Tais valores e normas já estão naturalizados no comportamento dos sujeitos das gerações adultas, e constituem a vida moral. É essa vida moral que é transmitida de geração para geração, dos mais velhos para os mais novos, nos mais diversos ambientes sociais, inclusive, e especialmente, na escola. A educação é o grande elemento de socialização dos indivíduos (Durkheim).

A formulação durkheimiana apresentada acima via na educação um meio para a manutenção da coesão social. Por meio da educação as sociedades reproduziriam as representações sociais para manter a unidade do grupo. Contudo, para além da noção de unidade social, podemos analisar o papel da educação e da escola a partir da noção de dominação. Em uma sociedade capitalista, a dominação burguesa se faz não só por sua base material, mas também intelectual. Nesse sentido, a educação não é neutra, pois está a serviço da reprodução do capital.   

A educação unilateral – com seus sistemas de ensino e escolas - é voltada às necessidades da divisão social do trabalho e da geração de mais valia. Ou seja, a função política da escola seria a formação de força de trabalho para o mercado capitalista, com um preparo técnico e disciplinar, denotando a ideologia burguesa que a subjaz. Nesta abordagem, entende-se que a construção daquilo que a escola vai oferecer aos alunos tem a ver não com uma base educacional neutra, mas orientada ideologicamente (Marx). E essa ideologia é o que forma o ser social.

O sistema de ensino institucionalizado busca inculcar os valores e as regras sociais dominantes (burguesas), naturalizando-as de forma que possam ser socialmente reproduzidos. Trocando em miúdos: a escola, que forma o ser social, reproduz as relações socias de poder vigentes e, desse modo, os indivíduos em seu processo formativo já crescem aprendendo como natural um conjunto de valores que tem a ver com a dominação burguesa. Esses valores que mantêm as classes dominantes no poder serão reproduzidos ao longo de suas vidas (Bourdieu). Se somos condenados a reproduzir esses valores para a eternidade ou não, outros autores poderão dizer. Mas, retomando a questão inicial do texto, como usar essas reflexões para entender a ascensão dos ataques escolares?

Atualmente assistimos a um cenário de crise do capitalismo com consequências em diversos setores sociais, desde a questão propriamente econômica com a recessão batendo à porta de diversas nações (Argentina e Alemanha, para citar dois casos)[2], até a questão climática e ambiental. Tal crise se mostra também na esfera da ética e da moral. Se pensarmos na manutenção – e, por que não, incitação – de guerras recentes para alimentar a indústria da Guerra, somada à ação ideológica e interessada da mídia nesse tema, o que sobrou daquela coesão social desejada por Durkheim no século XIX? De todas as normas sociais apreendidas pelas crianças, naturalizadas e reproduzidas pelos adultos, o que tem constituído o ser social na contemporaneidade?

Não que se trate de uma relação direta de causa e efeito, até porque os fenômenos sociais não se movimentam de modo linear; a presente análise se esforça em fugir do positivismo. Contudo, entendendo que a educação e a escola não estão fora da sociedade, ou numa bolha dentro da mesma, e se, pelo contrário, entendemos que a escola reproduz os valores sociais justamente para formar indivíduos que façam o mesmo, entendemos também que a ascensão da violência escolar pode estar ligada não só a questões internas à escola, mas ao desmantelamento da coesão social (pensando à lá Durkheim). Ou, ainda, podemos entender que é justamente porque o capitalismo se encontra neste ponto de sua crise – econômica, ambiental, social, moral – que as escolas de alguma forma reproduzem isso, como se a violência fosse o extravasamento de um padrão social que é violento com as pessoas.

Tais afirmações são hipóteses. O que se sabe é que, no Brasil, o aumento dos casos a partir de 2019, que também representou o aumento da letalidade, especificamente pelo uso maior de armas de fogo, indica que a flexibilização do acesso a armas facilita esse tipo de crime. Então temos já um indício. Outra questão é o perfil dos agressores, são meninos e homens, alunos e ex-alunos: entre 10 e 25 anos, em sua maioria na faixa entre 13 e 15 anos[3].

Nesse sentido, trata-se de um fenômeno relacionado ao universo masculino, o que abre questões sobre a construção do tema do gênero nas escolas. A compreensão do aumento dos ataques às escolas no país requer uma análise cuidadosa, mas, acima de tudo, e contando com os princípios da Sociologia da Educação, uma análise que leve em consideração o papel político da instituição escolar. O que ocorre dentro da escola não é diferente do que ocorre fora dela.

A educação que não se direciona à emancipação do indivíduo produz qual tipo de ser social?

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