Terça-feira, 25 de março de 2025 - 15h22
O setor nuclear brasileiro tem em sua trajetória um
passado nebuloso, repleto de episódios controversos. Desde o contrabando e
exportação de areias monazíticas do litoral capixaba/baiano/fluminense, a
cabulosa venda de urânio para o Iraque, o legado de morte e contaminação
provocado pela Nuclemon (antiga estatal) na extração de minerais radioativos e
de terras raras, o secretismo do Programa Nuclear Paralelo/Clandestino, a
tragédia do Césio-137 em Goiânia, o enorme passivo ambiental no Planalto de
Poços de Caldas/MG e em Caetité/BA, a falta de transparência e de controle
social, o recebimento de propinas milionárias por gestores do setor, roubos e
sumiços de radiofármacos e de fontes radioativas, inclusive a omissão de
informações cruciais para a população sobre ocorrências (por exemplo:
vazamentos de água radioativa) nas usinas nucleares em Angra dos Reis.
Estes episódios aprofundaram perante a opinião
pública crescente desgaste e descrédito sobre a política nuclear brasileira e
de seus gestores, mostrando a falta de controle, fiscalização e transparência.
Ficando claro o descumprimento das obrigações e deveres perante a população,
além dos privilégios com supersalários.
O perigo potencial da contaminação, provocado pela
radiação, desde a mineração, as diversas aplicações e usos, é um tema que afeta
a saúde pública e o meio ambiente. E como tal é de interesse da população, que
infelizmente não é informada devidamente dos reais riscos, e segue propositadamente
alijada destas discussões.
Este histórico desvirtuoso do setor nuclear é no
mínimo preocupante diante da decisão que está prestes a ser tomada pelo governo
federal sobre a construção da 3a usina nuclear no país. Relançando
assim a possibilidade de novas usinas serem construídas, posicionando o país na
direção da nuclearização em seu território, e estimulando outros países da
América Latina a fazerem o mesmo. Lembrando que somente o Brasil, Argentina e
México dispõe hoje de 7 usinas nucleares (Brasil-2, Argentina-3 e México-2).
Será o Conselho Nacional de Política Energética
(CNPE), órgão de assessoramento da presidência da república nas questões
energéticas quem decidirá a construção ou não da usina de Angra 3. Esta obra,
que teve início em 1985 em plena ditadura militar, no âmbito do Acordo
Brasil-Alemanha, sofreu períodos de descontinuidade na sua construção por
diferentes motivos. Todavia os equipamentos já estão comprados desde então, e
atualmente obsoletos, diante dos novos requisitos de segurança.
O próprio governo federal está dividido quando o
assunto é investir mais de 23 bilhões de reais em um elefante branco, sem
maiores discussões com a sociedade, que está à margem desta decisão
importantíssima para o presente e o futuro do país. A finalização deste
empreendimento está sendo defendida pelo ministro de Minas e Energia, um dos
principais, senão o principal lobista pró-nuclear, que tem atuado utilizando o
cargo para impor esta insanidade sem tamanho, que é a nucleoeletricidade, em um
país que conta com mais de 85% de fontes renováveis em sua matriz elétrica. O
ministro tem atuado como um “cavalo de troia” dentro do governo, provocando a
cizânia entre ministérios.
O que está em jogo, caso seja autorizado o
prosseguimento de Angra 3, não é somente mais uma usina nuclear que o país
terá, mas sim “abrir a porteira” para que novas usinas sejam construídas,
conforme propõe o Plano Nacional de Energia (PNE2050), que prevê mais 10.000 MW
de nuclear na matriz elétrica até meados do século. Além da nuclearização do
país, os “negócios do nuclear” miram a possibilidade de que outros países do
continente se aventurem na eletricidade nuclear. Uma corrida perigosa, que sem
dúvida levará ao desenvolvimento de armas de aniquilação em massa,
principalmente diante do atual contexto geopolítico mundial.
Não podemos deixar de mencionar a forte resistência
da sociedade civil organizada contrária a nuclearização, cuja proposta é de
investir os 23 bilhões de reais em fontes renováveis de energia, e assim
mostrar concretamente ao mundo que na transição energética sustentável, não há
lugar para as usinas nucleares.
Mais usinas nucleares e avanços na mineração do
urânio sem dúvida aumentarão a probabilidade de ocorrências de acidentes. Não
há como dar garantias de zero acidentes. E caso ocorram, com a liberação de
material radioativo, a radiação ionizante contamina o ar, a terra e a água,
provocando desastres catastróficos para a vida.
Respondendo as falácias e mentiras propagadas,
motivadas principalmente por questões de interesse econômico, alguns
esclarecimentos são necessários:
A energia nuclear é inesgotável, ilimitada. As 2
usinas nucleares do país, assim como a indesejada Angra 3, utilizam a
tecnologia PWR (sigla em inglês, que quer dizer Reator a Água Pressurizada), cujo
combustível é o urânio 235 (isótopo do urânio encontrado na natureza). Este
tipo de urânio, que se presta a fissão nuclear, é encontrado na proporção, em
média, de 0,7%. Todavia é necessária uma concentração deste isótopo em torno de
4% para ser usado como combustível. Assim é necessário aumentar o teor do
elemento físsil (tecnicamente chamado de enriquecimento). Assim pode-se afirmar
que haverá urânio 235, suficiente para mais 30-50 anos, para atender as usinas
nucleares existentes com esta tecnologia.
A energia nuclear é barata. Grande
mentira amplamente divulgada. Esta fonte de energia elétrica é muito mais cara
do que querem nos fazer crer. O custo do kWh produzido pela nucleoeletricidade
é superior ao das termelétricas a combustíveis fósseis, e 4 a 6 vezes superior
à eletricidade gerada com fontes renováveis. Mesmo não levando em conta, como
geralmente o fazem, os custos de armazenagem do lixo radioativo produzido, e o
custo de descomissionamento (próximo ao de construção) no fim da vida útil da
usina. Sem sombra de dúvida, estes custos serão repassados para o consumidor
final na conta de energia.
A taxa de mortalidade de um desastre nuclear é
baixa. O contato com seres vivos, em particular de humanos com a radiação,
ocasiona alterações genéticas. Os efeitos biológicos são dramáticos, e dependem
de uma série de fatores, entre os quais: o tipo de radiação, o tipo de tecido
vivo atingido, o tempo de exposição e a intensidade da fonte radioativa.
Conforme a dose recebida os danos às células podem levar um tempo para que as
consequências apareçam. Podendo ser, desde queimaduras até o câncer em
diferentes partes do organismo humano. Portanto, o número de mortes logo após o
contato com material radioativo pode não ser grande; mas as mortes posteriores
podem ser expressivas. Segundo entidades não governamentais que monitoram os
efeitos da radiação em desastres já ocorridos, a real taxa de mortalidade é
dificultada pela mobilidade das pessoas, que após as catástrofes se deslocam.
Pessoas que moravam próximas ao local destas tragédias, e que foram
contaminadas, mudam de local e a evolução da saúde individual fica praticamente
impossível de se acompanhar (causa e efeito).
O nuclear é seguro. Embora
o risco de acidente nuclear seja pequeno, é preciso considerá-lo, haja visto
que já aconteceu em diferentes momentos, com resultados devastadores. Um
acidente nuclear severo torna a área em que ocorreu inabitável. Rios, lagos,
lençóis freáticos, ar, e solos são contaminados.
O uso da energia nuclear está em pleno crescimento
no mundo. Esta é uma falácia recorrente dos que creditam a esta tecnologia um
crescimento mundial. Vários países têm criado dificuldades para a expansão de
usinas, e mesmo abandonando a nucleoeletricidade. Como exemplos temos a
Alemanha, Áustria, Bélgica, Itália, Portugal, …. E em outros países o movimento
antinuclear tem crescido, como é o caso na França e no Japão.
A energia nuclear é necessária, é inevitável e
resolverá nosso problema energético, evitando os apagões e o desabastecimento. No caso
do Brasil, as 2 usinas existentes participam da matriz elétrica com menos de 2%
da potência total instalada. E mesmo que as projeções governamentais apontem
para mais 10.000 MW até 2050, assim mesmo a contribuição da nucleoeletricidade
será inferior aos 4%. A energia nuclear não é necessária no Brasil que conta
com fontes renováveis em abundância. Logo, a afirmativa de que a solução para
eventuais desabastecimentos de energia pode ser compensada pela energia nuclear
é uma mentira das grandes.
A energia nuclear é limpa. A
ciência mostra que não existe energia limpa. No caso da energia nuclear ela é
responsável por emissões de gases de efeito estufa ao longo do ciclo do
combustível nuclear (da mineração a produção das pastilhas combustíveis). Os
rejeitos produzidos por tudo que teve contato com a radioatividade, além das
substâncias químicas resultantes das reações produzidas pela fissão, entra
nessa categoria, Da mineração, as tubulações e equipamentos das usinas, as
vestimentas dos funcionários, as ferramentas utilizadas, entre outros, fazem
parte deste lixo, que por ser extremamente radioativo, precisa ser isolado do
meio ambiente por centenas, e mesmo milhares de anos. Não existe uma solução
definitiva de como armazenar de maneira totalmente segura. Um problema não
solucionado que será herdado pelas gerações futuras.
O que está ocorrendo no país, caso prossiga a atual
política energética nefasta, comandada pelo MME, no sentido econômico, social e
ambiental, é um verdadeiro desastre que deve ser evitado. Diversificação e
complementaridade de fontes renováveis na matriz é quem garantirá a
sustentabilidade energética almejada, desde que sem nuclear e combustíveis
fósseis.
Não se pode aceitar que uma decisão de tal
importância para o presente e futuro do país seja tomada por meros interesses
econômicos, e por grupos minoritários da sociedade brasileira.
A gravidade da ameaça nuclear paira sobre toda a
humanidade, e não somente devido às armas nucleares, mas também ao fato das
usinas nucleares produzirem elementos radioativos que podem ser utilizados para
a fabricação da bomba.
Reagir e resistir às usinas nucleares é defender a
vida. Investir na exploração de usinas nucleares é um péssimo negócio. Poucos
lucram muito, mas a maioria arca com os prejuízos socioambientais e econômicos
desta tecnologia obsoleta, arcaica e perigosa que não responde às exigências de
um mundo diante do desafio do aquecimento global.
Para saber mais sugiro a leitura: “Por um Brasil
livre das usinas nucleares”- Chico Whitaker, “Bomba atômica pra quê?'"-Tania
Malheiros. E os artigos de opinião “Energia nuclear é suja, cara e perigosa”-
Chico Whitaker, “O Brasil não precisa de mais usinas nucleares” – Ildo Sauer e
Joaquim Francisco de Carvalho, “Porque o Brasil não precisa de usinas
nucleares” – Heitor Scalambrini Costa e Zoraide Vilasboas, “Pelo radicalismo
ambiental”- Aldo Fornazieri; e o estudo sobre a “Insegurança na usina nuclear
de Angra 3”- Célio Bermann e Francisco Corrêa.
___________________
* Professor associado aposentado da Universidade Federal de Pernambuco,
graduado em Física pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP/SP),
mestrado em Ciências e Tecnologias Nucleares na Universidade Federal de
Pernambuco (DEN/UFPE) e doutorado em Energética, na Universidade de
Marselha/Aix, associado ao Centro de Estudos de Cadarache/Comissariado de
Energia Atômica (CEA)-França.
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