Terça-feira, 22 de julho de 2014 - 08h40
Depois da Copa do Mundo, recomeça o Brasileirão, o Campeonato Brasileiro, a segunda divisão do futebol nacional, pois a primeira divisão de nosso futebol se encontra bem longe daqui, espalhada pelos gramados do mundo. Como em todas as áreas, o Brasil exporta, prematuramente, seus talentos, doando expertise ao mundo, nos deixando mais pobres em nós mesmos. Talvez seja essa a síntese do ‘complexo de vira lata’, que só tem valor se for para fora daqui, se for tipo exportação. Nessa justificativa, os clubes brasileiros com seus dirigentes mercenários agradecem o bordão, enriquecendo-se um pouquinho mais em açodadas negociações. É o segredo do talento descoberto que assegura as fartas comissões, que justifica o escancarado e oficializado mercado paralelo.
Por outro lado, enquanto são estruturadas as escolinhas dos grandes e pequenos clubes, os talentos mais genuínos, espontâneos, vão ficando sem espaço, sendo engolidos pelo engessado e canalizado processo. Se essa é profissionalização do futebol, é também o fim de toda espontaneidade que tanto fez pelo grande esporte nacional.
Até bem pouco tempo éramos o país do futebol. Antes do grande êxodo rural, dividíamos um Brasil de campinhos de futebol. Nos grandes centros, nenhum lote vago era perdoado. Ali, as turmas urbanas demarcavam sua área de convívio esportivo e social. No interior, nos mais profundos grotões, lá estava ele, como uma bandeira hasteada, declarando a natural vocação do ser brasileiro.
Hoje, sei que toda malícia e carisma do nosso futebol frente ao mundo, devem-se aos seus campinhos, que ali, antes de qualquer menino aprender a ler ou nutrir sonho futuro, preparava seus craques para o eterno reinado, lapidando os dribles de Garrincha, a majestade de Pelé, o latifúndio de Reinaldo, a elegância de Luizinho, o balé de Joãozinho, e tantos outros, que por pura liberdade de criação, fizeram o que para os dias de hoje nos parece improvável, impossível.
Dessa época, as histórias são muitas: O pedreiro que era melhor que Tostão, o marceneiro que era melhor que Canhoteiro, a bola que não rolava, mas flutuava... E assim ficaram na história, contos de uma era, de um tempo de alegrias e glórias.
O gingado e os dribles que tanto fizeram do futebol brasileiro uma arte, foram ensaiados nos campinhos de várzea, não nos campos pavimentados, limpos e gramados de hoje. Havia em tudo uma superação, um aprendizado, formando gerações e gerações de vencedores nos gramados do mundo.
Na direção contrária, assistimos à elitização do futebol, que despreza os ‘geraldinos’ e ignora o amor natural e hereditário da parcela mais carente da sociedade. Padronizaram nossa torcida e confiscaram o direito do povo de torcer pelo time do coração. E assim nosso futebol ficou mais triste, frio e robotizado. Trocamos os reis verdadeiros pelos superheróis dos desenhos animados...
Hoje, cada vez mais, são raros os nossos campinhos de futebol, tão quão nossos craques. E aquele quadrado de livre reinado, vivo está na memória de quem os viu, romance escrito a dribles.
Petrônio Souza Gonçalves é jornalista e escritor
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