Segunda-feira, 7 de julho de 2014 - 05h06
Bruno Peron
A humanidade relaciona aquilo que desconhece ao milagre, à sobrenaturalidade, a Deus ou ao “mistério da fé”. Os avanços da ciência gradualmente levantam a cortina do desconhecido e nos garantem conhecimentos técnicos. Assim acontece em medicina, física, química, arqueologia e tantas outras áreas da ciência.
A astrofísica não ficaria para trás. Daria também passos ambiciosos. Cientistas que trabalham para universidades dos Estados Unidos anunciaram em março de 2014 descobertas sobre o Big Bang, uma teoria da explosão rápida e violenta que supostamente deu origem ao universo 13,8 bilhões de anos atrás. Eles alegaram que um de seus telescópios conseguiu captar “ondas gravitacionais primordiais” e “luzes polarizadas” hipoteticamente produzidas durante o Big Bang. Esta informação lhes permitiria aprofundar o conhecimento sobre o universo em seu estágio inicial.
Alguns meses mais tarde, em junho de 2014, esses mesmos cientistas receberam a crítica de que não é possível ter certeza de que as ondas e luzes a que se referiram provêm do momento fundador do universo. Os críticos dizem que o anúncio desses cientistas não foi prudente porque as ondas podem ter tido origem na Via Láctea, a galáxia em que estamos. Assim, tais descobertas seriam menos ambiciosas.
Às vezes, cientistas anunciam resultados polêmicos e questionáveis de suas pesquisas e publicam-nos em meios de comunicação. Eles têm o propósito de animar debates sobre certos temas, fazer publicidade de grupos e instituições dedicados à ciência, ou simplesmente reiterar mitos do progresso. Numa dessas tentativas, o cosmólogo inglês Stephen Hawking anunciou que buracos negros não são o que achávamos que fossem (o jornal inglês The Independent sintetizou sua reportagem sobre os achados do cosmólogo com a frase “não existem buracos negros” em 25 de janeiro de 2014). Hawking o disse depois de décadas pesquisando sobre buracos negros. Teses propõem-se atrás de teses sobre os mistérios do universo.
É curioso que cientistas perscrutem os mistérios do universo no afã de provar matematicamente que Deus não existe, enquanto sequer conhecem a si mesmos. Esta afirmação não serve somente para cientistas. Buscamos as chaves dos segredos do universo, do planeta Terra, de um país e das outras pessoas, mas desconhecemos as vozes que gritam dentro de nós. Não sabemos de onde veio nossa máquina biológica tão meticulosamente articulada, nem os destinos de seu funcionamento.
Examinam-se ondas e luzes que supostamente tiveram origem há 13,8 bilhões de anos, mas temos tanta dificuldade de entender nossos seres interiores e por que nossas sociedades são o que são. Muito se tem feito para relacionar os conhecimentos fisiológicos aos anatômicos, para entender o funcionamento do cérebro e da luz interna (alma, espírito, consciência, etc.) que comanda o ser, e para entender os processos históricos que desencadeiam protestos, reformas e revoluções.
Não é fácil deixar de falar sobre milagres, deuses e outros mistérios. Uma grande dificuldade tem sido a de transformar convicções em saberes. Outra é a de transformar saberes em conhecimentos, como a do anúncio das “ondas gravitacionais primordiais” e “luzes polarizadas” que acabei de mencionar. Até mesmo o que se publica sob o respaldo da ciência é suscetível a polêmicas e questionamentos.
Vaidades, soberbias e outras inclinações más do ser humano nos colocam numa posição rebaixada diante dos desígnios do Plano Maior. Somos como cegos que querem ver a luz e entender os segredos da criação. Entre os gases intergalácticos, tragamos a fumaça de um charuto que se oferece para banguelas. E confraternizamos a superioridade da ciência, rodeados de um nevoeiro cognitivo.
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