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Desabafo de uma Filha da Terra


Sou Aracy Silva de Souza, filha do ex-ferroviario Francisco Moreira de Souza e Silvanira Silva de Souza, nascida no Bairro Triangulo pelas mãos abençoadas da parteira “Mãe Filó”, há 52 anos. Sou formada em Administração Pública com Especialização em Controladoria e Gestão Financeira. 

Peço licença e com muito orgulho faço minhas as palavras dos Membros da Academia de Letras de Rondônia: Professora Sandra Castiel e Antônio Cândido da Silva, quando diz que o ser humano possui em comum os sentimentos: quem não guarda objetos que lhe são caros, porque remetem à lembrança de alguém importante ou a momentos inesquecíveis?

Vocês já imaginaram se pessoas de fora ocupassem sua casa e, em sua presença, jogassem no lixo objetos que, para você, possuem valor afetivo, deletassem de seu computador suas imagens mais preciosas, rasgassem as fotos de seus álbuns antigos, queimassem seus livros, pisassem na figura da santa por quem você nutre especial devoção, ou atirassem sua bíblia na lama? ...

Isto seria o mesmo que tentar apagar suas pegadas, sua trajetória, os indícios de sua existência; seria o mesmo que passar uma borracha no mundo onde você se reconhece - um mundo que você ajudou a criar. Tudo isso porque ignoram sua história, não respeitam seu passado, não sabem o significado que aquelas referências têm para você e, certamente, terão para seus descendentes, cuja identidade será construída também a partir dessas referências.

Esta comparação, embora simplória, nos leva à dimensão do que está ocorrendo com o patrimônio histórico de Rondônia. Ao longo dos anos, autoridades deste estado simplesmente ignoram a importância desse patrimônio, numa demonstração de descaso para com bem tão precioso e afronta para com os sentimentos das pessoas que amam esta terra e que a ela se sentem integrados.

O General Rodrigo Octávio Jordão Ramos quando comandante do Comando Militar da Amazônia finalizou um dos seus discursos com uma frase que hoje está escrita em todos os quartéis da Amazônia: Árdua é a missão de desenvolver e defender a Amazônia. Muito mais difícil, porém, foi a de nossos antepassados em conquistá-la e mantê-la.

O General Rodrigo Octávio, diferente dos políticos de hoje, não veio para a Amazônia como alguns aventureiros que desembarcaram em Rondônia e hoje atropelam a Constituição Estadual, as leis, a história, os costumes e os sentimentos daqueles que conquistaram e mantiveram esse pedaço da Amazônia pensando, unicamente, em dias melhores para os seus descendentes.

Recentemente, a população foi surpreendida com as notícias advindas dos danos ao patrimônio histórico da Madeira Mamoré e ao ambiente natural causados pela hidrelétrica de Santo Antônio.

Como observadora, sempre considerei detestável a ideia de uma construção desse porte, uma agressão fatal à natureza, ao nosso exuberante, belo e caudaloso rio Madeira. Jamais fiquei empolgada com a perspectiva de contrapartida a Rondônia; não acreditei que a tal contrapartida pudesse, efetivamente, melhorar a qualidade de vida da população, e estava certa. Considero a natureza o maior dos santuários do planeta, fonte da qual viemos todos; há que se preservá-la acima de tudo.

A comunidade intelectual de Rondônia tem acompanhado com perplexidade os danos causados ao que restou do patrimônio histórico da Estrada de Ferro Madeira Mamoré: A ponte do Jaci Paraná está debaixo d’água e nada podemos fazer porque três desses aventureiros deram às empresas construtoras das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, sem que a população soubesse disso, o “direito” de rirem das nossas caras. A Lei estadual número 1776, criada em 10 de agosto de 2007, de autoria dos deputados Alex Testoni e Neodi Carlos e sancionada pelo Governador Ivo Cassol, autorizou, atropelando o Art. Nº 264 da Constituição Estadual as empresas em questão a desrespeitar o que existe de mais sagrado na história de um povo que é o respeito às tradições e a memória dos seus antepassados.

Segundo o escritor e poeta Matias Mendes, em uma das reunião da Academia de Letras de Rondônia, “parece que existe um pacto de silêncio quando o assunto é a destruição do patrimônio histórico de Rondônia.” Tem tudo a ver a sua afirmativa porque as poucas pessoas que escrevem não são levadas a sério e todos se calam como se proibidos por uma lei do silêncio, ou prejudicados por uma letargia que os impedem de raciocinar e reagir. Poucas pessoas dão valor ao que defendemos porque a ganância ou a ignorância norteiam a vida dos demais. Os gananciosos se aboletaram no poder e dão aos eleitores a migalha de uma ponte ou uma estrada de chão e ganham o reconhecimento dos que acham que eles estão lhes fazendo um favor

Quem não preserva as suas raízes está fadado a repetir os erros do passado, quem construiu a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré nos deixou uma lição desconhecida pelos aventureiros de hoje, a de que na Amazônia a natureza se volta contra os seus invasores.

Tem coisas que não dá para entender ou não é para entender: existe um movimento para que sejam retiradas as Famílias Tradicionais e Pioneiras do Bairro Triângulo porque o “parque das águas”, que será construído na orla do rio Madeira, de Porto Velho a Santo Antônio é mais importante para a população do que um bairro que tem apenas 100 anos. Para a história e nos as pessoas que moramos lá, não.

E aí funcionou o pacto do silêncio, a justiça demorou em decidir, a Prefeitura esperou, e como se alguém tivesse dito “deixa que nos vamos expulsar esses babacas, numa boa,” de repente, a construtora abriu meia dúzia de comportas, em caráter experimental, e lá se foram as casas do bairro do Triângulo e, do marco inaugurado há 102 anos pela comissões do Amazonas e Mato Grosso, sob a chefia de Cândido Rondon, restou apenas pedaços de concreto.

A solução encontrada pelos responsáveis da tragédia foi reconstruí-lo em outro lugar. Ora, a interseção dos Paralelos 8º 48” não é em outro lugar. Construa-se um píer, uma passarela ou seja lá o que for mas, o marco deve ficar no lugar da intercessão do Paralelo 8º 48”. Que os engenheiros resolvam o problema e não venham com essa de dar pirulito para arrancar o dente de criança.

Foram alertados e publicados materias nos site para o monumento em comemoração aos 100 anos da Independência do Brasil, erguido atrás da igreja de Santo Antônio, sobre o Casarão, a igreja, a Praça da Catedral que a Prefeitura grilou, os símbolos municipais que são descaracterizados e não são apresentados nas escolas, em desrespeito às leis e, por aí vai...

Mas, o pior de tudo é a mentira com que tentam nos iludir. Disseram que o Casarão seria preservado para nele ser feito um museu, depois seria construído em outro lugar e, só agora, se sabe que querem demolir com a desculpa esfarrapada de que não tem relevância histórica; a igreja, por enquanto, ficará onde está, mas não dá para entender considerando que o Casarão deve ser demolido para construção do canal não sei do quê e os dois estão na mesma posição em relação ao rio; a ponte do Jaci seria levantada três metros para não ser atingidas pela subida das águas, no entanto, escavaram as cabeceiras da ponte que está submersa, fizeram um canal para nivelamento das águas do lago e, desculpem a “ignorância do macaco,” isso só vai acelerar o desabamento desse patrimônio histórico.

O marco conhecido como Marco Rondon, quando foi construído, o Paralelo 8º 48” estava a 84 metros distante da beira do rio. Em 102 anos esta distância foi reduzida para 25 metros e, em poucas horas, a abertura das comportas destruiu tudo.

É hora de unirmos forças. É hora de lutarmos, juntos, em prol de uma causa maior: salvar o que restou de nosso patrimônio histórico e buscar, através dos canais competentes, apurar responsabilidades pelo descaso e pelos danos causados à natureza e à vida. Afinal, vivemos todos aqui, sob os céus de Rondônia. Cabe a nós, cidadãos, garantir a proteção de nossa amada terra!...

Excelentíssimos Doutores, ao tomar a sua decisão tenha sempre em mente o pensamento do consagrado e reconhecido jurista: Juan Eduardo Couture Etcheverry – grande contribuidor de uma teoria sobre o Direito de Ação, tema do Direito Processual Civil que diz: “LUTA – Teu dever é lutar pelo Direito. Mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça

As Familias Tradicionais do Bairro do Triangulo, conta com o vosso apoio.

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