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Guido Bilharinho

Não é fácil ao cineasta realizar filme intimista, como muitos romancistas preferiram fazer na literatura. A imagem cinematográfica exige, por princípio, o movimento. Não quer isso dizer, no entanto – sem configurar contradição, ao contrário – que só é cinema ou bom cinema os filmes de muita ação e agitação. Não é porque a imagem incessantemente se move que pessoas e coisas filmadas devem acompanhá-la. O que se sucede ininterruptamente é a imagem, vindo uma após outra. O objeto filmado, matéria da imagem, forma outra realidade, conquanto a componha. Todavia, tanto um quanto outra perfazem corpos distintos, independentes, prescindindo o objeto da imagem, visto ter existência autônoma.

No entanto, a imagem, mesmo sempre se vinculando ao que contém, não lhe está jungida, podendo desvencilhar-se e passar a focalizar outro ou outros objetos, aleatória ou intencionalmente.
Em consequência, não importa à imagem cinematográfica, para se constituir, que seu conteúdo seja estático ou não, desde que ela não o seja.

Assim, pode-se perfeitamente realizar filme intimista, carregado de subjetividade, sem prejuízo da ininterrupta sucessividade imagética cinematográfica.

Contudo, dada sua natural dificuldade, poucos são os cineastas que se aventuram a esse cometimento.

Ao filmar o tema do romance Crônica da Casa Assassinada (1959), de Lúcio Cardoso, o cineasta Paulo César Saraceni (Rio de Janeiro/RJ, 1933-2012) poderia optar por dirigir obra intimista ou de ação.

No filme daí resultante, A Casa Assassinada (1970), elege a segunda via, procurando conciliar, em grande tour-de-force, as angústias pessoais e os conflitos interpessoais de suas sofridas e amargas personagens. Se aquelas as convulsionam intimamente, sua materialização fílmica só se dá quando as opõem entre si, exteriorizadas em ação nem que seja, como no caso, dialógica.

Ao contrário do que se supõe, a ação fílmica não se concretiza apenas em movimentação física das personagens, mas, principalmente, no seu relacionamento interpessoal mediante gestos, olhares, expressões faciais e oralização de seus interesses, propósitos, temores e toda a gama de emoções características do ser humano.

No caso, a movimentação corporal ocorrente mais não faz e mais não significa do que a procura do outro ou o encontro com o outro para, por meio da palavra, expor desavenças, amores ou contrariedades.

Em decorrência disso, ao decidir-se o cineasta pela verbalização da subjetividade individual e pela exterioridade conflitual, envereda pela ação. Porém, não a ação em si ou por si mesma, mas, como reflexo da intimidade do indivíduo posta frente ao mundo, à realidade concreta que o circunda.

Se se substitui a personagem pensando consigo mesma pela personagem dialogando com outrem, não se perde de todo, contudo, o cerne substancial de sua subjetividade e tortura íntima, que se manifesta também na face, na postura e nas atitudes.

Os dramas individuais entrelaçam-se numa rede contristadora apenas rompida pelos contatos amorosos, que mais a complicam e enredam em dramas carregados de intrínseca tragicidade num filme belo na soturnidade de suas vivências, décors e exuberante paisagem rural, todas marcadas pela decadência e estagnação econômico-social familiar, que moldam os caracteres, acentuam e agravam as pendências quando não as originam e deflagram.

A segurança diretiva do cineasta e sua consciência do fazer fílmico imprimem iguais atributos às interpretações, onde se salienta a notável performance de Norma Benguel, que domina as cenas em que aparece numa das melhores interpretações do cinema pela alta carga de consistência que imprime à personagem.

Se no filme a ação é exposta pela dialogação, que assume, pois, importância capital, a precariedade da gravação e/ou da transmissão do som prejudica sua plena inteligibilidade e, por extensão, o próprio filme, que exige, para sua fruição, sejam compreendidas as agruras, paixões e conflitos em jogo.

Destaca-se, ainda, no filme a preocupação direcional pelos enquadramentos das personagens nos décors e nas locações externas, em mútua e constante interação e valorização, como se as pessoas não pudessem existir e movimentar-se fora da paisagem e como se esta não tivesse importância sem a presença humana.

(do livro Seis Cineastas Brasileiros. Uberaba,
Instituto Triangulino de Cultura, 2012)

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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 e autor de livros de literatura, cinema, história do Brasil e regional.

 

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