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FMI já fala grosso com Temer. Surpresa?


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Num gesto de compreensível prudência, até agora Michel Temer ainda não apareceu em público usando a faixa presidencial. Mas os velhos colonizadores do capital financeiro já entenderam a mensagem emitida no momento de sua posse: é hora de voltar a falar grosso com o governo brasileiro. 

Olha só. Participando de um debate sobre América do Sul em Washington, o diretor do FMI Alejandro Werner, responsável pelo Departamento do Hemisfério Ocidental, disse que o Brasil não deve esperar por investimentos capazes de permitir a rápida retomada da economia. Antes disso, precisa mostrar que “está comprometido com ajustes em sua economia para obter maior crescimento”, informa o Valor Econômico. Para Werner, embora o mundo esteja em crise, é bom fazer uma distinção: “Todas as economias estão numa posição fiscal mais fraca. Mas há aquelas que devem ter um reajuste mais forte e deverão e enviar sinais que o sistema político está mais comprometidos com este ajuste”. Um desses países, diz Werner, “é o Brasil”.

Deu para entender. Para receber investimentos, o país terá de mostrar que voltou a ser bom aluno -- pelos padrões dos mercados financeiros, claro. 

Augusto Torres, economista do Banco Mundial para a região, deixou claro que tem o pensamento parecido. Está convencido de que a ambicionada recuperação econômica será mais difícil do que se acredita. Num tom decepcionante para quem foi levado a acreditar bastaria a formação de um “consenso político” (leia-se: a saída de Dilma), para a retomada do crescimento ter início, Torrres disse que a  solução “não será tão simples”.

Será necessário “repensar o papel dos bancos públicos”, enfrentar “a indexação dos salários e das aposentadorias à inflação”. Sem essas medidas, que implicam em novo arrocho sobre os vencimentos da maioria dos brasileiros, cria-se “certa inércia e um piso que dificulta a queda da taxa de juros”. O recado está dado.

Como os alunos maus comportados -- nas caricaturas de antigamente, eram retratados como meninos de calças curtas com um chapéu no formado de duas orelhas de jumento -- o país está sendo chamado a fazer a "lição de casa" ministrada pelos sábios do Hemisferio Norte.

Pois é, meus amigos. A história também anda para trás. Um a um, os avanços obtidos de 2003 para cá começam a ser atacados e podem ser revertidos.

Foi no governo Fernando Henrique Cardoso que o país ficou quebrado pela última vez. Após o fiasco de uma política de supervalorização do Real, que transformou as reservas em migalhas, FHC pediu ajuda de US$ 40 bilhões a seu amigo Bill Clinton para fechar as contas de 1998, ajuda indispensável para atravessar uma tempestade que iria comprometer a reeleição. Clinton concordou, embora a medida fosse tão insólita que fugia aos padrões do Tesouro norte-americano. No total, por três vezes o governo FHC bateu às portas do FMI em busca de ajuda.

A fraqueza do governo brasileiro era tamanha, contudo, que no final se assistiu a uma demonstração humilhante da falta de credibilidade.

Chamado a prestar o último socorro de emergência, o FMI exigiu que até os candidatos de oposição que iriam concorrer a eleição de 2002 dessem o aval para as tratativas, comprometendo-se a honrar os compromissos assumidos pelo PSDB-DEM em caso de vitória. Eram condições tão ruins que se temia que nenhum sucessor teria disposição de concordar com os termos acertados por FHC-Pedro Malan, pelo simples receio de manter o país na pasmaceira econômica daquele período.

No governo Lula, o empréstimo acabou quitado antes do prazo, até. O Brasil chegou a emprestar US$ 11 bi ao Fundo, num momento de dificuldade da instituição. Com o passar dos anos, executando uma política econômica sem a menor relação com o receituário do FMI, o país acumulou reservas em   patamar superior a US$ 350 bilhões, âncora que permitiu enfrentar tempestades variadas da economia mundial e resistir ao colapso mundial de 2008/2009.

Ao contrário do que muitas pessoas imaginam, o FMI e o Banco Mundial tiveram uma origem positiva do ponto de vista dos povos e países. Foram instituições criadas logo após a Segunda Guerra Mundial, quando o trauma da crise de 1929 estava vivo na memoria de todos. Inspiradas pelas ideias que hoje seriam chamadas de desenvolvimentistas de John Maynard Keynes, deveriam assegurar recursos para impedir crises financeiras, no caso do FMI, e empréstimos subsidiados para o desenvolvimento de países atrasados, no caso do Banco Mundial. Com o passar dos anos, essa situação se deformou por completo. Essas instituições foram tomadas de assalto por representantes dos mercados, que passaram a colocar suas imensas reservas a serviço de grandes corporações privadas.  Em vez de trabalhar por um desenvolvimento equilibrado, a atuação dessas instituições costuma servir, em primeiro lugar, aos mais ricos entre os ricos.

Com a reaparição de personagens que só mudam de nome, mas permanecem os mesmos há décadas, estamos assistindo, na verdade, a segunda parte do teorema econômico-político de Chico Buarque de Hollanda. Foi num comício de intelectuais e artistas, na campanha de 2010, que Chico Buarque deu uma definição simples e direta da boa diplomacia para explicar seu apoio a Dilma. "É um governo que fala de igual para igual: não fala fino com Washington e não fala grosso com a Bolívia e o Paraguai e, por isso mesmo, é respeitado no mundo inteiro”, disse.

Ao engrossar a voz com a Bolívia e o Paraguai, postura que chega ao nível da caricatura nos ataques anti-Mercosul de José Serra, o governo Temer abre o caminho para ouvir exigências cada vez mais altas e descabidas por parte de Washington. Nenhuma surpresa -- ensinou Chico Buarque.

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Paulo Moreira Leite / O jornalista e escritor Paulo Moreira Leite é diretor do 247 em Brasília

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