Sábado, 20 de agosto de 2016 - 13h00
Por Helder Lima, da Rede Brasil Atual
Os sinais do governo interino de Michel Temer, desde os primeiros minutos, foram de se dirigir na contramão da retomada do emprego e da renda. “O governo agora está mais preocupado em garantir a percepção positiva do mercado com as medidas que eles chamam de reformas de longo prazo”, afirma a economista e professora da USP Laura Carvalho, para quem a ausência de uma agenda do crescimento mostra o empenho do governo em adotar políticas de redução do tamanho do Estado na economia. Entre as medidas de longo prazo a que ela se refere estão a reforma da Previdência e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que fixa pelo período de 20 anos um teto de gastos para o setor público, definindo pela inflação do ano anterior.
Nesses 100 dias de interinidade, Temer conseguiu aprovar no Congresso, ao fim de maio, a revisão da meta fiscal, admitindo um déficit primário de até R$ 170,5 bilhões para este ano, enquanto a meta deixada por Dilma era de superávit de R$ 30 bilhões. Isso, por si só, segundo Laura, reflete uma mudança de postura da mídia e do mercado financeiro em relação ao governo, que antes era criticado por ter rompido, com a crise, a série histórica de superávits nas contas primárias.
Essa ampliação do déficit permite algumas manobras desconcertantes. Uma delas, aumentar as despesas com juros em plena recessão e queda de arrecadação. Ao manter a taxa básica anual em 14,25% ao ano, o ganho real do capital especulativo que enriquece com títulos públicos aumenta perto da casa dos 50%. Se há um ano estava entre 3 e 4 pontos percentuais acima da inflação, esse ágio está entre 5 e 6 pontos.
Talvez por isso mesmo os chamados "agentes do mercado" não condenam o déficit ampliado em relação ao resultado estimado por Dilma. “Em alguma medida, é verdade que a gente não vai estar falando de uma recessão tão forte (este ano) quanto a de 2015, que foi em boa parte causada por aquele ajuste (iniciado ano passado, por Joaquim Levy), demandado e exigido pelos analistas do mercado financeiro e economistas que agora, de uma hora para outra, parecem estar muito mais tranquilos com a situação fiscal”, critica a economista.
Temer aprovou no Congresso e sancionou a lei de nomeações das estatais, inspirada na ideologia da criminalização da política. Depois de ameaçar reduzir, aumentou o valor do Bolsa Família em 12,5%, ante os 9% que Dilma havia indicado com base no orçamento previsto; e ventilou na imprensa ideias para a reforma da Previdência, defendendo maior convergência entre os regimes de homens e mulheres, de trabalhadores rurais e urbanos, e propondo adoção de idade mínima para a aposentadoria.
Também estão no escopo dos 100 dias a renegociação da dívida dos estados, aprovada na Câmara não sem recuo do governo, que intencionava com o projeto congelar os vencimentos dos servidores públicos por dois anos; e a relevância dada a projeto do senador José Serra, atual ministro interino das Relações Exteriores, para securitizar (vender) a parte recebível da dívida pública, que seria transferida aos bancos com deságio de 50% – segundo o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, uma forma de o governo dar liquidez a essa dívida. Mas que ao mesmo tempo cria movimentações financeiras favoráveis aos bancos.
O mais grave nessa história, no entanto, é a PEC 241 que muda a trajetória de investimentos públicos nos últimos anos e elimina os aumentos reais em áreas de assistência social, que marcaram as gestões de Lula e Dilma. Ousada e sem paralelo no mundo, a PEC chega até mesmo a quebrar as vinculações constitucionais, como em saúde e educação, permitindo prever um futuro “engessado” para a economia e retrocesso em programas sociais, que não poderão acompanhar o crescimento das demandas da população.
“A PEC 241 inviabiliza uma agenda de investimentos públicos, em infraestrutura, que foi um dos pilares que no governo Lula fizeram com que a economia brasileira tivesse uma retomada, em 2009 (ano seguinte à explosão da crise de dimensões globais), muito mais rápida do que outros países, mas também foi um dos pilares que dinamizaram o mercado interno e fizeram com que a gente tivesse as taxas de crescimento mais altas dessas últimas décadas”, afirma Laura Carvalho.
A professora lembra que no primeiro mandato da Dilma já havia a postura de abandonar a expansão dos investimentos públicos. “Houve uma aposta em desonerações fiscais, e medidas de estímulo ao setor privado que não obtiveram resultados desejados.” Mas agora, com a PEC, segundo a professora, “você praticamente coloca no papel o fim desse pilar de desenvolvimento, o que é curioso porque vai na contramão do mundo. No momento atual, a plataforma democrata nas eleições norte-americanas procura resgatar um programa de investimentos públicos, de infraestrutura, vultoso, financiado pelo aumento de tributação sobre os mais ricos. É algo que agora a gente vê na plataforma de Hillary Clinton, elogiada por setores conservadores brasileiros, mas aqui isso está fora de cogitação e o que se propõe é essa PEC”, afirma.
Período contraditório
Para Laura Carvalho, os 100 dias de Temer “são contraditórios no sentido de que ao mesmo tempo ele acena para agradar o mercado com medidas de longo prazo, como essa PEC e a reforma da Previdência, por outro lado, para garantir sua estabilidade e também para parar de aprofundar a recessão ele precisou aprovar um déficit fiscal muito maior do que aquele que estava em jogo, tanto para este ano como para o ano que vem, mas o mercado parece ter ouvido de forma tolerante esses sinais contraditórios, ainda que haja pressão crescente, inclusive em atas do Banco Central, para a aprovação de fato dessas medidas de longo prazo”.
“Há economistas no campo de apoio ao governo que já começam a se preocupar com a aprovação dessas medidas, e estão usando todas as cartas para isso, porque no fim das contas é a única vitória que eles têm, mas eu não enxergo nenhuma agenda, o tema do emprego e do crescimento é algo que não surge, ou surge apenas como se a aprovação dessas medidas fosse de forma mágica estimular o investimento privado, uma coisa que nunca vimos em nenhum país do mundo”, afirmou.
“Além disso, há uma percepção equivocada de que a Bolsa, o dólar, os ativos estão se valorizando no Brasil, o que mostraria o sucesso do golpe”, destaca. Segundo ela, esses ativos estão se valorizando em todos os países emergentes. “Está vindo de um fluxo financeiro internacional, não tem nada a ver com o golpe e mesmo se tivesse não implicaria em melhora necessariamente para a economia real.”
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