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O Direito no Estado de Sítio Social


A onda de violência na maior cidade brasileira, São Paulo, tem levado a medidas extremas, dentro e fora do alcance da lei – mas, diga-se de passagem que está mais fora do que dentro da lei. Esquadrões da morte formados por policiais, como não se via desde o regime militar, matam muito e friamente, como os “marginais” a quem dizem combater. Por isso, é comum ouvir-se dizer que há “caçada humana” – não há nenhum exagero nisso. Porém, ao lado do Estado de Exceção que se formou, também agem as “forças institucionais da lei”.

Nessas ações, as comunidades marginalizadas economicamente são cercadas e invadidas pela polícia[1]. São cercos que se fazem nas ruas e nas casas, pois os policiais entram nas casas sem mandado judicial. O mesmo ocorreria em bairros ricos? A polícia entraria em uma mansão, sem mandado ou sem solicitação de seus moradores? Promoveria cercos e invadiria conjuntos residenciais abastados? Nunca houve caso semelhante.

As comunidades marginalizadas enfrentam blitz de mais de 500 policiais. Ocorre um verdadeiro cerco militar, como se fosse decretado – na prática – um Estado de Sítio Social. Chamadas de “operações de saturação”, as forças públicas atuam em nome da lei, mas só para prender pequenos traficantes. O grande traficante, de acordo com a própria polícia, vive nesses conjuntos residenciais aos quais a polícia nem se aproxima. Como resposta ao Estado de Sítio, o crime organizado decreta o toque de recolher[2].

Os condomínios, assim como os shoppings centers, são ilhas de poder que fogem da lei; somam tanto mais prestígio quanto mais servem de refúgio ao poder de exceção que acompanha o poder econômico. São pontos de fuga da regra jurídica, porque o direito é indefeso diante do poder que compra a cidadania. As comunidades pobres, ao revés, são pontos cegos; nas comunidades o direito não se apresenta e nem se manifesta, porque o direito segue a economia. Os condomínios são pontos de refúgio sem o alcance da lei, as comunidades são pontos de refugo, ao arrepio da lei. Em ambos, a lei não chega, mas nos condomínios a lei não chega para preservar a intimidade do poder e da economia; nas comunidades porque o direito não protege a quem não tem dinheiro.

Neste sentido, com o Estado de Sítio Social, dia e noite, os trabalhadores, suas mulheres e crianças são desnudados, desvestidos da cidadania e da dignidade humana. Antigamente, a mesma polícia exigia a apresentação da carteira de trabalho, para provar que o indivíduo era um cidadão. (Seria preso todo dia, porque só ando com identidade). Pedia-se a carteira de trabalho porque o capital não perdoa aqueles que não produzem, não perdoa os que não se submetem à exploração econômica, os que não se enquadram na lei da compra e venda da força de trabalho.

Quem não gera mais-valia, lucro, renda, para os empregadores, é vadio, deve ser preso. Antigamente, havia crime de vadiagem e os presos eram os avós desses que são cercados pela polícia. Aliás, a mãe de um dos jovens mortos por um dos esquadrões, levou exatamente a carteira de trabalho do filho à delegacia, comprovando o emprego regular, fixo do filho – talvez, na ânsia de que a memória do jovem não fosse achincalhada, mesmo depois que sua vida foi brutalizada. Não há nada de novo neste país e, para se certificar, basta consultar a história do direito.

Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo
 



[1]http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2012/10/29/pm-de-sp-prende-membro-do-pcc-em-paraisopolis.htm

[2]http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2012/10/27/boatos-de-toque-de-recolher-fecham-comercio-em-sp.htm

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