Sexta-feira, 23 de dezembro de 2011 - 14h04
Professor Nazareno*
Delírios na Corte: com já é de costume há vários anos seguidos, houve num dos mais luxuosos endereços da cidade, outra festinha de fim de ano com a famosa e já tradicional brincadeira de Amigo Oculto. Regada a champanhe francês, vinhos da Toscana, Uísque 50 anos envelhecidos em tonéis de carvalho, caviar de esturjão do Mar Negro, lagosta, camarão, dentre outras finas, raras, caríssimas e deliciosas iguarias, esta confraternização encantou a todos. A alegria era geral. Os convidados se banquetearam e se confraternizaram entusiasmados. Famílias inteiras estavam presentes ao evento formando uma comitiva de ouro. Muitas autoridades representando todos os poderes constituídos, damas, cavalheiros, religiosos e militares. A mídia, óbvio que estava lá também, cobrindo o evento. Jornalistas falavam sobre cultura, outros faziam a biografia dos muitos e ilustres convidados, havia fotógrafos e até cineastas. Porém, curiosamente o maior patrocinador desta colossal festa não estava presente, pois não fora convidado.
Como sempre, o ponto alto das comemorações foi a distribuição de presentes e a identificação dos contemplados: “Minha amiguinha secreta é, claro, uma mulher. Ela é uma ex-professora, muito meiga e bondosa, já foi vereadora, é atualmente Deputada Estadual, pertence ao mais ético partido político do Brasil e que já lhe inocentou, quer ser candidata à Prefeita da Capital, tem o total apoio do Prefeito, é sempre testemunha e não acusada em qualquer processo, foi vaiada recentemente numa cantata de Natal e sempre trabalhou em prol dos mais humildes e necessitados. Quem é ela?”. Aplausos e mais aplausos ecoavam no grande salão. “Ela é a nossa heroína, uma verdadeira Santa”, gritavam os mais eufóricos. A alegria foi maior ainda quando alguém anunciou: “o meu amigo é jovem, tem o maior acervo de obras inacabadas do Brasil, é ético, masnão consegue construir um simples viaduto nem limpar corretamente a cidade que diz administrar para o bem de todos. Há oito anos que nos encanta com a sua sapiência”.
Entre uma porção de caviar e outra, ouviu-se nitidamente, vindo dos fundos do salão uma voz suave que dizia: “meu amigo é um pouco gordo, muito inteligente, conseguiu destruir uma universidade inteira durante o período que a administrou, nunca soube organizar um simples concurso vestibular, tinha padrinhos fortes no Governo Federal, dizem que hoje está sendo investigado por desvios de verbas e todo tipo de falcatruas, reclamou que era perseguido por ser homossexual e que durante uma greve não agüentou a pressão e renunciou ao cargo”. Aplausos ensurdecedores. Apesar da tradicional abstinência alcoólica, havia também muitos evangélicos presentes àquela inusitada festa. “Sem estes irmãos de fé, provavelmente esta confraternização jamais acontecesse”, comentavam algumas pessoas. “Eles têm uma fidelidade canina a todos os que pregam a palavra e por isso são peças importantes para que nós alcancemos os nossos objetivos”, diziam, sem pedir segredo, algumas autoridades.
A casa de espetáculos quase veio abaixo quando foi anunciado “o mais secreto” de todos os convidados: “ele, que tem advogados que enganam até os ministros das mais altas cortes do país, um incansável batalhador pela causa dos pobres, um homem de Deus e que junto com alguns amigos amealhou uma verdadeira fortuna retirando dinheiro que deveria ser usado no precário sistema de saúde do Estado. Um homem quase santo que recebeu nas últimas eleições mais de vinte e dois mil votos dos despolitizados eleitores deste lugar”, anunciou euforicamente o mestre de cerimônias. Por incompetência da Justiça, deve ganhar o melhor de todos os presentes: a liberdade. Logo após, várias menções honrosas foram lidas para delírio dos presentes. Um apresentador de televisão foi muito aplaudido quando falaram seu nome. Atolado até o pescoço em lama, acusações de todo tipo e corrupção, ainda usa seu programa para ensinar ética e moral ao povo. “Um verdadeiro cara-de-pau”, comentavam alguns.
A alegria contagiante daquela grande festa foi maior ainda porque, sem que houvesse nenhum anúncio oficial, todos já sabem o final destes episódios: nada. Os envolvidos serão inocentados e receberão do povão simplório, nas próximas eleições, o direito de continuar mamando nas fartas e pouco fiscalizadas tetas do Erário. E, claro, nenhum deles vai devolver sequer um único tostão furado. Incrível, mas para muitas pessoas afortunadas e muitas vezes com a conivência dos poderes constituídos, por aqui o crime compensa. “Para a nossa felicidade, ninguém fiscaliza essa Casa de Espetáculos (ou Casa da Mãe Joana), só prometem e nada fazem de concreto”, dizia uma enorme faixa na entrada. Realmente, uma casa onde ninguém manda, onde não há pulso forte, qualquer um rouba e faz o que quer, diz um ditado popular. No próximo ano haverá novas e concorridas eleições para saber quem pode participar desta grandiosa festa. Muitos já pensam em participar do pleito e já se anunciam candidatos. “Quem dispensa uma boquinha dessas?”. “Se possível, um Feliz Natal para os de fora”, diziam outras faixas. Haverá mais festas, mas sempre sem a presença do patrocinador principal
*É Professor em Porto Velho.
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