Domingo, 4 de março de 2012 - 16h42
Marli Gonçalves
É. Conseguimos. Nós ainda surpreendemos a galera quando aparecemos desbravando algum campo de batalha e quartel general masculino que porventura resista, mas já caducando, por aí. Não é por querermos nos gabar, mas convenhamos: em muito pouco tempo, poucas décadas, depois que obtivemos mais ar para respirar, avançamos, demos passos gigantescos com os nossos saltos altos ou rasteirinhas, com nossas qualidades e implicâncias e - por que não dizer? - algumas poucas, pouquíssimas, fraquezas e deficiências. A gente pode tudo e tem mesmo é de ficar bem prosa.
Fomos fortes, atravessamos os preconceitos, e ainda morremos, ou somos assassinadas, e comemos o pão que o diabo amassa todos os dias com o rabo. Mas conseguimos. Chegamos lá; e lá; e lá, também. Governamos, mandamos, dirigimos, destruímos, lideramos, lutamos, descobrimos véus e arrombamos portas antes fortificadas com cercas elétricas.
Nada mais natural, de natureza, naturalidade, que já estejamos até nascendo meio diferentes, mais firmes, mais confiantes, como vemos todas as menininhas por aí esbanjando a alegria e as diferenças da alma feminina, nossa essência. Tudo já é mais precoce, mais livre, sem vetos.
Há quem diga que o mundo ficou bem melhor. Pode ser. Mas nós também damos muito "defeito", principalmente quando nos espelhamos e buscamos imitar os comportamentos do tal alfa masculino. Aí nada combina.
Hoje já assustamos com nossa presença maciça no mercado de trabalho, na colaboração com inteligência, e no uso cotidiano de nossas grandes armas, além da beleza intrínseca, claro! Somos generosas, intuitivas, até decorativas. Fazemos o mundo mais bonito e às vezes penso até se não é esse o detalhe que faz com que tantos homens até se operem para chegar "lá" mais jeitosos. Cada vez mais, também, mulheres amam outras mulheres, livremente, e já estamos nas ruas, andando de mãos dadas, sem precisar apresentar desculpas. Somos mais do que comadres.
Somos diferentes mesmo. Adoramos novidades, trocar a cor de nossas roupas e cabelos. As que podem, capricham. Cortam aqui, ali, aspiram de um lado, injetam de outro. Temos até agora o que chamo, mas na boa, de Nova Raça - um ramo da espécie feminina, que tem um bundão e um pernão maiores do que os dos jogadores de futebol, esporte onde, aliás adentramos o gramado com glórias e martas absolutas. Quase assustadoras diante dos mirrados homens, essa nova raça foi vista agora mesmo, abundantemente, nas escolas de samba; estão nos reality shows e onde tiver um funk para dançar "chão, chão, chão". Tanquinho só no abdômen - o tempo é gasto em levantar pesos, cuidar dos glúteos, algumas até exageradamente, essas popozudas que povoam sonhos, mas que bem poucos têm condições de encarar.
Estamos todas nós nas capas e fotos das revistas, inclusive nas econômicas e especializadas em mais do que ensinar como ser mulherzinha.
A lata de água na cabeça ficou para trás. O corpo malemolente moldado nas vielas e ladeiras também. Mas o rebolado, de alguma forma, aumentou. Independência traz maiores necessidades.
Nós, as novas mulheres. Mulher que tem homem. Mulher que tem mulher. Mulher que tem amantes. Mulher que quer viver sozinha. Mulher que tem filhos só seus, e até com o sêmen de desconhecidos - e os homens sempre se acharam necessários para tal. Mulher que, mesmo sozinha, adota e amamenta filhos de outras mulheres. Mulher que não quer filho, mas ama gatos, cachorros ou livros. Mulher que tem brinquedinhos vibratórios na gaveta, e alguns de verdade. Mulheres que amam demais, de menos. Que se jogam do céu em paraquedas, e pilotam aviões ou motos e bicicletas. Ou ônibus, caminhões. Que venham os motores e as rebimbocas e parafusetas. Mulheres que pagam por acompanhantes momentâneos, para conversar, dançar ou amar.
Somos mesmo demais! Nossos banheiros têm mais shampoos e cremes e se você não sabe por causa de quê, respondo. É simples: porque alternamos. Hoje podemos mudar de ideia. Amamos sapatos porque eles levam nossos pés longe, como rodinhas, ou as asas de Mercúrio, e nossos olhos gostam de vê-los se movimentando. Amamos bolsas porque nelas carregamos muitos de nossos segredos, um pouco de nossa casa, primeiros socorros. Talvez até a foto do amor na carteira. As chaves que abrem as portas que atravessamos, ou as que trancam e protegem nossos tesouros.
Gostamos de brilhos. Nossos armários têm mais coisas do que a que podemos usar. Faz parte. A gente nunca sabe bem qual personagem será o do dia, e é para isso que existe a criatividade de juntar peças, como fazemos com a vida, quebra-cabeças. O palco é a vida. Somos todas artistas.
Somos invejadas por essas nossas capacidades, até por outras mulheres que demoraram a perceber as mudanças que foram tão rápidas, e que muitas até hoje ou não entendem, ou dizem por aí que não as queriam. Não foi fácil; não é fácil, não será. Mas aconteceram e nasceu a Nova Mulher. Muito prazer - inclusive uma das coisas que gostamos - em conhecer.
Por isso, sorria, aplauda. Venham comemorar com a gente o Dia da Mulher, mas, por favor, sem falar besteiras ou piadinhas bobas. É o dia que marca nosso orgulho. Deixa ele aí no calendário. Marque um círculo em sua volta, como se fosse tabelinha de menstruação, essa coisa tão feminina. Podia até ser feriado, porque por ele, para conseguir tudo isso, muitas de nós morreram.
Para mantê-lo, ainda morrem.
São Paulo, março de 2012, bom mesmo seria ver tudo cor de rosa.
• (*) Marli Gonçalves é jornalista. Acha e vê que toda mulher quando amada é linda, sempre, nem que seja apenas nos fugazes instantes posteriores, quando apenas sorri. marli@brickmann.com.br marligo@uol.com.br
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