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Ponderações acerca da proibição de doações empresariais às campanhas eleitorais


Ponderações acerca da proibição de doações empresariais às campanhas eleitorais - Gente de Opinião



Por Marcelo Borel*
 

Muito se comemora sobre a declaração de inconstitucionalidade que o STF proferiu sobre as doações empresariais às campanhas eleitorais. Sob os argumentos de que essa proibição fecha as portas da democracia a uma prática tipicamente corrupta e de que, consequentemente, isso provoca uma melhoria da representação do eleitorado – já que os eleitos não mais representariam empresas –, acredita-se que o Brasil deu um grande passo no combate à corrupção e no aprofundamento da democracia. Pessoalmente, discordo.

Em primeiro lugar, acho uma grande ingenuidade pensar que as grandes empresas brasileiras doadoras, ao se depararem com essa nova proibição, abrirão mão da prática e, de uma vez, acatar resolutamente e de cabeça baixa a perda desses grande instrumento de compra de influência. Não abrirão. Antes de 1994 as doações de pessoas jurídicas já eram proibidas no Brasil e culminaram no escândalo de PC Farias de favorecimento em licitações públicas a empresas que haviam financiado ilegalmente a campanha eleitoral de Collor. O risco que se corre com a decisão recente do STF é de se retornar a um cenário similar ao pré-94. No caso, entre manter as doações empresariais, mantendo também o acesso às informações de quem doa para quem, ou acabar com a legalidade das doações empresariais, incentivando o caixa dois, e escondendo esses dados da população, fico sem sombra de dúvidas com a primeira opção. A transparência é um valor democrático que deve ser levado muito a sério – e vem sendo cada vez mais vista pela Ciência Política como uma das melhores formas de se combater a corrupção. Como diz o professor Bruno Speck: a luz do sol é o melhor desinfetante.

É preciso ponderar em segundo lugar que, se após o escândalo do Mensalão em 2006, os gastos declarados incentivos com as campanhas eleitorais tiveram um salto quantitativo significativo, isso decorre de um aumento de incentivos institucionais para que as doações empresariais passassem a ser feitas mais por dentro do sistema legal, diminuindo assim o fluxo de dinheiro de abastecia os caixas dois das campanhas. Atualmente, cenário similar parece se repetir com o escândalo da Petrobrás. A proibição vem na contramão desse longo processo de transposição das doações empresariais da extralegalidade para dentro do sistema institucional. E, de uma vez, as coloca novamente fora das margens do sistema.

Um terceiro ponto a ser levantado é que os próprios legisladores não se sentem plenamente à vontade com essa “obrigação” prática de alimentar um caixa dois para se manter competitivo. Prova disso é o fato de que praticamente todas as propostas de reforma política – principalmente, no que toca ao financiamento de campanhas – são formuladas pelos próprios membros do legislativo. Disso decorre que, se a declaração do STF funcionar mesmo como um forte incentivo de retorno a um cenário similar ao pós-94, haverá movimento dos congressistas para adequar o funcionamento do sistema a uma formatação na qual não essa necessidade não seja tão robusta. E é isso que eu acredito que acontecerá.

Há ainda um quarto ponto merecedor de destaque. Para as eleições de 2014 entrou em vigor uma determinação do STE que obrigava os partidos a, ao transferir recursos para seus candidatos, explicitar o nome dos “doadores originais”. Isso ocorreu justamente porque, nas eleições de 2012, houve um boom nas chamadas “doações ocultas” – estratégia adotada por empresas, em sintonia com os candidatos, partidos e comitês, para mascarar os laços de financiamento que se construíam. No caso, as empresas doavam aos recursos aos partidos que ficavam responsáveis por repassá-los aos candidatos. Contudo, nas prestações de contas dos candidatos, esse dinheiro era designado com sendo um mero repasse do partido – e não como um financiamento empresarial indireto. Desta forma, os vínculos que se estabeleciam entre empresas financiadoras e candidatos financiados eram ocultados pela intermediação do partido. O que isso demonstra é que há um movimento – que pode ser tanto das pessoas jurídicas quanto dos candidatos – de eclipsar esta relação. Disso entende-se que, uma vez que as doações empresariais se tornam ilegais, há maior probabilidade de esses recursos serem conduzidos às campanhas por meio de caixas dois, do que por representantes das empresas em forma de pessoas físicas.

As cenas dos próximos capítulos, acredito, não virão discutir a implementação de doações exclusivamente pública e, muito menos (infelizmente), a adoção de uma lista fechada. Mas sim, uma forma de reconstitucionalizar as doações de pessoas jurídicas ao mesmo tempo que as regulamenta. Todas as discussões acerca do financiamento empresarial no Brasil sempre giraram em torno da polarização proibir/constitucionalizar. Regulamentar nunca esteve em pauta. E me parece que esse é o momento no qual se buscará chegar a um consenso entorno de um teto de doações para pessoas jurídicas e que, espero, abarque também pessoas físicas.

A resolução do STF levanta muitas questões e muitas incertezas que ficam acobertadas pela euforia geral que suscitou. No fim das contas, invés de funcionar com um fio de Ariadne que ajudaria a tirar o Brasil do confuso labirinto político no qual se encontra, essa proibição se assemelha mais, no curto prazo, como uma multiplicação dos minotauros.


* Marcelo Borel é doutorando em Ciência Política. Discute principalmente temas referentes ao financiamento de campanhas eleitorais, reformas políticas, e violência.

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