Quinta-feira, 1 de maio de 2014 - 05h58
O Brasil é um país marcado pela violência. Muitas das agressões são vivenciadas nas ruas, afetando grande parte da população.
Mas a violência no Brasil também está em suas prisões. Inclusive de formas sutis, que poucas pessoas – exceto às que sofrem por isso – tomam conhecimento. Uma delas é a revista vexatória.
Na tarde do dia 23/04, a Rede Justiça Criminal lançou uma campanha nacional contra a revista vexatória em presídios.
O site da campanha já alerta no início: “Esta campanha contém linguagem ofensiva, as dramatizações são baseadas em relatos reais de vítimas”. Quando você aperta o botão confirmando que deseja prosseguir, aparece novo alerta: “Feche os olhos, coloque um fone de ouvido e sinta na pele o drama das vítimas”.
Os relatos são fortes. Falam de mulheres e crianças que, como condição à visitação de um familiar preso, têm sua intimidade corporal invadida, pela obrigação de tirar a roupa e abrir as partes íntimas, agachando três vezes antes da entrada à unidade prisional. “Assim não tá dando para ver lá dentro. Abre a vagina com a mão. Isso, para que eu possa enxergar direito”, é o que determina a agente penitenciária em um dos relatos.
Uma mulher, em carta escrita à mão, divulgada pela Rede Justiça Criminal, denuncia o que acontecia em uma penitenciária em São Paulo: “sofremos constantes humilhações e constrangimentos com nossas pessoas; somos obrigados a fazer força abrir nossas partes íntimas com a mão, somos obrigadas a por a perna em cima do balcão e ainda colocar o dedo, ficar de quatro e ainda (…) se tivermos menstruadas não podemos visitar nossos parentes”.
A entidade define revista vexatória como “o procedimento pelo qual são submetidas as pessoas que pretendem visitar algum familiar na prisão. Essa prática é conhecida como revista vexatória, exatamente pelo seu caráter humilhante e abusivo. Essas pessoas, crianças, adultos ou idosos, são ordenadas a ficar nuas, agachar diversas vezes, muitas vezes terem seus órgãos genitais inspecionados (sem observância de qualquer cuidado mínimo de higiene)”.
A Rede Justiça Criminal ainda observa que é uma dura realidade que aproximadamente meio milhão de pessoas passa semanalmente no Brasil, enquanto sua eficácia para deter a entrada de drogas ou celulares na prisão é contestável: segundo levantamento realizado, apenas 0,03% das pessoas revistas em penitenciárias de São Paulo são flagradas portando itens proibidos. Seus efeitos afetam, desproporcionalmente, mulheres em idade adulta, uma vez que compõem cerca de 70% dos revistados.
As pesquisadoras Raquel Lima e Amanda Oi destacaram como a percepção da legitimidade da prática distorce a própria forma de encarar a situação:
“E (…) aquelas mulheres que durante a revista choram, tentam cobrir o corpo com as mãos ou reclamam pelo respeito aos seus direitos são tratadas como indisciplinadas e não como pessoas reagindo instintivamente a um ato de violência. Muitas acabam punidas com a perda da visita por ao menos 30 dias, sob o argumento de que retardaram o desenvolvimento dos trabalhos do pessoal penitenciário.”
Não é de surpreender: a obediência ao comando da autoridade é um instrumento de insensibilização psicológica, conforme famoso experimento de Stanley Milgram. Sem uma cultura de questionamento ao poder político, não pode existir respeito a direitos individuais elementares.
Por isso, o grupo solicita a aprovação do Projeto de Lei nº 480/2013, que vetaria esta prática (atualmente, deixada à discrição de cada estado da federação), e propõe, como alternativa, a chamada “revista humanizada”, que já é aplicada no estado de Goiás.
Inclusive, para a mudança ocorrida em Goiás, foi decisiva uma ampla discussão pública sobre o tema, que foi facilitada pela divulgação de um vídeo produzido pelo Ministério Público em 2010, sob o título “Revista vexatória – visitando uma prisão brasileira”, o qual,segundo o procurador Haroldo Caetano da Silva, foi “fruto da coragem de uma mulher que permitiu ser filmada durante o antigo procedimento e que se dispôs a denunciar, mediante a exposição do seu próprio corpo, a absurda violência institucional que era cometida pelo Estado de Goiás contra as pessoas, principalmente mulheres, de todas as idades, que passam pela dura experiência de ter um parente, amigo ou companheiro preso”.
Como apontaram David Schmidtz e Jason Brennan, a segurança dos direitos civis, e em última instância da própria sociedade liberal, depende tanto de uma cultura de liberdade e individualismo, como de atos heroicos individuais que sirvam como “catalisadores”. Apesar da tendência humana à conformidade social, o exemplo de alguém que se rebela contra uma regra discriminatória facilita que mais pessoas a questionem, criando nova tendência social em sentido oposto. O exemplo desta mulher em Goiás está dentro desta dinâmica social, facilitando uma reforma que poupou muitas pessoas de passarem pela mesma situação que ela enfrentou.
Familiares de presos não deviam ser penalizados por meio da revista vexatória. É preciso libertar os brasileiros de mais essa violência estatal institucionalizada, que seria inadmissível em uma ordem social livre como a que almejamos enquanto libertários.
Valdenor Júnior é advogado.
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