Segunda-feira, 15 de junho de 2015 - 18h17
Marli Gonçalves
Prepare seu coração. Às 13h38 do domingo, dia 21 de junho de 2015, Lua crescente, ele adentrará o gramado com todas as suas idiossincrasias, ele, o inverno que, se fosse gente, eu veria como um arrogante senhor esnobe vestido com um sobretudo de peles raras -a estação que mais a gente precisa e pensa em dinheiro. Mais até do que no verão, roupinha leve, quando com qualquer coisa vamos batendo chinelinho, chupando gelo, molhando a nuca. No inverno não - é preciso ter algum, para vestir, para comer, para gastar, para comer chocolate, derreter queijo, beber um bom vinho. Espertos são os ursos, que hibernam. Abrem um parêntese. Uma pausa. Uma ausência.
Prepare seu coração porque nessa época a coisa fica tão assim que aumenta de 30 a 40% o risco de complicações nesse amigo do nosso lado do peito que bombeia nossa vida. No inverno nosso vermelho gordinho e compassado sofre mais porque trabalha mais, como eu dizia, por amor para sentir e aquecer, bombeia mais para nos botar ativos forçando-nos a sair do quentinho para ganhar a vida. Talvez esse índice também se deva em grande parte à preocupação - afinal já se passaram alguns meses daquele dia em que boa parte da população se vestiu de branco, acreditou que tudo seria diferente, pulou ondinhas. Aqui e ali as decepções, alguma coisa que até piorou e a perspectiva do fim de ano já chega, assim que o primeiro semestre apita na curva e se vai.
Ainda tem uma tal constrição, essa palavra que lembra fé, mas desta vez no inverno é a constrição dos vasos sanguíneos, aquela sensação gelada das extremidades. Ponta de nariz sem esquimó para beijar esfregando; os pés, os pés de orelha e os próprios com todos os seus dedos, e ainda os dedos das mãos.
O corpo humano é um mecanismo sofisticado, complicado, mas frágil. No inverno a gente vai tampando aqui, ali, até virar mesmo uma cebola. Uma cebola que se monta e se descasca durante o dia, para dar a deselegância discreta de nossas meninas, como diria o Caetano, em Sampa, beleza composta certamente em um passeio de inverno em São Paulo.
Os conservadores que andam eriçados, de plantão, praguejando, vão dar pulinhos porque ouvirão falar muito dos invertidos, com os quais invocam muito. Mas estes invertidos serão os dias com poluição e inversão térmica, aqueles dias maravilhosos, azuis, e ao mesmo tempo, secos, sufocantes, laranjas, desérticos. Dias que nos tornam a todos meio invertidos também. Enviesados, até!
Inverno é bom para algumas coisas, além da sopa, do banho quente, das pantufas, do sono debaixo das cobertas, da pipoca pulando na panela. Fora as mais safadas, serve bem para quem quer fazer tratamento estético, cortar aqui e ali puxar um pouco, de pele que fica mais coberta, protegida. Não mostra. Não mancha.
E aí, vamos falar sério? O que nós vamos fazer nesse inverno? Continuar reclamando? Sentar e esperar que alguma luz radiante ilumine nossas cabeças, que bata algum vento que nos faça espirrar soluções? Ou vamos continuar tossindo, aos soquinhos, como os carros velhos em manhãs geladas, vendo o filme de terror das sessões especiais? O tempo que temos são os próximos três meses, até 23 de setembro, embora essa precisão estanque entre estações - até isso - aqui seja meio bagunçado.
Tem mais um detalhe de inverno que preciso alertar - é época de aumentar o número de ratos querendo entrar, invadir as casas e empresas à procura de locais quentes e com alimentos, onde possam se obrigar e procriar. Entende a metáfora?
Sinceramente, acho mesmo que devemos é nos agasalhar e sair de novo por aí, para esquentar certas orelhas gritando umas coisas, organizando a primavera, vendo se desta vez a gente consegue fazer brotar a nação, semeando direito na época certa.
São Paulo, cuidado com friagem, 2015
Marli Gonçalves é jornalista - Mão quente, coração frio: amor vadio - diz um provérbio português. Mãos quentes, amores ausentes - diz um outro.
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