Sexta-feira, 22 de junho de 2012 - 11h02
Por Francisco Marquelino Santana
O litígio por tratar-se de uma questão estritamente judicial marcou profundamente a história do povo da Ponta do Abunã e consequentemente a história das sociedades acreana e rondoniense. O litígio perdurou por mais de dez anos e até o ano de 1995, as comunidades de Vila Extrema e Nova Califórnia, estiveram mais especificamente esperando que os dois estados resolvessem esta pendenga junto ao Supremo Tribunal Federal. O fato é que cansados de esperar e tendo sempre de estar dependendo de partidários e/ou apaixonados dos dois Estados, o povo resolveu comunicar-se diretamente a Brasília e os resultados foram aos poucos surtindo efeito. Um dos integrantes do movimento popular pró-fim do litígio foi reconhecidamente Zé Gaúcho, que na época resolvera escrever uma carta diretamente ao ministro da justiça Nelson Jobim, informando sobre a questão litigiosa que envolvia o povo das duas vilas e ao mesmo tempo solicitando ajuda do ministro no sentido de sepultar definitivamente o litígio entre as duas unidades de federações envolvidas naquele ato contencioso. Os trechos que apresentamos a seguir foram extraídos desta carta histórica: “Extrema, 02 de maio de 1996. Ilmo. Sr. Dr. Nelson Jobim. Hô de casa Thê. Com todo o respeito de conterrâneo que sou. Assunto: Litígio das Vilas Extrema e Nova Califórnia – Acre e Rondônia. Em primeiro lugar quero me apresentar, para podermos falar da nossa linguagem charrua. (...) Não quero jamais me passar de atrevido, mas sim, falhar-lhe com toda a franqueza e honestidade, de homem do interior, não quero também, tomar seu precioso tempo, relatando histórias ou fatos não dizem respeito ao caso, pois é de meu conhecimento que o processo está aí no Supremo Tribunal Federal, conforme Vossa Excelência bem sabe. ( ...) O povo está se mobilizando ( ... ) Promete fechar a BR 364 para forçar as autoridades a tomar uma definição ( ... ) Certo de que Vossa Excelência dispensará ao caso toda a atenção e carinho que o mesmo merece, subscrevo-me. Atenciosamente. José Hermeto Mazurkewicz.”
No dia 06 de maio de 1996, "Zé Gaúcho", escreveu também ao presidente da república, Fernando Henrique Cardoso. Esta carta ele intitulou de "Mágoas de um caboclo preocupado com a questão social". Ele explica ao presidente, que migrou para o Estado de Rondônia no ano de 1973, vindo do Rio Grande do Sul. Zé Gaúcho, velho pioneiro, continuava morando no mesmo local onde se instalou pela primeira vez na região. Era proprietário da Fazenda Arvoredo, localizada às margens da BR 364, km 183, distante 3 km de Vila Extrema. A área tem título definitivo do INCRA. Vejamos aqui pequenos trechos da carta, enviada ao então presidente da República Fernando Henrique Cardoso: “Pelo amor de Deus autoridade de boa vontade, isto aqui não trará ônus nenhum ao Estado, nem ao país, pois a decisão trará sim, a estabilidade e conforto moral a estes irmãos. Pois aqui também é Brasil, onde moram também heróis da pátria amada salve – salve, jogados, usados, como queiram, podem vir constatar. Como cobaias de alguns interesses não esclarecidos. Escrevo estas simples palavras chorando lágrimas de sangue, que acredito Vossa Excelência também tenha derramado para devolver a liberdade ao povo brasileiro, que este aqui, é também integrante. Este povo manobrado por bandidos que se dizem povo também, em nome do povo, dizem trabalhar. Sofremos calados, pensando em não ter a quem mais apelar, esperando apenas que Deus conduza até a cova, para daí esperar ressuscitar para a glória eterna. ( ... ) Não acredito que tenhamos de ir ao exterior buscar uma solução importada, acredito sim que é ter bom senso e boa vontade, em devolver ao povo o que é deles: dignidade, cidadania e respeito.”
De uma inteligência aguçada, O sentimento demonstrado pelo velho guapo é de angústia, mas é também de esperança, de liberdade e de luta. A linguagem popular parecia não mais acreditar na linguagem jurídica, nem na linguagem do discurso político. Mas era preciso acreditar naquele momento que tanto o Executivo, como o Judiciário, eram peças extremamente importantes naquele processo de engrenagem cidadã, montado principalmente pela vontade expressa do povo.
Em junho de 1996, um mês após ter recebido a carta do morador e líder comunitário de Extrema, "Zé Gaúcho", o ministro da justiça Nelson Jobim, parece ter se sensibilizado com os clamores do povo e decidiu fazer uma visita oficial a região da Ponta do Abunã. Em companhia do ministro estavam ainda na época, os governadores Orleir Cameli do Estado do Acre e Valdir Raupp de Matos do Estado de Rondônia, além de vários deputados que representavam as bancadas estaduais e federais dos dois Estados, e representantes do Senado Federal das duas Unidades Federativas.
Durante a visita das autoridades em Extrema, todos os representantes das diversas instituições públicas que estavam presentes assinaram um documento intitulado "Termo de compromisso". Naquele momento todos se comprometeram em resolver a questão litigiosa e de melhorarem o atendimento das necessidades básicas da população. A assinatura do documento assinado por diversas autoridades federais e estaduais, em conjunto com diversos segmentos da comunidade local, parecia enfim, que resultaria na "Batida do martelo" no Supremo Tribunal Federal em Brasília. Até aquele momento o povo já havia travado várias batalhas para conseguir acabar com o litígio: bloqueio da BR por várias vezes, confronto entre simpatizantes dos dois Estados, forças militares federais e estaduais na região, ida de comitivas a Brasília, e demais outros acontecimentos históricos que marcaram a vida daquele povo. Não podemos deixar de registrar aqui, a figura de um líder que sempre também esteve à frente das mobilizações de massa: Aparecido Bispo de Oliveira. Este, enquanto o velho guapo escrevia a filosofia da emancipação, Bispo entendia que também era preciso conduzir o povo à praticidade. Ambos sempre lutaram pelo mesmo ideal: a emancipação político – administrativa de Extrema de Rondônia. No entanto precisamos adotar as lições de Zé Gaúcho, como verdadeiros ensinamentos rumo à nossa liberdade.
As cartas do velho guapo surtiram efeito, e o processo que culminaria com o fim do litígio, estava enfim, com os seus dias contados.
As expectativas agora estavam voltadas diretamente para o Supremo Tribunal Federal-STF, face à ação cível originária, nº. 415-2 ajuizada pelo Estado do Acre e de cunho demarcatória, contra os Estados de Rondônia e Amazonas, pois certamente, sairia desta ação o resultado final do litígio. Em novembro de 1996, o Movimento popular pró-fim do litígio recebera a notícia diretamente do Ministério da Justiça que o Supremo Tribunal Federal havia marcado para o dia 04 de dezembro de 1996, a partir das 14 horas, o início da sessão que definiria a questão de limites entre os Estados do Acre, Rondônia e Amazonas. O que a Ponta do Abunã por muito tempo esperava, chegou finalmente seu dia: nesta data histórica, saberíamos afinal, a quem de fato e de direito pertenceriam as vilas de Extrema e Nova Califórnia.
O relator da ação civil originária foi o ministro Néri da Silveira, tendo como presidente do STF, o ministro Sepúlveda Pertence. O Acre estava ali representado pelos advogados Fábio de Oliveira Luchesi e José Ravagnani Filho, enquanto o Estado de Rondônia estava sendo representado pelos advogados Alberto Teixeira Xavier e Erasto Vila Verde de Carvalho. Estava dada a largada para a batalha jurídica final e os dois estados litigantes num curto prazo de tempo, irão ter desmistificados seus marcos litigiosos processuais.
Sem resquícios de dúvida, o litígio tornou-se uma ferramenta jurídica que serviu como trava a impedir a abertura do tão sonhado processo de autonomia política da região. A proliferação desenfreada de injustiças sociais tornou-se frequente na Ponta do Abunã, por outro lado, grande parte da população desconhecia as noções básicas de tão conturbado conteúdo jurídico, fator que notadamente separava dois mundos antagônicos entre si.
Diante do exposto, o ministro e relator Néri da Silveira, julgou procedente de acordo com seus relatos, que se execute a ação dentro dos traçados de limites definidos pelo IBGE, baseada no artigo 12, § 5º, do ato das disposições constitucionais transitórias, da constituição de 1988, a vista dos levantamentos cartográficos e geodésicos realizados por este órgão.
Após relatório e manifestação do voto do iminente relator Néri da Silveira, os ministros votaram por unanimidade seguindo o voto do relator. Estiveram ausentes justificadamente os ministros Celso de Melo, Carlos Velloso e Ilmar Galvão, presentes os ministros Moreira Alves, Sydney Sanches, Octávio Gallotti, Marco Aurélio, Francisco Rezek e Maurício Corrêa.
Como vimos, o advento do litígio resultou numa árdua luta jurídica travada entre os Estados do Acre e de Rondônia. Seu malogro, porém, só veio a acontecer conforme o seguinte acórdão: “Vistos, relatados e discutidos estes autos, acórdão os ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de julgar procedente, em parte, a ação, e nos termos do voto ao relator, para determinar a demarcação conforme o estudo cartográfico e geodésico do IBGE, que se incumbirá da sua execução. Por unanimidade, não conhecer aos pedidos de indenização dos estados do Acre e do Amazonas. E, condenar o Estado do Acre a pagar honorários de advogado no valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) ao Estado de Rondônia, e compensando-se as verbas se sucumbência entre os estados do Acre e Amazonas. Brasília, 04 de dezembro de 1996. Ministro Sepúlveda Pertence – Presidente – Ministro Néri da Silveira – relator.”
Após o fim do litígio uma nova empreitada estaria a começar: A criação de um novo e pujante município no Estado de Rondônia. A bandeira ainda não fora cravada de fato e de direito, mas o povo da Ponta do Abunã continua atento as manobras eleitoreiras vindas de cima para baixo no intuito de calar a sua voz. Zé Gaúcho só morreu se morremos nós. Viva Extrema de Rondônia!
Governador Valdir Raupp, Zé Gaúcho e o Ministro Nelson Jobim. (1996). Foto: Zé Gaúcho. |
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