Segunda-feira, 11 de março de 2024 - 13h56
O Ministério
Público Federal (MPF) analisou a Lei Estadual 5.560/2023, do estado de
Rondônia, e identificou uma série de problemas na norma. O dispositivo legal
impede a concessão de benefício a pessoas vulneráveis sob o pretexto de que
estariam ocupando terras de maneira ilegal sem respeitar a ampla defesa, o
contraditório e a presunção de inocência. Para o procurador regional dos
Direitos do Cidadão em Rondônia, Raphael Bevilaqua, a lei estadual é
"ofensiva à dignidade humana" e seu conteúdo fere direitos básicos.
De acordo com
o procurador, ao penalizar os ocupantes – cidadãos em condição de
vulnerabilidade econômica e social – com a sua exclusão de programas
assistenciais, a Lei estadual 5.560/2023 não pretende “simplesmente
inviabilizar a ocupação irregular de terras, mas negar o próprio direito ao
mínimo existencial para quem necessita”. A norma prevê que até a participação
no programa estatal de fornecimento de cestas básicas fica vedada a essas
famílias.
Na avaliação
do procurador, a lei também afrontaria o direito social ao trabalho e à
isonomia ao vedar o acesso a cargos públicos por motivo que não seja a mera
desqualificação pessoal para a função. Outro ponto destacado pelo representante
do MPF é que a lei de Rondônia acabaria por legislar sobre normas gerais de
licitação e de contratação com o poder público, invadindo competência privativa
da União. Por fim, segundo o MPF, o dispositivo normativo de Rondônia dificulta
ou inviabiliza manifestações de movimentos sociais que têm como objetivo melhor
distribuição de terras.
Outro ponto
destacado por Bevilaqua é que a lei estadual tende a dificultar soluções
fundiárias construídas a partir de diálogo e entendimento mediados pelas
Comissões Regionais de Soluções Fundiárias, trazendo junto o “risco de
agravamento da violência no campo em um estado em que já é alto o índice de
violência (figurando entre o 1º e 2º lugar dentre estados mais violentos em
mortes no campo há mais de uma década)”.
Bevilaqua
também alerta que, além de Mato Grosso, que também aprovou legislação
semelhante à lei sancionada em Rondônia – Lei 12.430/2024 –, há projetos de
leis com igual teor em trâmite nas Assembleias Legislativas de Mato Grosso do
Sul (Projeto de Lei 25/2023), São Paulo (Projeto de Lei 506/2023), Minas Gerais
(Projeto de Lei 327/2023), Rio Grande do Sul (Projeto de Lei 154/2023) e Paraná
(Projeto de Lei 534/2023). Também tramitam propostas na Câmara dos Deputados
(Projetos de Lei 709/2023, 895/2023 e 1.373/2023).
Decisões
–
O MPF cita que o exercício dos direitos de reunião e de associação, como
garantias indissociáveis do regime democrático é assegurado pela Constituição
Federal (art. 5º, XVI e XVII). No documento, também são citadas decisões do
Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) 828/DF pela suspensão de remoções forçadas durante a
pandemia, nos âmbitos administrativo ou judicial. Na mesma ação, a Corte também
fixou diretrizes para o poder público e demais órgãos do Poder Judiciário
quanto à retomada das medidas administrativas e judiciais que haviam sido
suspensas cautelarmente.
Ao tratar do
exercício da liberdade de reunião, em outra decisão, a Corte Suprema assentou
como “essencial para a criação de um ambiente democrático real que oportunize
ao cidadão desempenhar adequadamente o seu papel de cointérprete da
Constituição, propiciando a criação de agendas sociais que poderiam passar ao
largo dos interesses político-partidários hegemônicos”. Os ministros também
decidiram que não encontra amparo na Carta Magna a criação de “tipos
sancionadores que inovam na ordem jurídica e que representam verdadeira
restrição do núcleo essencial do direito fundamental, sem fundamento legal que
delineie princípios inteligíveis aptos a guiar sua respectiva aplicação e
controle”.
No
entendimento do procurador, “os potenciais beneficiários da política nacional
de reforma agrária não podem ser prejudicados ou discriminados por cumprirem
dois desígnios constitucionais, quais sejam, buscar a reforma agrária e se
associarem livremente para tal fim, mobilizando-se e estabelecendo estratégias
legítimas para essa finalidade”.
Todas essas
ponderações a respeito da norma em vigor no âmbito do estado de Rondônia
constam de documento encaminhado pelo procurador Raphael Bevilaqua ao
procurador-geral da República, a quem cabe analisar se é o caso de acionar o
Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a constitucionalidade da norma.
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