Domingo, 13 de abril de 2025 - 14h10
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Viva a democracia!
-- O
Fascismo não passará!!
Vinício Carrilho Martinez – Doutor em Ciências
Sociais/UNESP
Tainá Reis – Doutora em Sociologia/UFSCar
Por mais que reviremos as
instituições políticas, quando falamos do Estado brasileiro teimam em aflorar o
que há de pior na nossa formação social, a exemplo da rejeição institucional
aos pobres: o Brasil não “trata” (aborda a pobreza e a miséria social), o país
distrata seu povo, os mais pobres e desassistidos. Isso é uma recorrência
histórica[1].
Desse modo, para entender o
Estado contemporâneo brasileiro é preciso retomar o passado - como boa parte
das teorias críticas nos ensina, o presente é uma elaboração histórica contínua
- ou, em alguns casos, uma permanência travestida de novidade. O Brasil do
século XXI é herdeiro de estruturas coloniais profundamente desiguais e
violentas. O Estado, como instituição das instituições, espelha e reforça essa
história.
O modelo de Estado que nos
forma e nos governa está ancorado em um passado colonial escravocrata,
patriarcal e racializado. Nos tempos da Plantation, com o latifúndio
agroexportador, o poder estatal já se configurava como mantenedor da dominação
de uma elite econômica e social – atualmente, sem mais a Plantation, mas
com as commodities, quanto mudou? Essa elite, branca, masculina e proprietária,
tanto detinha os meios de produção como também influenciou as normas jurídicas,
os valores e o funcionamento da própria máquina estatal. O Estado foi (e ainda
é) agente ativo na construção de desigualdades estruturais.
Tratar de tema tão vasto como
o Estado, as formas políticas historicamente construídas, é sempre um desafio –
é amplo e aprazível ao retomar a história política, porém, pode se esvaziar em
conceitos que requerem um grande aporte de precisão e de aprofundamento. No
entanto, as formas políticas atribuídas ao Estado sempre nos explicam muito do
que somos (ou não), do que poderíamos ser. Quantas relações poderiam ser estabelecidas
entre as formas políticas no extenso rol da história?
· Estado
antigo (ou Estado gregário)
· Estado
funcionalista
· Estado
liberal
· Estado
de direito republicano
· Estado
federal (ou federativo)
· Estado
Legal (séculos depois do Estado Livre)
· Estado
democrático
· Estado
Social (México)
· O
Estado-força (o não-Estado)
· Estado
de Bem Estar Social – capitalismo monopolista de Estado
· Estado
de direito político:
Até o nosso Estado Democrático
de Direito Social (Martinez, 2013)
Em razão da necessidade de se
manter a objetividade, é importante destacar uma súmula quanto à forma política
do chamado Estado Moderno, que é este que nos compete. Por este resumo cabe
dizer que o Estado é a instituição das
instituições, a instituição capaz de normatizar, normalizar as demais
construções institucionais; como instituição reguladora, o Estado reúne o poder
da heteronomia e da soberania (restando às outras instituições uma
possibilidade de autonomia – sendo esta residual).
Para que isto
assim se afirme, o Estado moderno mantém em unidade constitucional três das
mais essenciais categorias – quais sejam: o povo, o território e a mesma
aludida soberania. Daí provém a heteronomia ou o monopólio do exercício do uso
legítimo da força física, bem como o monopólio legislativo – por exemplo,
quando se afirma a segurança jurídica em substituição à vingança privada. Na
bandeira do Estado Constitucional – com todas essas funções reguladas por uma
Constituição (promulgada ou outorgada), a modernidade se apresenta na forma do
Estado de Direito, com algumas condições elementares: a divisão dos poderes, o
Império da Lei, a prevalência dos direitos fundamentais.
Autocracia política (plutocracia)
Depois de uma breve exposição
sobre as formas políticas do Estado, num sentido mais histórico e universal
(pelo Ocidente), destaca-se a autocracia burguesa de Florestan Fernandes: tão
visível no mercado financista da Faria Lima que, hoje, o faria colocar outros
adjetivos.
Vemos esse fato como uma
revolução burguesa pela metade, com um Estado de direito que não apenas serve
às "elites" (no Brasil: oclocracia), que não apenas é racista (na
prática, não na Constituição de 1988), como ainda reproduz (fora, distante, do
Estado Democrático de Direito) a realidade excludente (repleta de exceções e
privilégios de "casta": Judiciário) e que sempre performou o Estado
patriarcal, colonial, cartorial.
A tardia e incompleta abolição
do regime escravocrata em 1888 não significou uma ruptura com a lógica do
domínio senhorial. A promulgação da Lei de Terras, em 1850, operou um dos mais
claros exemplos do Estado enquanto mantenedor de privilégios: a terra se
converteu em mercadoria, o que impediu que ex-escravizados e imigrantes pobres
acessassem a propriedade rural. Com tal medida, enquanto força de trabalho
livre, permaneceram dependentes dos antigos senhores, que, assim, permaneceram
no topo da pirâmide social. Assim, a modernização da legislação fundiária
operou uma atualização da dominação, não sua superação.
Esse padrão se mantém no
presente: a blindagem jurídica das elites econômicas, a aliança entre o Estado
e o agronegócio e a seletividade penal evidenciam que o Estado brasileiro permanece
legislando para uma classe específica. Elevado quase a uma condição de casta, o
Judiciário age de modo desigual: severo com os pobres, leniente com os
privilegiados. Nesse quadro se insere o conceito de autocracia burguesa,
conforme formulado por Florestan Fernandes —que hoje pode facilmente ser compreendido
como um Estado capturado por interesses financistas, marcado por práticas
oclocráticas e plutocráticas.
O que ainda nos assegura
alguma "excepcionalidade" (discriminação positiva) são os direitos
fundamentais - no que restou da Constituição de 1988 sem ser corrompida pelo neoliberalismo,
neocolonialismo e pelo Estado Paralelo (entre a corrupção e o crime
organizado). Portanto, se fizemos a tal revolução burguesa, nós a fizemos sem a
eficácia do Estado de direito – mormente se considerarmos que o conceito exige
o Império da Lei, a separação dos poderes, a prevalência dos direitos
fundamentais, a isonomia (Canotilho, 1999).
A
separação de poderes, a garantia de direitos e liberdades, o pluralismo
político e social, o direito de recurso contra abusos dos funcionários[2], a subordinação da
administração à lei constitucional, a fiscalização da constitucionalidade das
leis [...] a publicidade crítica, a discussão e dissensos parlamentares e
políticos, a autonomia da sociedade civil (Canotilho, 1999, p. 16).
Porém, no âmbito das Teorias
do Estado, pelo caminho das institucionalidades, o copo meio vazio indica que
são bem questionáveis "nosso" Estado-Juiz e o Estado Constitucional,
pois, o 8 de janeiro de 2023 e a Lava Jato são marcas d'água desse Estado sem
direito, em que as "elites" mudam rapidamente seu horizonte.
A revolução colorida de 2013/4
(estimuladora do Fascismo nacional), o Golpe de Estado de 2016, o resultado da
eleição de 2018, esse pacote recente, mostram apenas o arsenal de instrumentos
dessa autocracia burguesa (oclocracia) nos tempos do financismo (rentismo
estatal) e sob a vigilância do capitalismo de dados – das redes antissociais em
que prosperam o referido Fascismo, a misoginia, o ódio social.
As elites incultas brasileiras
falam em meritocracia – “o céu é o limite” –, no entanto, não olham para si
mesmas.
Meritocracia: é o governo
dos que têm mais méritos, ao contrário da realidade nacional, em que prosperam
os que são fortes, astutos, corruptos ou ricos. Portanto, a meritocracia que
deveria ser o oposto de oclocracia (governos dos ricos) ou plutocracia (governo
dos piores), no Brasil, conheceu até mesmo a corrupção do vocábulo.
Em outras palavras, a
autocracia burguesa precisa de mais penduricalhos para se explicar em 2025, e
prestar contas aos senhores da guerra civil - travada todos os dias, tão logo a
gente abra a janela e veja desfilar a luta de classes prenha de Pensamento
Escravista.
O Brasil, sua cultura e
sociedade, o Estado brasileiro, parece exigir que façamos um rizoma – e que
envolva o passado e o presente; pois, soubemos como ninguém combinar o modo de
produção escravo com o capitalismo (desafiando toda a lógica dos clássicos da
Teoria Social moderna) – o sistema de Plantation (escravista) era
suficiente porque o mercado de consumo era somente europeu: e aí se realizava a
distribuição capitalista da nossa produção em escala. Disso resultou o presente
e atuante Pensamento Escravista – uma combinação entre racismo e exploração
análoga ao trabalho escravo, em 2025.
Portanto, além de mentalidade
arcaica, atrasada – que leva ensino religioso (em atentado ao Estado Laico:
artigo 19 da CF/88[3]),
militarização da escola pública (por que as elites não querem isso aos seus
filhos?), educação financeira para crianças e jovens que vão à escola em troca
da merenda –, temos uma base de formação social e institucional que guarda
muito dos resquícios do nosso pior passado.
Modernidade à tardinha
Esse rizoma arcaico e
pós-moderno nos trouxe, em exemplo complementar, ações recentes do Ministério
da Educação com seus kits de robótica. Não é, evidentemente, uma aposta na
antimodernidade, entretanto, como explicar a robótica no sertão em que as
pessoas lutam para ter água potável?
Definitivamente, não teremos
futuro sem acertar muitas contas com o passado. Nossa Modernidade Tardia acena
com liberdade (mas é essa das proposições golpistas e nazifascistas), sem
nenhum reconhecido de igualdade e muito menos de fraternidade. Ou seja, a conta
da Revolução Francesa não fecha a conta neste país.
A Constituição Federal de 1988
nos presenteou com um Processo Civilizatório (artigo 215[4]), sem, no entanto, apontar
as garantias necessárias à fruição dos artigos 1º, 2º, 3º e 4º. Nosso preâmbulo
constitucional não desfraldou eficazmente o lema Liberdade, Igualdade e
Fraternidade. Nossa revolução burguesa foi (se foi) tecnicista, porque
alavancou o capitalismo nacional na década de 1930, e autocrática – porém,
tendo-se em conta o quanto nossas “elites” são atávicas, de poucas luzes
iluministas (jamais libertárias). Aliás, quando vemos restos de iluminação no
combate à fome e à miséria humana, as elites incultas apagam qualquer lamparina
que vejam pela frente.
Nossos esforços pela
construção de uma sociedade menos brutal e de um Estado efetivamente moderno,
remetem à redemocratização, à Constituinte de 1985, à Constituição de 1988, às
eleições de um Partido dos Trabalhadores – hoje parecido com o PRI (México) em
alguns aspectos – e, no outro canto escuro da história, lembra as estrofes de
uma música:
Instrumentalização do poder
- nunca
é sem querer
- vem
sempre para doer
Instrumento de dominação
- quase
sempre é organização
- mas,
não é bem o da emancipação
Instrumento policial
- uma
enorme pujança
da
insegurança
É Instrumento racial
- onde
está o racional?
Policial,
- aliado
do instrumento fabril
- nunca
é gentil
É um extremo febril
(https://www.youtube.com/watch?v=k5hSTpW0PLM)
Essa
estrofe é uma entrada para rediscutirmos o Estado Penal (Wacquant, 2003) no Brasil, com seus
ranços racistas e elitistas e que, obviamente, atua como observação
institucional “sobre” e “para quem” se ordenou o nosso Estado de Direito –
instrumento, este, sempre pronto a punir o povo pobre, negro e oprimido. A
autocracia se expressa contemporaneamente de forma mais sofisticada, combinando
neoliberalismo, neocolonialismo e um Estado Penal que tem no encarceramento em
massa e no endurecimento das políticas de segurança formas modernas de
contenção social.
De nossa parte, seguimos na
luta política, que é sempre uma Luta pelo Direito – em meio à luta de classes
–, procurando efetivar as garantias, as liberdades, os direitos e que estão
alinhados no escopo, no bojo, do Estado Democrático de Direito Social
(Martinez, 2024). Sempre na insistência de um país justo, livre e solidário – e
sob o primor da emancipação e da dignidade humana (Martinez, 2025)[5].
Mas é preciso ter no horizonte:
não se constrói um Estado democrático verdadeiramente inclusivo com a
manutenção das estruturas que produziram a exclusão. O pensamento escravista permanece
como racionalidade em nossa sociedade – racionalidade material que se
concretiza em decisões políticas, econômicas e culturais.
Últimas considerações
Por fim, o último ponto que se
desataca é o julgamento do século – sob as balizas do Estado Democrático de
Direito.
Começou o julgamento do
século, porque começamos a julgar o Fascismo pela Constituição de 1988 e com
base em artigos do Código Penal (tentativa de golpe de Estado e atentado
violento ao Estado Democrático de Direito), que, ele, o maior símbolo fascista,
homologou. É uma data histórica, pela ironia que só a justiça histórica
pode (algumas vezes) proporcionar.
Especialmente se observarmos
as "quatro linhas" da política internacional (extrema direita global)
e o nosso próprio estrato cultural.
Não será dessa vez – como em
1964 e no looping da exceção (do AI 1 ao AI 5) – que "um cabo e um
soldado" calarão o STF e a democracia ou rasgarão a Constituição. A
família de Herzog esteve na primeira fila e mesmo que o réu venha a fugir, a
justiça terá sido feita para os milhares de mortos por falta de vacina ou de
oxigênio, durante a pandemia. O fascista não estará sendo julgado pelo crime de
"genocídio iniciado", mas estará sendo julgado. Por isso, também
temos que pensar/avaliar o quanto as institucionalidades do Estado Democrático
de Direito foram (são) fortes, como demonstra esse julgamento em que o Fascismo
se torna réu.
Hoje é um dia para celebrarmos
a democracia, a Constituição, os direitos humanos fundamentais – por nós e por
todos que sucumbiram no Estado fascista.
Realmente, o sabor da ironia
da justiça histórica não tem paralelos.
Viva a democracia!
O Fascismo não passará!!
Referências
CANOTILHO,
J. J. G. Estado de Direito. Lisboa: Gradiva, 1999.
MARTINEZ,
Vinício Carrilho. Teorias do Estado: metamorfoses do Estado
Moderno. São Paulo: Scortecci, 2013.
MARTINEZ,
Vinício Carrilho. *Ensaio sobre o estado democrático de direito social*:
concepção jurídica burguesa ou socialismo na modernidade tardia? São Carlos:
Pedro & João Editores, 2024. Disponível em: https://pedroejoaoeditores.com.br/produto/ensaio-sobre-o-estado-democratico-de-direito-social-concepcao-juridica-burguesa-ou-socialismo-na-modernidade-tardia/
MARTINEZ, Vinício Carrilho. Educação e Sociedade. São Carlos: Amazon,
Ebook Kindle, 2025. Disponível em: https://a.co/d/393SyBS.
WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2003.
[1] https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2025/04/07/abordar-pedintes-e-tira-los-do-foco-anuncio-em-sp-cometeu-aporofobia.htm.
Acesso em 07/04/2025.
[2] Historicamente, esta é a garantia
institucional atribuída à conquista do direito
de petição.
[3] Art. 19. É vedado à União, aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou
igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou
seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da
lei, a colaboração de interesse público; II–recusar fé aos documentos públicos;
III–criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.
[4] “Art. 215. O Estado garantirá a todos o
pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional,
e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
§ 1o O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e
afro- -brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório
nacional”. https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf.
Acesso em 24/03/2025.
[5] Inserimos outra música, da qual
participamos: https://www.youtube.com/watch?v=vbEAiyWYDfg&list=PL0BSSWXJH_LGIPqbXazs5rPJEcBkvB0qb&index=21.
Acesso em 24/03/2025.
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