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Sérgio Ramos

A despedida de Anderson Silva


A despedida de Anderson Silva - Gente de Opinião

No dia 23 de outubro, Edson Arantes do Nascimento, o eterno Pelé, completou 80 anos. Muitas merecidas homenagens.

“Hoje, estou mais feliz do que nunca. Completei oito décadas nessa jornada chamada vida, e ainda tenho saúde para continuar ao lado de vocês. Eu sou feliz e grato por isso, como se recém tivesse feito um gol de placa! Vocês foram generosos comigo. Muito obrigado!”, escreveu o eterno Rei, na sua conta no Twitter.


O que não faltaram a Pelé foram despedidas.


Em 18 de julho de 1971, despediu-se da Seleção Brasileira em um jogo contra a Iugoslávia, finalizado empatado. Após conquistar o tricampeonato em 1970, fez seu último jogo pela Seleção Brasileira, em 1971. Assim, não jogou a Copa de 1974. Críticas e mais críticas.

1974, 2 de outubro, foi a vez de se despedir do Santos. Vitória por 2 x 0, contra a Ponte Preta.


No dia 1º de outubro de 1977, despediu-se do seu segundo clube: New York Cosmos. O resultado não faria nenhuma diferença, afinal, a partida foi contra o seu primeiro time: Santos Futebol Clube. Jogou o primeiro tempo pelo Cosmo e o segundo pelo Santos, time no qual iniciou sua carreira, quando tinha apenas 15 anos. Partida realizada em Nova Jersey, EUA. Teve a felicidade de fazer o seu 1.283º gol. O jogo terminou com vitória do Cosmos por 2 x 1. Gol de Pelé, de falta, aos 42 minutos.


Tudo perfeito. Gran finale. O que não faltam ao Rei são imagens de vitórias.


Seus números e histórias o consagraram como Atleta do Século XX – de todos os esportes -, título concedido no dia 15 de maio de 1981, pelo jornal francês L’Equipe.


Pelé se despediu do futebol sem deixar registrado nenhuma imagem de derrota, de melancolia, de algo que pudesse deixar triste quem a observasse, ao longo do tempo. Enfim, algo que pudesse manchar sua vitoriosa carreira. Assim, Pelé é sinônimo de sucesso.


Fez seu último jogo profissional no auge dos seus 37 anos. Em plena forma. Poderia ter se arrastado até parar na obscuridade, jogando por clubes pequenos e encerrado sua carreira melancolicamente. Decidiu pela imagem de vencedor, o que inspira pessoas por todo o mundo. Talvez por isso tenha parado cedo. Deixou a Seleção Brasileira aos 31 anos. O Santos aos 34, e o Cosmos aos 37.


Você deve não estar entendendo nada. O título do texto é “Despedida de Anderson Silva” e até agora só falei do Pelé.

Anderson Silva, um superatleta de MMA – Artes Marciais Mistas [sigla em inglês. Uma referência para este esporte, assim como Pelé foi para futebol.


Realizou a sua última luta no dia 31 de outubro, em Las Vegas, nos Estados Unidos, em arena vazia, por causa da pandemia da Covid-19, aos 45 anos.


Seu maior feito foi defender seu título por 11 vezes. Um recorde. Conquistou seu primeiro cinturão no dia 20 de outubro de 2007, aos 32 anos. O perdeu em 6 de julho de 2013, com 38 anos.


Bom, a não ser que abandonasse o título, preservando a sua carreira, a sua história – nos moldes de Pelé -, o que dependia de uma decisão – sempre muito difícil -, fatalmente chegaria o momento de perde-lo. E chegou. Da pior forma, pois praticamente entregou a luta ao brincar – menosprezar seu adversário, em nome do “show” – sua marca -, naquele feito, Chris Weidman, com apenas 29 anos. Foi nocauteado. Um vexame.


Depois disso nunca mais foi o mesmo. Lutou mais nove vezes. Sentiu o sabor da vitória somente em 11 de fevereiro de 2017, após amargar quatro derrotas e um empate.


Tive a oportunidade de assistir – ao vivo – a uma dessas derrotas. Foi no dia 11 de maio de 2019, no Rio de Janeiro. UFC 237. O carrasco da vez foi Jared Cannonier, 35 anos. Anderson, com 44. Melancólico. Foi uma cena que não gostaria de ter assistido. Para mim, macula a imagem de um atleta com a história do The Spider. Por mais que me esforce para lembrar sempre dos seus bons momentos, as cenas tristes de suas derrotas persistem em aparecer na minha mente. Essas são as minhas percepções.


Aconteceu outra vez na sua luta de despedida. Assisti depois. Não quis assistir ao vivo. Acho muito triste quando um campeão é nocauteado. E quando isso ocorre várias vezes a tristeza só se agrava.  


Passei os últimos dias assistindo suas lutas antigas – só as vitórias, espetaculares -, acompanhando os últimos momentos de um atleta que tanto me proporcionou alegrias. Porém, a minha expectativa era: ele não precisa passar por isso novamente. Seu oponente, Uriah Hall, 36, embalado por três vitórias consecutivas.


Após duros golpes no round anterior – o terceiro – que o levaram a knockdown e ser salvo pelo gongo, Anderson não resistiu ao quarto, sofrendo nova queda e o nocaute – técnico – em seguida. Esse tipo de nocaute é aquele que o lutador apanhar até não poder se defender mais e ser salvo da morte pelo juiz. Diferentemente do nocaute clássico: um golpe e, fim.  São essas as imagens do fim de uma carreira vitoriosa.


Foram 45 lutas. 34 vitórias. 11 derrotas. Dessas, seis foram após perder o título em 2007, sendo três pela pior forma de perder uma luta: por estado vegetativo, nocaute técnico.


São duas histórias de sucesso com finais complemente deferentes. Não serei eu a julga-los por suas decisões. Jamais saberei as reais motivações que fizerem Pelé parar  – cedo? – e o Anderson parar – tarde?


Há ditos populares que dizem que a “primeira impressão é que fica”. Isso deve servir para se iniciar alguma coisa. Certamente chegará o dia de parar. Nesse caso, a sabedoria – nem tanto – popular, seria “a última imagem é a que fica”.


Regras sociais. Há um outro que pode resumir os dois: “melhor do que começar é saber terminar”.


O que as iguala é a subjetividade. Primeira impressão para quem? Última impressão para quem? Melhor para quem?


Salvo melhor juízo, creio que as respostas estão no âmbito das pessoas que possam tomar decisões ao iniciar ou findar uma carreira. Principalmente no âmbito do dono da carreira.


Nos dois casos apresentados, os dois se mostram felizes. Anderson Silva escreveu em suas redes sociais: “Hoje [1/11] é um dia bem diferente por um simples motivo, ME DESPEDIR DE UMA VIDA INTEIRA DEDICADA AO MEU ESPORTE; ontem foi tão especial quanto, subi lá para fazer o que amo, eu não imaginava que iria ficar tão feliz como eu estou, mesmo perdendo, estou com um sentimento de paz, do fundo do meu coração quero agradecer todos vocês, meu time, minha família, meus amigos e todos que viram a luta; saibam que sempre foi uma grande honra lutar todos esses anos com a torcida de vocês!!!”.


Pelé feliz com sua carreira, apesar de muitos o criticarem por tê-la encerrado cedo demais, com vitórias.


Anderson Silva feliz com a sua carreira, apesar de muitos o criticarem por tê-la encerrado tardiamente, com derrotas, por nocaute técnico.


Esse é o ponto. A felicidade é uma questão personalíssima. É isso que importa, independentemente do que digam quem quer seja. Aqueles que disseram que o Pelé poderia ter ainda muito mais vitórias. Aqueles que dizem que o Anderson poderia ter evitado tantas derrotas. Para esse, o resultado não importa, lutar importa. Tanto que apesar da luta ter sido de despedida, ainda não tinha batido o martelo, o que aconteceu somente um dia depois. Por ele, certamente, continuaria lutando independentemente do resultado. Mas alguém deve o tê-lo convencido a preservar a sua integridade física e, consequentemente, a sua história. Afinal, outros lutadores se submeteram a verdadeiras humilhações, já que estavam totalmente fora de forma. Se tornaram presas fáceis. Ouso afirmar que não é um final feliz para ninguém. Mesmo que não se importe. Há momentos que devemos ser preservados, para o nosso próprio bem, das nossas próprias vontades.


Assim como Friedrich Nietzsche, que orientava que ninguém lesse seus livros para saber a verdade sobre as coisas, porque não tinha a menor ideia do que seja a verdade sobre as coisas, disse que o que escreveu era resultado de suas idiossincrasias, das suas doenças, das suas loucuras. A menos que alguém tenha algum interesse por elas, não deveriam ler seus livros, pois não fazia nenhuma questão. Não pretendia, segundo ele, fazer escola ou substituir um ídolo por outro etc. Seus escritos eram somente resultados de suas tristezas, de suas alegrias e loucuras, sem nenhuma verdade sobre nada (1). No entanto, alguém tem os seus ensinamentos como verdade, em detrimento da vontade do próprio autor. E certamente funciona para essas pessoas.


Pelé e Anderson Silva não se destacaram escrevendo livros, mas fazendo coisas que se tornaram interessantes para muitas pessoas e que se tornaram livros – construíram uma história de referência. Fato. Porém, não começaram, desenvolveram e findaram suas carreiras para ser exemplo para ninguém, como maneiras certa de faze-las, como verdades. Essa responsabilidade foi e é colocada por terceiros. Eles simplesmente foram o que puderam e quiseram ser. São resultados de suas próprias idiossincrasias, de suas doenças, de suas loucuras, alegrias, tristezas etc., para atender seus próprios interesses. E se isso pode ser exemplo para alguém, ótimo. A responsabilidade é de quem as adota como verdades.


Assim como muitos outros, foram felizes no que se propuseram fazer profissionalmente. São homens de sucessos porque alegraram – por vários motivos e cada um com o seu – muitas pessoas. Findaram suas carreiras relativamente ricos. O que comprava a sua capacidade de ter feito algo que foi de interesse de milhões de pessoas.


Por fim, eu, uma pessoa comum, tenho que cuidar para começar coisas e terminar coisas no melhor momento que eu conseguir identificar. Sou um ser que, antes de morrer definitivamente, passarei por várias pequenas mortes. Estou morto profissionalmente para a empresa para qual trabalhei por muitos anos. Comecei, assim como o Pelé e o Anderson, quando a oportunidade apareceu.


Da mesma forma, a findei também aproveitando a oportunidade que apareceu. Nunca saberemos se começamos e encerramos nossas carreiras no momento certo. Mas podemos afirmar que somos felizes por ter feito o que fizemos, sem a menor pretensão de produzir verdades.


Evidentemente, que a repercussão do meu trabalho em relação a esses dois atletas extraordinários, é proporcional ao tipo de atividade que exercemos. Todos com a sua devida importância para cada um de nós, individualmente.  


Você sabe começar algo na hora certa?


Sabe encerrar algo na hora certa?


Qual a sua opinião sobre o fim de carreira do Anderson Silva?


O que você aprendeu com ela?


(1) Aula 9 – Razão e Sentimento – Clóvis de Barros Filho [https://www.youtube.com/watch?v=3V_lWa4rsiY&t=2268s, visitado em 02/11/2020, às 08h00].

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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