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Sérgio Ramos

“Eu e a Astrazeneca"

Tutóia – um Paraíso no Maranhão, 28 de abril de 2021.


“Eu e a Astrazeneca" - Gente de Opinião

Bom, chegou o dia. A primeira consequência importante de ter me tornado um sexagenário – 27/01

Soube que chegaram vacinas para a minha idade ontem à noite. Confesso que não senti nada especial. É claro que eu queria ser vacinado. Talvez por ter optado por seguir as regras de prevenção desde março do ano passado, a vacina seria uma consequência natural. Até porque o fato de estar vacinado não muda absolutamente nada em relação ao uso de máscara, distanciamento ou isolamento social e o uso exacerbado de álcool em gel. Minha rotina. Além de ir a lugares fechados como supermercados, farmácias, padarias etc. somente quando necessário. Tudo igual. Ocorre que agora tenho um seguro que pode aliviar ou neutralizar os efeitos, caso seja contaminado. Não é pouca coisa.

É difícil valorizar algo que você ainda não sentiu. Como efeitos de um câncer adquirido pelo hábito de fumar, antes de acontecer. Não há efeitos imediatos, mas a longo prazo. E mesmo assim, pode não acontecer. Se tudo é tão incerto, por que então não continuar fumando? Parei de fumar quando entendi que a conta poderia chegar, há mais de 25 anos. Não precisei passar pela experiência para saber que ela existe.

Não penso assim. Os 400 mil óbitos, somente no Brasil; no mundo são mais de 3 milhões – incluindo parentes e muitos amigos e conhecidos, pessoas famosas que admirava -, além de inúmeros sequelados e terríveis efeitos colaterais - são mais que suficientes para não arriscar. Nem precisava disso. As notícias alarmantes de fora do país, ainda em março do ano passado, já eram bastantes para tomar a decisão de mudar a rotina, com convicção.

A GRATIDÃO, que reitero agora, vai para Deus, para os cientistas, para a imprensa, para os governadores, prefeitos, empresários de insumos médicos e hospitalares, profissionais de serviços essenciais, em especial, os profissionais da saúde, para a minha esposa Úrsula por, além de acreditar na gravidade da doença, ajudar a suportar a rotina de restrições, limitações impostas pela pandemia.

A gratidão às minhas filhas e filho e amigos pela marcação serrada. E a todos que direta ou indiretamente proporcionaram receber a minha dose de vacina. Objeto de desejo mundo a fora. Desejo que todos possam receber a sua, o mais breve possível.

Tenho respeito pelo SARS-COV-2 e suas variantes. E por respeitá-los, me submeti e continuarei me submetendo às orientações pró vida, indicados por autoridades responsáveis preocupadas com a vida da população. Aquelas que acreditam na doença e nos protocolos científicos utilizados por quase todo o mundo, para combatê-la. 

Lamento profundamente por aqueles que não tiveram a oportunidade de receber tal insumo. Meus sentimentos a todas as pessoas que perderam alguém estimado. Pesquisa recente, apontou que pelo menos 86% da população brasileira conhece alguém que morreu por Covid-19 no Brasil. Uma verdadeira tragédia. Faço parte da estatística.

Acordei cedo, mais do que o habitual – entre 4h e 5 5h -, 3h45min. Acredito que tenha sonhado com algo relacionado ao assunto. Principalmente porque a vacina que me escolheu foi a Astrazeneca – a minha preferida era a Coronavac. Há notícias sobre formação de coágulos em vacinados na Europa. Alguns países chegaram a proibi-la. Depois voltaram a autorizar a vacinação. No Brasil, não há nenhum caso que desabone a Astrazeneca. Logo que soube que seria vacinado com uma dessas doses, fui mais uma vez para a internet buscar informações para me tranquilizar. Encontrei o suficiente. A OMS autorizou a vacinação de acordo com os riscos e benefícios. Já está mais que comprovado que a Astrazeneca traz muito mais benefícios que riscos. Inclusive o Ministério da Saúde autorizou grávidas e puérperas a se vacinarem com a Astrazeneca, Coronavac e com Pfizer.  Até aquelas com comorbidade.

Não há medicamentos sem risco, muito menos vacinas. Sempre estaremos expostos a alguma consequência, mínima que seja. Enfim, não temos escolhas quando há risco contra a nossa saúde, e no caso, riscos contra a nossa vida. Risco real. Estamos há meses computando mais de 3 mil mortes por dia, com picos de quatro mil.

Enquanto não chegava a minha vez, vibrava com cada ente querido que tinha sido vacinado. Vibrava também pela imunização de desconhecidos tanto no Brasil quanto no mundo. Pois quanto mais pessoas vacinadas melhor para todos.

Fui até ao Posto de Saúde. Chegando lá, percebi que não tinha tanta gente como imaginava. Sempre tive a impressão de que a chegada da vacina atraísse mais gente do que a chegada do Papai Noel. Não foi assim que aconteceu. Pelo menos hoje.

Posicionado a porta do Posto de Saúde da Rua Senador Lemos, estava o Elias, para fazer a triagem, evitando aglomeração dentro do posto. Me identifiquei, disse a minha idade – 60 anos com orgulho -, e entreguei meus documentos: identidade, CPF e carteira do SUS, não sem antes receber borrifadas de álcool em gel. Disse-me que somente eu poderia entrar. A Úrsula, para fazer as fotos, só entraria no grande e esperado momento.

Entrei. Vi meus pares. Todos com máscaras. Até porque o Elias não deixa ninguém entrar sem a dita cuja. Ainda não tinha me encontrado com tantos sexagenários de uma só vez. Fiquei satisfeito, por ainda estarmos na flor da idade, querendo viver muito mais. Todos querendo a Astrazeneca.

Cadeiras dispostas em filas, distantes uma das outras. Local aberto, bem arejado. Creio que atendia às exigências de distanciamento social. Fui informado para aguardar ser chamado.

Fiquei esperando. Enquanto isso, passavam filminhos na minha cabeça. Estava prestes a ter o que muitos estão – desesperadamente – aguardando, para ter um pouco de paz e tranquilidade. Ao mesmo tempo, as lembranças do medo – sem causa – de agulhas.  Há muito tempo, em uma farmácia de Icoaraci, minha saudosa irmã Francisca me levou para tomar uma injeção para aliviar e curar uma recorrente inflamação de garganta. Corria dos vacinadores quando eles apareciam na Rua do Sol, na minha infância em Tutóia. Ainda tenho marcas daquela época. Alguém tinha que me segurar para ser imunizado. Não tinha a menor ideia do que era isso. Essas lembranças rondam a minha mente quando é extremamente necessário tomar injeção. Me cuido para não passar por isso. Prefiro pílulas, as engulo até sem água.

Na farmácia, com a mente tomada por enormes agulhas, fui para o sacrifício. Sentei em uma cadeira. Minha irmã atrás de mim, me dando força moral. O farmacêutico fez o ritual. Encheu a seringa com o antibiótico, levantou-a até a altura dos olhos, apertou-a até sair aquela gota tradicional. Depois, como dedo médio liberado pelo polegar opositor, bateu na seringa de vidro com cuidado até a gotinha cair. Depois apontou-a para mim e a enfiou no meu braço. E não vi mais nada. Depois soube que desmaiei. Coisa de adolescente traumatizado pelas agulhadas de infância.

Pensava nessas coisas enquanto aguardava a minha vez. Além da vacinação contra a Covid-19, crianças estavam sendo também vacinadas – não sei contra o que. Só sei que a enfermeira, com todo cuidado, enfiava aquelas agulhas nas coxinhas das crianças as quais choravam desesperadamente. E eu pensava:  já passei por isso. Depois elas agradecerão a seus pais, assim como sou grato pelos cuidados que os meus me proporcionaram.

Li algumas notícias no Blog do Reinaldo Azevedo – lei matinal obrigatória. Mas não conseguia deixar de ouvir o choro das criancinhas. E logo a minha atenção se voltava para a agulhada que tomaria a qualquer momento. 

De repente, ouvi o meu nome sendo chamado. Chegou a hora. Levantei-me, imediatamente. Confiante. Sem medo. Pedi para o Elias chamar a Úrsula para registrar esse momento tão importante para nós. Ela veio e entramos juntos no ambulatório.

Perguntei para a Eliza o que aconteceria se a ponta da agulha atingisse o osso. Ela disse, sorrindo, que puxaria um pouco a seringa e continuaria o seu trabalho. Rimos. Baixou um pouco a tensão. Por cautela, já que a imagem da agulhada de Icoaraci continuava me importunando, pedi para sentar. Ela disse-me que seria como eu me sentisse melhor.

Olhei para o lado oposto ao braço que receberia o líquido da vida. Senti o friozinho do álcool limpando o local e logo em seguida, a tão esperada e temida agulhada. O lado bom de pensar o pior é que tudo não passa de ilusão. A seringa é fina, a agulha quase não se enxerga e não há dor. E a pergunta com ares de surpresa: Já? Ela respondeu: Sim. Pura tempestade em uma pequena seringa. Não há o que temer. O benefício vale à pena. É vida sendo injetada como seguro.

Pedi para a Eliza posar para a nossa foto oficial.

Peguei meus documentos e o recibo da vacina com a data de 28/07/2021. Retorno para a segunda dose. Tomara que seja a Eliza novamente. Estabelecemos um relacionamento imediato de confiança. Nem precisei inspecionar se era mesmo a vacina contra a Covid-19, da Astrazeneca que está sendo aplicada em mim. E ainda me disse que se sentisse alguma febre ou dor de cabeça ou os dois juntos, seriam apenas efeitos colaterais normais.

Agora o melhor de tudo: não precisei esconder de nenhum nagacionista que estou imunizado.

Assim, minha GRATIDÃO para o serviço público de saúde de Tutóia pelo belo trabalho de combate a pandemia. Em especial, aos profissionais de saúde Eliza e Elias que, em nome deles, presto minhas mais sinceras homenagens a todos os profissionais de saúde e de serviços essenciais de Tutóia. Pois sem o ótimo atendimento na ponta, todo o esforço de pesquisa, produção e logística para trazer a minha vacina até a mim, e recebê-la com dignidade, não teria sido uma experiência tão gratificante.  

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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