Terça-feira, 8 de junho de 2021 - 14h05
Procurando no final de semana
por uma foto do meu padrinho que faleceu há um ano, esbarrei na imagem de uma
das primeiras clientes da minha mãe, dona Maria Mendonça. Em 1985, ela foi
apresentada pela filha Júlia, uma comerciante que meu pai havia conhecido
alguns anos antes quando morou sozinho em Porto Velho. Tinha vindo de Goiânia
trabalhar na construção de um banco pela então construtora Norberto Odebrecht.
Meu pai era pedreiro e mestre
de obras. A Júlia, a primeira filha do comerciante mais antigo da capital de
Rondônia, seu Miguel Arcanjo que era proprietária de uma loja na Avenida sete
de Setembro.
Quando meus pais resolveram
morar aqui minha mãe trabalhava em uma confecção em Goiânia, então foi muito
natural ela abrir um ateliê de costura. Por sorte ou destino conseguimos morar
no mesmo terreno em que minha mãe, Maria Natália trabalhava e por isso convivi
com todas suas clientes. A Júlia foi sua primeira e mais fiel cliente que eu
recordo e se tornaria uma amiga da família. Naturalmente suas irmãs por parte
de pai, a mãe e o marido, Fernando Fonseca passaram a frequentar o ateliê.
Lembro-me de todas essas pessoas, mas a que me marcaria para sempre seria a irmã mais nova, a Euma. Ela, uma adolescente que estava concluindo o ensino médio não ia com muita frequência ao salão. Quando acontecia era por conta de algum evento social que participaria. Euma é filha do ex-reitor da Universidade Federal de Rondônia – Unir, o professor Euro Tourinho Filho e neta do jornalista Euro Tourinho. Mas, é claro que eu nem imaginava, a relevância e contribuições para a história de Rondônia da família Tourinho.
Só volto para Rondônia, juíza!
Eu era uma criança de 10 anos, bem moleca. A Euma já era uma mulher linda, com sorriso perfeito, olhos pequenos da descendência chinesa, cabelo comprido escuro! Só trocávamos cumprimentos, nada mais!
Nas horas vagas da escola e após as tarefas eu ajudava minha mãe e suas auxilares fazendo as costuras de mão – pregar botão, fazer barra de calça e saia. E, muitas vezes, confesso, ficava enrolando “ouvindo” a conversa dos adultos. Era filha única sem nenhum parente na cidade. Quem nasceu na década de 70 sabe que estava abusando da educação dada. Criança escutando conversa de adulto era algo proibido e evitado. Bons tempos, diga-se de passagem!
Então, um dia dona Maria Mendonça estava no ateliê e conversava com a amiga: “Natália você acredita que a Euma disse ao pai que vai estudar em São Paulo e só volta quando for juíza!” – falou meio sorrindo, meio indignada com a postura da filha.
Na minha cabeça tentei imaginar como seria uma mulher juíza, com toda a roupa e postura séria! Na década de 80, já havia mulheres na magistratura, no entanto, elas não eram retratadas em novelas (como ocorreu em 2018 na “Do outro lado do paraíso”, com a personagem da juíza Raquel, interpretada pela atriz Erika Januza). Sê davam entrevistas, eu não via, ou me recordo e sempre assisti aos noticiários televisivos...
A partir desse dia, eu comecei a me perguntar o que faria da vida futuramente! Ia costurar? Ia virar secretária de uma empresa igual das novelas que assistia; seria uma arqueóloga para viajar ao Egito e entrar nas pirâmides. Quem sabe uma médica como minha prima mineira que já estava na cursando o terceiro período de Medicina, uma advogada talvez como outra cliente de minha mãe, e por último uma jornalista! Aos seis anos era essa a minha escolha porque meu pai, em Goiânia, trabalhava em um jornal chamado “A Opção”.
Parece que décadas se passaram, mas não! Foram alguns anos apenas e eu já adulta, mãe, assessora de comunicação na Eletronorte, ouvi novamente as duas Marias atualizando informações da vida das filhas, na loja de frutos do mar da Júlia.
“Você lembra Natália quando a Euma disse que só voltava quando fosse juíza?! Ela voltou a morar em Rondônia, aprovada em um concurso e está trabalhando em Ji-Paraná”.
Minha mãe era considerada tímida ou fechada para alguns, e na verdade ela era uma pessoa muito risonha que escolhia suas amizades, uma típica mineira. Dona Maria Mendonça era uma delas e era incrível vê-las conversando. Dona Maria contando piadas e minha mãe sorrindo até os olhos ficar lacrimejando!
Dona Natália só respondeu: “E você tinha dúvidas que ela conseguiria, com a “cara” de determinada que tem, lembrou.
Dona Maria me parabenizou por minhas conquistas profissionais e pessoais! Falou que eu sempre era elogiada pelo genro e muitas pessoas que ela conhecia, como jornalista e ser humano. Ganhei uma vida nesse momento!
Primeira mulher presidente da Ameron-RO
Na minha adolescência, a Euma já adulta, cursando Direito em São Paulo, incentivada por meu pai escrevi uma carta para ela. Comentei meus sonhos de atuar no jornalismo e o quanto achava incrível ela morar e estudar fora. Tive resposta em uma carta com muitas palavras de incentivo e toque de realidade. Morar e estudar fora não era tão fácil como parecia. Não continuamos a nos corresponder, por todos os motivos ou nenhum da vida adulta!
Quando estava realizando a cobertura de um evento no tribunal de justiça de Rondônia, no ano de 2001, pela TV Norte – retransmissora da Record encontrei com a juíza Euma Mendonça Tourinho. Sempre fico com aquela sensação de “será que ela lembra quem sou eu”. É a menina deslumbrada ainda pela adolescente.
Ela estava na parte de dentro da copa tomando um café e alguém que não a conhecia, certamente, pediu que colocasse uma bebida no copo. Com toda humildade, a magistrada Euma serviu o cafezinho para o visitante com um sorriso e saiu. Alguém chegou para esse desatento, pois ela utilizava crachá que a identificava e alertou: - você acabou de fazer uma juíza daqui te servir café!
Esse homem mudou de cor, mas já era tarde. No ambiente só ficou o perfume e a educação da magistrada e a incredulidade de alguns.
Em 2006, novo encontro no evento comemorativo dos 25 anos da Eletronorte, no Estado e na abertura da Exposição Brasil 500 Pássaros. Dona Maria Mendonça estava presente, acompanhando a filha Júlia e o genro Fernando Fonseca. Euma estava também com o esposo Márcio Mamede.
Quando retornei para Rondônia, após cinco anos trabalhando no Pará, em 2018 nos encontramos em uma loja de cosméticos, na Avenida Carlos Gomes. Eu entrei correndo, estava atrasada para um compromisso e não a vi. Ela educadamente chegou perto de mim, perguntando se a maquiagem estava bonita. Congelei alguns segundos e consegui responder: “como sempre está linda!” Trocamos beijos nos rostos e ela saiu para seu compromisso.
No final do ano passado li sobre sua posse a frente da Associação dos Magistrados de Rondônia – Ameron, onde é a primeira mulher a presidi-la. No seu primeiro discurso destacou o trabalho das antecessoras: “Em Rondônia, já tivemos mulheres presidindo nosso tribunal e auxiliando nos órgãos de administração superior. Eu espero, sinceramente, que exemplos como esse se multipliquem, tamanho o talento, preparo, competência e dedicação que vejo no trabalho de todas as nossas colegas magistradas”, afirmou a juíza.
Fiquei feliz pela conquista e mais ainda por ter a confirmação do quão longe podemos chegar quando acreditamos em nós mesmo e trabalhamos com fé e determinação. Não importa nossa classe social, cor, credo...
Acredito que hoje, nossas genitoras: as Marias Natália e Mendonça - não presentes nesse Plano, estão sorrindo, trocando confidências, orgulhosas, nos abençoando!
Em tempos pandêmicos relembrar o passado e vislumbrar que dias melhores sempre chegarão, é maravilhoso, concordam!
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