Segunda-feira, 14 de outubro de 2019 - 09h56
Considerado o carro-chefe dos investimentos federais em
infraestrutura, o setor energético também causou grandes conflitos políticos
durante o governo Lula. A “garota propaganda” do Brasil, na mídia
internacional, Marina Silva saiu do Ministério do Meio Ambiente, em maio de
2008, o que provocou a desfiliação do Partido dos Trabalhadores e ingresso no
PV. O motivo teria sido uma queda de braço com a então ministra da Casa Civil,
Dilma Rousseff, insatisfeita com a demora do IBAMA em conceder as licenças
ambientais para a construção das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio.
Havia conflito político nacional, tentativas de
interferências internacionais – o mundo tinha os olhos voltados para a Amazônia
novamente. Internamente, os moradores de Porto Velho, capital de Rondônia, área
de construção da usina Santo Antônio e do distrito de Jacy-Paraná, que abrigava
a usina de Jirau coexistiam com quase 40 mil trabalhadores dos dois
empreendimentos.
Recepcionar trabalhadores migrantes nunca havia sido
problema para os rondonienses. Os ciclos econômicos do Estado são a prova disso.
Primeiro o da Borracha, em 1877 que trouxe os nordestinos para região, a
construção da lendária Estrada de Ferro Madeira-Mamoré com centenas de
migrantes barbadianos que possui hoje seus descendentes; e a segunda fase, em
1942, durante a 2ª Guerra Mundial.
No final da década de 80, o Ciclo do Ouro trouxe pessoas de
todas as regiões do Brasil com o sonho de mudar de vida no garimpo. Considerada
por historiadores a terceira fase do desenvolvimento econômico e social da
região, a construção do Complexo Hidrelétrico do rio Madeira se tornou uma
espécie de bomba relógio e sua explosão era inevitável!
UHE
Belo Monte, não!
A ampliação da matriz energética brasileira era uma
necessidade emergencial, e nos primeiros dois anos de construção das usinas do
Rio Madeira, o governo federal sofria pressão intensa de movimentos sociais,
ambientalistas e de setores da Igreja Católica para não abrir o leilão da usina
de Belo Monte, no rio Xingu. Depois de construída ela seria a segunda maior
hidrelétrica do país. O Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB e outras
entidades alegavam que os benefícios não compensavam os danos ambientais e os
impactos que milhares de famílias sofreriam. (https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2010/08/13/vizinhos-de-principais-hidreletricas-do-pac-reclamam-de-indenizacoes-e-temem-futuro.htm?cmpid
Primeiro
emprego formal aos 45 anos
Uma das condicionantes do Complexo Hidrelétrico do rio Madeira
era a contratação de um determinado percentual de mão de obra local para
garantir emprego e renda na região.
Foi em Rondônia que o governo federal iniciou um projeto específico
de qualificação profissional para contemplar os moradores das áreas afetadas
pelas barragens, o Acreditar. Em 2010, o programa de responsabilidade da
construtora Odebrecht, junto com a Andrade Gutierrez formava o consórcio de
construção civil da UHE Santo Antônio, havia contemplado 62 mil trabalhadores
em todo o Brasil. Ele objetivava formar profissionais para atuar na construção
civil e promover a inclusão de pessoas no mercado do trabalho.
Em Rondônia, 85% dos trabalhadores da construção da hidrelétrica
Santo Antônio foram oriundos do Acreditar. Mais da metade deles estavam na faixa
dos 45 anos e nunca haviam trabalhado com carteira assinada. Essa foi uma
situação atípica do empreendimento.
Mais um
apagão
Em março de 2010, o governo anunciou que um curto circuito
nas linhas de transmissão da usina de Itaipu deixou 40% do país sem energia. O
novo blecaute serviu para justificar e reforçar o discurso da importância das
usinas do rio Madeira e a construção da UHE Belo Monte no Pará. No entanto, a cada passo dado um novo problema
ocorria.
Rebelião dos
trabalhadores de Jirau
17 de março de 2011 ficou marcado como um dos piores dias na vida dos porto-velhenses. Barrageiros da UHE Santo Antônio, funcionários públicos, estudantes, comerciantes da zona sul, central e leste foram surpreendidos com mais de 18 mil trabalhadores da usina de Jirau, nas ruas de Porto Velho. O ginásio do SESI-RO foi utilizado para abriga-los enquanto a construtora Camargo Corrêa, responsável civil pela obra, providenciava o retorno dos trabalhadores para suas cidades de origem.
Uma revolta iniciada pela briga de um motorista de
transporte coletivo, (terceirizada) com um funcionário da usina de Jirau se
transformaria num caos de proporções aterrorizantes, vistas apenas em rebeliões
nos presídios brasileiros.
Um refeitório foi quebrado, caixas eletrônicos à disposição
de todos os trabalhadores saqueados; alojamentos incendiados e a partir disso
muitas denuncias foram realizadas no Ministério do Trabalho. O sindicato da
categoria apontou carga horária excessiva para cumprimento dos prazos
estabelecidos, sem o pagamento de hora extra e outros benefícios.
O governo federal enviou a Força Nacional para reforçar o trabalho de segurança pública local. Os distúrbios contribuíram para o atraso das obras da usina de Jirau, que estava com 95% do vertedouro pronto.
A tragédia ocorrida na UHE Jirau despertou mais ainda a atenção do Ministério do Trabalho e Emprego, atuantes durante todo o empreendimento e os ministérios público Federal e Estadual de Rondônia impetraram uma nova ação civil pública contra o estado de Rondônia, o município de Porto Velho, a União, o IBAMA, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e a Energia Sustentável do Brasil (ESBR, responsável pelas obras) por descumprimento de condicionantes nas áreas de saúde, educação, transporte e segurança.
Especialistas
atestam influência das usinas
Especialistas convocados pelos Ministérios Públicos Estaduais e Federais afirmaram, dois meses após a enchente, que a construção das usinas hidrelétricas, Jirau e Santo Antônio tiveram influência na cheia histórica. Tanto na região brasileira quanto na área boliviana do rio, devido à grande quantidade de sedimentos no Madeira. Foi solicitado na Justiça que os empreendimentos prestassem assistência às famílias atingidas pela cheia em Rondônia e refizessem os estudos.
Vidas e o patrimônio
histórico debaixo d´água
É ainda com lágrimas nos olhos que o feirante conhecido como Chapelão,
Lourival Moreira Gomes, 69 anos conta seu sofrimento durante a enchente de
2014. Com mais de 30 anos dedicado à atividade comercial, criou os três filhos
já formados e com família constituída, ele foi obrigado a abandonar a banca no
meio da água barrenta do Madeira.
Igual ou pior que ele, mais de 400 pequenos comerciantes da Feira do Cai
n´Água tiveram suas vidas “afogadas” pela “enchente das usinas”, diziam os
moradores das casas antigas de madeiras e alvenarias do bairro Triângulo, um
dos mais antigos da capital.
Famílias inteiras foram divididas em casas de parentes e amigos deixando
para trás mobílias, materiais eletrônicos e elétricos, documentos e
principalmente recordações!
Foram dias difíceis para todos os portovelhenses. Acostumado a interagir
desde as cinco da manhã até às seis da noite com pessoas das mais diferentes
origens sociais, seu Chapelão sucumbiu! Foram meses de tratamento contra a
depressão, ansiedade, síndrome do pânico, de expectativas e de esperança.
“Sentia um vazio enorme dentro de mim. Minha família não entendia o que
eu estava passando no início. Pensavam que era solidão, apenas. Eu não via
sentindo na minha vida. Levantar todos os dias e não ter para onde ir era muito
dolorido. Eu trabalho desde os meus seis anos!”.
A cura veio quando liberaram o espaço para os feirantes e a rotina da
região central voltou quase à normalidade. Entretanto, para as dezenas de famílias
que perderam além de imóveis sua liberdade, o alívio demoraria muito mais e
dependeria de ações na justiça, amparadas por órgãos competentes.
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