Terça-feira, 22 de novembro de 2022 - 12h26
Em 24 de maio de 2021, uma brasileira de 51 anos é
encontrada morta em um apartamento no centro de Miranda de Ebro, uma cidade
espanhola da comunidade autônoma de Castilha e Léon, da província de Burgos. Mas,
a família da goianiense Andrea Sofia dos Santos só ficaria sabendo do seu
falecimento em março de 2022, durante uma troca de mensagem em uma rede social –
entre amigas dela. Andrea Sofia era minha prima em segundo grau, uma entre
dezenas de brasileiros que perdem a vida no exterior vítima de algum crime, ou
por motivos injustificáveis ou inexplicáveis. Infelizmente essa estória você
não verá transformada em um filme ou documentário de algum streaming, porque
ela não era parente ou conhecida de nenhum político, de nenhuma celebridade ou
de algum político de nosso País!
Andrea Sofia dos Santos morava há mais de 20 anos, em
Miranda de Ebro, uma cidade do norte da Espanha que fica duas horas e meia de
distância por via terrestre da capital Madrid. Durante os primeiros meses de 2021 grande
parte dos mais de 38 mil habitantes de Miranda de Ebro ainda cumpria medidas de
contenção do tipo lockdown para prevenção e controle da pandemia da Covid-19. Minha
prima Andrea estava desempregada e passava a maior parte do tempo no apartamento da Calle
de la Estación, centro comercial e bancário dessa localidade.
Em março de 2022, durante uma troca de mensagem com uma
amiga de uma determinada rede social residente na Espanha, uma vizinha e amiga
de longa data da família de minha prima Andrea que moram em Goiânia, perguntou
por ela. Fazia muito tempo que Andrea estava ausente das redes sociais, não
passava mensagens aos três filhos e nem atendia ligação de celular. Para total
surpresa da Fabi – vou nomeá-la sem citar sobrenome, por questões de
privacidade, a amiga dominicana da minha prima respondeu: Andrea Sofia morreu
no ano passado! Você não sabia?! E, foi dessa maneira inacreditável que a
família foi informada do falecimento.
Vocês provavelmente estão fazendo algumas perguntas
básicas: por que os familiares demoraram tanto tempo para perceber o sumiço
dela? Por que os amigos ou conhecidos dela na Espanha não avisaram a família no
Brasil?
A partir daí que essa estória começa a ficar estranha e sem
sentido algum. Os amigos da Andrea Sofia lá de Miranda de Ebro e das cidades
vizinhas também descobriram sua morte, de maneira casual, seis meses depois e
pelo tempo ninguém cogitou em avisar a família. Todos deduziram que no Brasil,
os familiares foram informados do falecimento.
O que teria provocado sua morte? A Covid-19, ou outra
doença que avançou rapidamente? Ela teria sido vítima de um crime?!
As primeiras informações que a amiga dominicana repassou foi a de que Andrea havia sido encontrada caída próximo ao armário da cozinha, provavelmente quando tentava pegar algo na prateleira e teria tido um ataque cardíaco fulminante.
A
inquilina de duas décadas
O apartamento não tinha sinais de arrombamento. Andrea
Sofia morava sozinha há muitos anos. Ela não foi vítima de nenhum crime, pois
não havia sinais em seu corpo de nenhuma agressão física. Quem a encontrou foi à
dona do prédio, depois de sentir falta da movimentação rotineira no apartamento.
Andrea e essa senhora desenvolveram uma certa amizade nessas duas décadas de
convivência. Foi ela quem comunicou a polícia. Apesar dessa proximidade essa mesma
senhoria – que estranhamente a amiga de Andrea não quis dizer nem o primeiro
nome se recusou a falar sobre essa morte trágica com a família ou amigos da falecida
alegando traumas psicológicos.
Por que amigos, ou conhecidos na Espanha não foram
comunicados. Não houve nenhuma notícia desse falecimento nos meios de
comunicação de Miranda de Ebro, apesar de ter havido outras mortes no período
de estrangeiros que foram amplamente divulgadas nos portais de notícias. Eu,
como jornalista que sou passei semanas pesquisando os veículos de comunicação e
enviando e-mails para delegacias, jornais locais buscando o registro dessa
fatalidade. Nunca tive resposta alguma...
O caso de minha prima Andrea Sofia é incompreensível não
apenas pela triste morte sozinha, mas a ausência de registros básicos e
comunicação às autoridades brasileiras. Posteriormente quando a filha da Andrea
fez o primeiro contato com o Consulado Brasileiro na Espanha buscando a
confirmação ou não do falecimento da mãe, recebemos um e-mail do Setor de
Assistência aos Brasileiros do Consulado-Geral do Brasil em Madri comunicando
que não houve nenhum registro oficial de óbito da cidadã Andrea Sofia dos
Santos.
Pensamos na possibilidade de um engano, na verdade
queríamos acreditar nisso afinal não era incomum que Andrea ficasse sem fazer
contato algum por alguns meses. Através de troca de mensagens com amigos das
redes sociais dela descobriríamos o mesmo padrão distante de comportamento.
Para nossa surpresa com o envio da certidão de óbito veio
também informações conflitantes da morte de Andrea. A imprecisão do dia e mês
do falecimento. O registro foi feito como 24 de maio de 2021, no entanto, as primeiras informações que
recebemos eram de que aparentemente ela teria vindo a óbito entre julho a
agosto de 2021. A dona do prédio não quis nem falar o mês certo da morte.
Conhecendo
Andrea Sofia
Até
julho de 2022 haviam sido registradas 107.799 mortes
relacionadas à pandemia da Covid-19, em toda Espanha. Nesse
contexto a prefeitura de Miranda de Ebro elabora o Acordo número 2./2021, em sete
de janeiro declarando o território da comunidade de Castilha e León em alerta
de nível quatro da pandemia. Essa também foi à última informação que eu recebi
da minha prima Andrea Sofia, em fevereiro de 2021, durante uma chamada via rede
social, apenas voz - eu não tinha seu número de celular, ela comentou que não
usava o Whatsapp. Depois descobri que na verdade ela não quis fornecer, pois
utilizava esse meio de comunicação para falar apenas com os filhos e uma tia em
Goiânia. Coisas de Andrea Sofia...
No
final de 2020 ela me confidenciou o diagnóstico de esquizofrenia, que
inicialmente não quis acreditar! “Eu maluca, no! – misturava o português com o
espanhol em nossas conversas. Não queria contar nada para os filhos e a mãe,
mesmo assim iniciou o tratamento médico... Ao menos foi o que afirmou na época.
Não temos como comprovar isso também, pois não recebemos ou tivemos acesso ao
registro policial do local onde ela faleceu, ou inventário de seus pertences,
medicamentos que estava usando... Absolutamente nada!
Eu
sou a única parente de Andrea que conheceu o apartamento onde ela residiu nos
últimos 20 anos, na Espanha. Passei duas noites de agosto de 2006 com ela, um
final de semana de folga do curso de verão da Universidad La Complutense de
Madrid.
Eu e
Andrea somos primas em segundo grau, convivíamos muito na infância porque minha
mãe era muito amiga de sua mãe Zita e
principalmente de sua tia Sofia, que passou alguns meses morando
conosco. Na adolescência tivemos pouca interação, pois eu já residia em
Rondônia e ela continuava em Goiás.
Durante
a visita, Andrea Sofia me convidou para tomar “unas copas”, umas bebidas, em um
barzinho local próximo ao prédio que morava. Eu comentei que não tinha saído nenhuma
vez para conhecer a vida noturna de Madrid, apesar de estarmos em pleno verão
europeu! Os atentados no metrô de Madri haviam ocorrido um ano antes e em minha
primeira viagem ao exterior, com um filho de um ano e meio que deixei com
esposo e meus pais eu não queria correr riscos desnecessários!
Aí a
Andrea disse: “isso não pode ficar assim. Vamos dar umas voltas nos barzinhos
daqui, é muito seguro, todos conhecem meu noivo, não teremos problema algum!”.
Eu não tinha levado roupa para sair à noite e ela me emprestou uma blusa e uma
sandália de salto alto! Saímos e me diverti muito! Era o ano da Copa do Mundo
de 2006, na Alemanha, e ela havia pedido que eu levasse uma camisa da seleção
brasileira. Consegui uma blusa muito estilosa com a bandeira do Brasil que ela
gostou bastante! Não por acaso escolhi uma foto em que Andrea está vestindo
essa blusa para esse artigo que transformei também em um episódio do meu
Podcast ViviCast: Sistematizando a Vida. Vejam um resumo em vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=TnPheaDss5A
Ouça
o Vivicast: https://www.iheart.com/podcast/53-vivicast-sistematizando-a-v-103037419/episode/a-morte-inexplicavel-de-andrea-sofia-
Registros oficiais de
Andrea Sofia
Inicialmente
nos informaram que a morte dela teria sido por ataque cardíaco fulminante, no
entanto, no laudo da autópsia enviado pelo Setor de Assistência os
Brasileiros do Consulado-Geral do Brasil em Madrid foi registrado apenas causa
natural. Juntamente com esse documento veio um ofício do Juizado de 1ª
Instância e Instrucción de Miranda de Ebro comunicando ao Consulado Brasileiro
os procedimentos necessários para família ter acesso aos documentos do
sepultamento realizado pela prefeitura de Miranda de Ebro, no cemitério
municipal.
Apesar de possuir residência fixa, portar documentos
pessoais, passaporte – mesmo vencido, carteira de motorista Andrea Sofia foi registrada
como indigente. Em casos de óbito em outros países, somente os familiares ou
uma pessoa oficialmente nomeada por eles deve comunicar o consulado do país de
origem. Em casos de morte como Andrea, as autoridades deveriam ter encaminhado
o passaporte ao consulado para devidas providências.
Perguntamos por e-mail aos agentes do Consulado, o destino
dos documentos pessoais e o aparelho celular da Andrea e eles informaram
desconhecer o paradeiro deles.
E, assim se resumiu
20 anos de permanência de minha prima, uma mãe, uma sobrinha e uma irmã que
morreu aparentemente sozinha durante a pandemia. Ela acabou sendo sepultada
como indigente e os móveis, eletrodomésticos, roupas, sapatos, aparelho
celular, passaporte, fotos, e até um veículo tiveram paradeiro desconhecido.
Por favor, curtam, deem suas opiniões e principalmente
compartilhem muito esse artigo e esse episódio do Vivicast: Sistematizando a
Vida para que outras famílias não sejam surpreendidas com a morte de um ente
querido no exterior de maneira tão insensível e dolorosa! E, principalmente
lembrem-se: a vida é uma vela que se apaga muito rapidamente!
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