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Viviane Paes

Anjos e heróis contra a Covid-19


Anjos e heróis contra a Covid-19  - Gente de Opinião

Conversando por um aplicativo de mensagens com uma amiga percebi que muitos compartilham a impressão de que “ontem” a pandemia da Covid-19 chegou ao Brasil. O ano passado não “existiu” em nossas vidas – quem dera para as mais de 236.201 mil vidas brasileiras interrompidas para essa doença e suas sofridas famílias.

As atividades rotineiras reorganizadas, as idas ao supermercado antecedidas por uma conferida no aplicativo “Melhor Hora” para evitar os horários de maior aglomeração de pessoas nos estabelecimentos comerciais do Estado – utilizo até hoje e não trabalho no governo! O trabalho em casa, antes tão sonhado por conciliar o sustento com a companhia da família começou a sufocar...

Lembrei alguns parentes, amigos e conhecidos da área da saúde que lidam com as mesmas preocupações, e não possuem a opção de permanecer protegidos em seus lares. Conversei com alguns por curiosidade e não consegui esquecer suas histórias. Eles merecem meu humilde reconhecimento, mas não querem ser identificados. Não precisam disso. São anjos e heróis de verdade!

A fonoaudióloga abençoada pelos pacientes

20 horas, quarta-feira, 25 de março de 2020. Vibra o celular da fonoaudióloga rondoniense V.W (nome em sigilo a pedido da mesma), de 35 anos. Ela sai devagar do quarto colorido, com brinquedos e livros dos filhos e suspira preocupada. Era o toque personalizado do trabalho. A funcionária pública sabe que não é uma ligação ou mensagem comum pelo horário, porque atua na área da reabilitação da fala e da linguagem lidando com pacientes em tratamento clínico, não hospitalar de emergência.

V.W ouve atentamente o coordenador avisar que no dia seguinte, quinta-feira, irá trabalhar em um dos hospitais de campanha de referência para atendimento da Covid-19. Sua reação mesmo silenciosa desperta a atenção do marido que assistia à televisão e pergunta o que houve. Ainda sem entender o que aconteceu ela diz: “fui convocada a integrar uma equipe médica de enfrentamento da Covid”!

Era uma surpresa inesperada, apesar da pandemia já se alastrar pela maioria dos estados do norte brasileiro. Cinco dias antes, o governador do estado de Rondônia, coronel Marcos Rocha (sem partido) decretou estado de calamidade pública para fins de prevenção e enfrentamento ao Covid-19.

O decreto nº 24.887, de 20 de março de 2020 estabeleceu a adoção de medidas de prevenção à doença por 15 dias, proibindo a abertura de estabelecimentos comerciais como shoppings, lojas, restaurantes, bares, escolas públicas e privadas e outros estabelecimentos considerados não essenciais e também as aglomerações.

Esse foi para V.W, o momento mais impactante da pandemia em sua vida profissional e pessoal.  “Eu fazia atendimentos clínicos e não hospitalar. Fui chamada para agregar mão de obra na pandemia, então tinha consciência de não estar qualificada para aquela situação emergencial. Tinha muito temor de não conseguir atender os pacientes entubados e no período da extubação, quando necessitam reaprender a se alimentar, falar. Eu aprendi na faculdade, mas não era minha especialidade”, explicou.

“Essa pandemia é igual a uma guerra”

Na pandemia uma frase se tornaria um lema para todos os profissionais da saúde do Brasil e do mundo: a pandemia é uma guerra e em uma guerra a gente não escolhe, lutamos com o que temos! “Aprendi a trabalhar com as ferramentas e aprendizado disponível da melhor forma possível, sempre oferecendo o meu melhor durante o atendimento”, afirma a fonoaudióloga.   

Onze meses depois V.W ainda cumpre jornada em um hospital de campanha de enfrentamento da Covid-19 e mantém a mesma rotina diária preventiva, adotada em 26 de março de 2020. Para o carro no estacionamento de funcionários. Passa o álcool em gel, guardado no porta-luvas, nas mãos; prende o cabelo em um coque e coloca uma toca descartável. Agora é a vez da máscara, das luvas e finaliza com um escudo facial de acrílico.

Apesar de nada confortável esses trajes garantem sua segurança, a dos colegas e a dos pacientes quando atende sobreviventes da Covid saídos da intubação. A fonoaudiologia hospitalar nunca foi almejada quando estudava, mas hoje cuida com segurança dos pacientes com dificuldades na alimentação, comum na pós-extubação, após o uso de sonda reaprendem a se alimentar via oral.

De todos os pacientes que atendeu até o momento, V.W recorda carinhosamente dos idosos. Sua voz fica embargada e suspira: “todos demonstram muita gratidão pelo atendimento, no entanto, os mais velhos possuem aquele costume antigo de nos abençoar. São momentos assim que me fortaleceram quando estava cansada, tinha medo de retornar para casa e contaminar minha família. O Deus te abençoe que eu facilmente confundo com a imagem de meus avós alivia minha alma e eu consigo ter mais forças para terminar o plantão”, confidenciou.

É desnecessário conhecer seu nome, identificar seu rosto. Vocês precisam saber que anjos – independente da religião, e heróis ainda existem! Eles lutam diariamente em ambientes inóspitos e centenas não retornaram para suas famílias...

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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