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Jéssica Frocel

A FICÇÃO NO DIREITO - de uma analogia prevista a uma paródia imprevisível


A FICÇÃO NO DIREITO

de uma analogia prevista a uma paródia imprevisível

 

A Constituição é um pilar, de uma grande obra, mas precisamos saber de que tipo de construção se trata, se está bem alicerçada ou se os “puxadinhos” ameaçam sua integridade horizontal e vertical. Vamos escolher dois caminhos para ver aonde chegamos ou o que (pode) acontece(r).

Um pilar do sistema, a ordem escrita e prescrita ao cidadão, a Constituição denota o ser e o dever ser de cada um, sua forma e comportamento adequados dentro de um coletivo; sem meias palavras, um grande e poderoso TOTEM que infere mais de 300 TABUS em escrita formal-empolada.

Sim, a Constituição é nosso majestoso TOTEM, que se ergue sobre sua tribo-Brasil, impassível em direitos e deveres aplicados ferreamente por seu cacique, mas que de tempos em tempos é alienado pelos espíritos verdes que sussurram no ouvido dos pajés. Esses espíritos verdes, ou melhor, essas garoupas, tendem a se mover como as águas da vontade pública; por conseguinte, volta e meia afogam o ribeirinho que delas depende para viver.

De acordo com essa verdade, o direito é ficção e tem muito em conta a crença. Da ficção à realidade, é possível passar - sem passe de mágica -, porque há motivação e não só obrigação no direito: constructo racional e coerção (para os descrentes). O controle social exercido pelo direito, assim como pela democracia e outros institutos públicos, deriva da crença na confiabilidade de que é melhor o pacto do que a espada.

Também é superior a crença na justiça do juiz natural (Estado de Direito), do que na justiça divina ou no justiciamento das ruas. E é um tabu porque soa até indigno (irracional) supor que motivos políticos tenham alcance no âmbito estrito da lei. Como é que a humanidade iria investir seus melhores talentos em uma arapuca? Não pode ser. Por isso, os totens da justiça, por sua vez, são inúmeros: a exemplo da satisfação no ganhar a causa. E mesmo para quem perde, se tiver elevado "senso de justiça" (ou bom senso - outro componente do tabu jurídico), poderá creditar legitimidade à decisão.

Um dos princípios gerais do direito seria exatamente o bom senso que decorre da racionalidade. Assim, se ao final o indivíduo considerar correta a decisão, vale dizer que irá considera-la justa. Este é o terceiro elemento do tabu, que decorre da etimologia: o direito é reto, direto - como uma linha reta -, isto é, a menor distância para a justiça. Portanto, mesmo a mutação na ordem das coisas, da lei, da argumentação, poderá servir para aprofundar a percepção de que os totens e os tabus do direito não são parvos e nem estão apartados entre si, e nem andam na contramão societal.

Pois bem, quando as mudanças são reversas - via de regra, destrutivas do mudancismo social - e somente apropriadas ao poder de dominação, a suspeição aumenta com a insatisfação. Isto se vê na Transmutação Constitucional - destruição da CF88 - e no lugar dos tabus surgem tatus. Onde se enterra fundo a própria perspectiva evolucionista, emancipadora, libertária e justa do direito.

Comicamente, Montesquieu não previra esse real Espírito das Leis, mas Maquiavel sim, pois independente da figura (se terras de um rei ou papel moeda), sempre com 30 moedas, dinheiro é poder. Com essas constantes mudanças de figura, visões e interesses, surgem as tão famosas mutações constitucionais, que são, em essência, a releitura de seus TABUS pelo ângulo de visão de um tatu. Eis então que surge de tanta mutação uma nova figura, a transmutação, e o TABU vira TATU.

Neste passo, muitos estudiosos do direito, e que fazem questão de serem chamados de operadores do direito, retornam ao tempo dos jurisconsultos e esquecem o significado tão copiosamente concebido de que a Constituição é do povo (ou será de papel barrela) e não comida de garoupa ou de jabuti. Porém, na prática, transmutando-se o primeiro Espírito da Lei, dão o trabalho por escravidão e nem mais prestam direito ou favor à miséria.

O problema de quem perpetra golpes desse gênero é se esquecer das, igualmente, profundas alterações provocadas nas espécies do direito e da Política. Desse modo, com o devido acerto histórico, descobrem que colocaram um jabuti numa árvore de jabuticabas. E que daí só poderão colher um direito híbrido ou transgênero, que rende muito no começo mas que depois seca nas impropriedades, pois não tem sementes para germinar.

Por exemplo, quando juízes de ação direta no impeachment de 2016 dizem de seu temor (o medo da "sociedade fascistoide"), é porque talvez já vejam no campo alguns caçadores de tatus ou apanhadores de jabutis. Na Transmutação Constitucional regressiva e repressiva, como do gênero que vemos no país, por óbvio, é provável que o jabuti coma as jabuticabas avidamente.

A questão não é saber se o jabuti vai comer as jabuticabas, porque ele já as está devorando. Então, independentemente do quanto o bicho coma os frutos da árvore envenenada (a partir de sua presença exógena), é preciso saber o que nós faremos. Isto é o que precisa ser feito: resguardar o direito e a luta política.

Nesse caso, enquanto pode, o povo deve aproveitar o que restou da laicidade (e da Constituição) e orar para todas as divindades verdes (e amarelas, antes que amarelem de vez), porque em breve o ensino religioso ganhará forças e, com toda certeza, vai invadir as casas, sem bilhetes para os pais e sem escolha.

Talvez, deste ponto em que estamos, seja a hora perfeita para apontar que o erro é do humano que se recusou ou não pode (ou não conseguiu) – por alguma razão – transmutar-se em “animal político”.

Em todo caso e por fim, não há o direito de nos conformarmos com os votos feitos em cima de um "rouba, mas faz" e que projeta um governo com a leve tendência a conceber algumas anomalias jurídicas tão disformes que beiram a anencefalia.

E, mais exatamente, para que os tatus não se transformem em tabus da opressão.

 

Vinício Carrilho Martinez (Pós-Doutor em Ciência Política)

Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar

Departamento de Educação- Ded/CECH

 

Jéssica Maria Frocel Holanda Sales

Acadêmica do 3° período do Curso de Direito - UNIRON –

União das Escolas Superiores de Rondônia.

Porto Velho RO

 

 

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