Terça-feira, 18 de julho de 2017 - 15h55
A Filosofia Constitucional é uma ciência integrante do Direito que advém de espécies anteriores e rupturas com antigos ideais positivistas e naturalistas, sendo claro que sua ascensão deu-se por meio de duas fases ou movimentos de construção (Lois,2005):
[…] o primeiro movimento para este enlace foi dado pela filosofia política contemporânea […] Um segundo movimento na construção da filosofia constitucional parte da teoria do direito seguido pelos debates em torno da Constituição. Sem dúvida, foi a tão falada e proclamada crise do positivismo jurídico que abriu caminho para se repensar que direito poderia (estaria apto a) regular uma sociedade que já não cabia mais nos seus contornos normativos e que, portanto, precisava de revisão (p. 2 e 3).
Desta forma há de se entender que esta face do direito moderno, como é conhecida hoje a respectiva área, passou por diversas mudanças que acompanharam e acompanham ainda as estruturas estatais. No caso específico do Brasil, é necessário compreender que a forma como a política se manifestou foi responsável por grande parte do processo superando a influência social-pluralista.
Para entender esta concepção anterior é preciso antes de mais nada retroagir. No passado, o país sofreu longos processos ditatoriais e de coação política, evitando um verdadeiro despertar do pluralismo quando comparados a outros estados, sendo que é esta diversidade que faz surgir uma maior reflexão constitucional.
Por esses motivos, o Brasil traz uma forma peculiar do debate constitucional, fundamentado no seu materialismo histórico e demais consequências, bem como os demais Estados da forma com exibe o teórico:
[…] as Constituições e o Constitucionalismo são uma realidade histórica e, portanto, nada em ambos pode ser interpretado sem levar em conta os elementos fáticos e paradigmáticos que o legitimaram, o afirmaram, que o tornaram possível e o desenvolveram até os nossos dias. E tampouco, justamente em tempos de transformações, pode haver interpretação sadia sem se entender os paradigmas que negam aqueles que presentemente aceitam para prosseguir sua evolução, numa dialética perfeitamente observável pelo cientista do Direito (Alarcón, 2012, p. 4)
Indo mais adiante na ideia de Filosofia Constitucional, chegando em sua contemporaneidade, é possível perceber a formação de uma imagem específica do que seria hoje, comparando-se ao passado, e seus reflexos positivos e negativos no presente. Na modernidade, a citada ciência tem por objetivo a discussão do Texto Magno e seus subordinados, mas em suma, o que ela pode evidenciar por meio da análise sistemática é a existência de um extenso sistema doutrinário, rigoroso: característica de sociedades menos instruídas educacionalmente.
A Constituição da República Federativa do Brasil é específica, ao mesmo tempo, tende a ser essencialmente explicativa, visando apontar todas as minúcias da ordem social, política e econômica:
[…] A descrição daquilo que é permitido, proibido ou obrigatório diminui a arbitrariedade e a incerteza, gerando ganhos em previsibilidade e em justiça para a maior parte dos casos. Em vez de deixar aberta a solução para uma ponderação posterior a ser feita pelo aplicador, o próprio Constituinte, quando tratou de direitos e garantias, da organização do Estado e dos Poderes, da defesa do Estado e das instituições democráticas, da tributação e do orçamento, da Ordem Econômica e Social, decidiu, na maior parte dos casos, fazer uma ponderação pré-legislativa, definindo, atribuindo, delimitando ou reservando fontes, autoridades, procedimentos, matérias, instrumentos e direitos que, se tivessem sua definição e aplicação vinculadas a uma ponderação horizontal destinada a atribuir-lhes algum peso, talvez terminassem sem peso algum. (Ávila, 2009, p. 4).
Ou mesmo ainda, de uma forma mais clara, nas palavras de V de Vingança (filme de 2006): "Estamos presos ao modelo, somos parte dele." O que não necessariamente é algo consideravelmente inadequado ou mesmo ruim – isso depende do sistema do qual se faz parte –, mas sim que se é parte integrante de um determinado governo, constitucionalmente falando, pois, é pelo e por meio do povo que é criada a Constituição.
No entanto, esta ideia de constitucionalismo por vezes pode vir a deixar uma má impressão, pois se, como o Diabo de Milton ao ver a Eva, a Constituição não pode ver o indivíduo sem maldade (neste caso a ser doutrinada) e, por isso, há de se observar, ou ao menos supor, que haja muitas falhas de uma das partes, ou que o Estado Brasileiro ainda carrega muito de suas heranças ditatoriais:
Sem superstições. O constitucionalismo vive um momento sem precedentes, de vertiginosa ascensão científica e política. O estudo que se vai desenvolver procura investigar os antecedentes teóricos e filosóficos desse novo direito constitucional, identificar seus principais adversários e acenar com algumas ideias para o presente e para o futuro. Antes de avançar, tratam-se algumas notas introdutórias para situar o leitor. A interpretação dos fenômenos políticos e jurídicos não é um exercício abstrato de busca de verdades universais e atemporais. Toda interpretação é produto de urna época, de um momento histórico, e envolve os fatos a serem enquadrados, o sistema jurídico, as circunstancias do intérprete e o imaginário de cada um. A identificação do cenário, dos atores, das forças materiais atuantes e da posição do sujeito da interpretação constitui o que se denomina de pré-compreensão (Barroso, 2001, p. 10).
De fato, o constitucionalismo é específico em cada país, o que faz com que os estudos sobre o mesmo também o sejam,, então, seria lógico supor que os teóricos tenham fincado suas deliberações a respeito da União em um debate entre certo e errado, ou o justo e o injusto, e, claro, se esse todo imperativo legal realmente alcança as necessidades brasileiras.
Com esta ideia primária se infere que nem sempre o imperativo têm o poder de regular determinadas situações e que, talvez, esse problema esteja mais relacionado a outras questões que não de lei como assim como questiona Silva (1998): “É paradoxal que as normas supremas da ordem jurídica, o Direito dotado de supremacia e de superlegalidade, sejam as de eficácia menos efetiva e mais sujeitas ao desrespeito e à inaplicabilidade“ (p. 16).
Ainda abrindo aspas para uma pequena crítica, fundamentadas essas ideias, num segundo momento é necessário pensar em que termos a Constituição de 1988 se faz assim chamada cidadã. Sua ideia de cidadania não seria mais do que uma forma complexa e sutil de colocar cada indivíduo em seu determinado lugar por meio da alienação? Afinal, a quem realmente ela serve, se não aqueles com consciência dela, é uma discussão para outro momento.
Retomando a ideia de Filosofia Constitucional, seu debate hoje se centraliza na eficácia e na efetividade dos direitos ditados no Texto Magno de forma mais prática, aplicando-se essencialmente ao caso concreto como demonstra Barroso (2001):
Fala-se em desconstitucionalização, deslegificação, desregulamentação. No direito privado, o código civil perde sua centralidade, superado por múltiplos microssistemas. Nas relações comerciais revive-se a lex mercatoria 5 . A segurança jurídica – e seus conceitos essenciais, como o direito adquirido – sofre o sobressalto da velocidade, do imediatismo e das interpretações pragmáticas, embaladas pela ameaça do horror econômico. As fórmulas abstratas da lei e a discrição judicial já não trazem todas as respostas. O paradigma jurídico, que já passara, na modernidade, da lei para o juiz, transfere-se agora para o caso concreto, para a melhor solução, singular ao problema a ser resolvido (2001, p. 13 e 14).
Dado este panorama, ainda elencam a ideia do autor anterior autores como Santiago & Meira (2014):
A Constituição Federal de 1988 elenca diversos direitos sociais, assegurando aos indivíduos educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, bem como assistência aos desamparados. Entretanto, no plano concreto, as políticas públicas tendentes a efetivar os mencionados direitos são insuficientes, o que denota o simbolismo da atual Constituição (p. 276 e 277).
Se são estas políticas públicas às avessas que geram por vezes esperança, mais do qualquer coisa alimentam a incerteza de que o Estado é realmente atento às necessidades de seu povo, bem como ilustra com maestria a poesia “Barraco” (minha casa?) de Vicor Motta:
O governo anunciou!
Vão trocar seu barracão,
por uma casa de verdade,
com janelas, porta, tem fogão.
Casa pintada, de telhado
sem goteiras, como aquela,
lá no morro.
Coitado!
Já nem pode mais dormir,
só pensando nesse dia.
Ele vai ser proprietário.
Como lhe faz bem ouvir
este nome de magia.
Proprietário, proprietário!
Vão trocar seu barracão.
Bem, é o que diz
o semanário
mas, doutor,
será que vão?
Logo, é possível supor que a inércia e ineficácia dos direitos derivam não somente de aspectos legais, mas de um apanhado de situações que são percebidos por meio da luz lançada pela Filosofia Constitucional sobre a questão, mesmo que ela se fixe em um assunto determinado é essencial para a compreensão geral da situação.
BIBLIOGRAFIA
ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. FUNÇÕES DO DIREITO CONSTITUCIONAL: REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA E A INTERPRETAÇÃO DO PROJETO NORMATIVO PARA A SOCIEDADE PLURAL. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 19 – jan./jun. 2012.
ÁVILA, Humberto. “NEOCONSTITUCIONALISMO”: ENTRE A “CIÊNCIA DO DIREITO” E O “DIREITO DA CIÊNCIA”. Número 17 – janeiro/fevereiro/março de 2009 – Salvador.
BARROSO, Luís Roberto. FUNDAMENTOS TEÓRICOS E FILOSÓFICOS DO
NOVO DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO. Revista da EMERJ, v.4, n.15, 2001.
LOIS, Cecília Caballero. A FILOSOFIA CONSTITUCIONAL DE JOHN RAWLS E JÜRGEN HABERMAS: UM DEBATE SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE SISTEMAS DE JUSTIÇA E SISTEMAS DE DIREITOS. Revista Seqüência, no 50, p. 121-141, jul. 2005.
https://www.pensador.com– aceso em julho de 2017
SANTIAGO, Marcus Firmino. MEIRA, Liziane Angelotti. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL. Brasília: IDP, 2014 Disponível no http://www.idp.edu.br/publicacoes/portal-de-ebooks
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3a ed. Malheiros Editores Ltda. São Paulo: 1998.
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