LÉO LADEIA ENTREVISTA GÉRAD MOSS - RIOS VOADORES
LÉO LADEIA – Eu recebo como muito prazer Gérard Moss. Ele é daquelas pessoas que ficam bem lá em cima mesmo – piloto. Foi tema de uma reportagem do Fantástico, esteve sobrevoando o Brasil e em cada rio que passava levava uma amostra de água. Nós vamos conversar com essa figura, descobrir de onde vem essa paixão e quais os seus novos projetos. Gerard Moss é Inglês, filho de mãe suíça, na verdade mais piloto que qualquer outra coisa. É isso?
GÉRARD MOSS – Minha paixão é aviação, sou piloto com mais de cinco mil horas de vôo. É um prazer estar com você Léo no Sala Vip e no www.gentedeopiniao.com.br. Minha paixão pelo Brasil data há mais de vinte anos, por isso sou brasileiro de passaporte e de coração também. Voando pelo Brasil nós descobrimos a urgência de fazer alguma coisa e ter mais pessoas como você, preocupado realmente com essa questão da sustentabilidade do nosso mundo, estamos numa situação crítica, não há dúvida disso, e precisamos tomar decisões a curto prazo, saber se nós vamos continuar nesse ritmo, ou se vamos seguindo as previsões - que são péssimas - a longo prazo. Para nós é importante ver tantas pessoas no chão motivadas como você, tentando convencer a população sobre a importância de se fazer alguma coisa.
LÉO LADEIA – Essa discussão sobre o meio ambiente nos leva aos nacionalistas de ‘carteirinha’ aqui do Brasil, principalmente para quem está desmatando - eles que cuidem das suas florestas ou eles que vão replantar suas florestas - eu acho que nós estamos chegando a uma das últimas fronteiras florestais do planeta, e nessa hora uma pergunta me soa hipócrita, falsa, não tem nenhum sentido. Que precisa repovoar precisa. Então que cada um faça sua parte, mas é necessário e urgente impedir mais desatamento sim. Você, que sobrevoa por aí, se assusta mais que eu?
GÉRARD MOSS – É claro que vendo as estatísticas já é uma questão que pode até chocar, não há dúvidas disso, mas ver isso todo dia na cara, ver as árvores queimando na época das queimadas, por exemplo, dá uma sensação de urgência porque estamos vendo que está avançando muito rapidamente, mas acho que a solução é financeira. Hoje nós estamos jogando dinheiro fora, queimando floresta para colocar pasto ou soja, a médio ou longo prazo é um mau negócio, porque a floresta amazônica em pé tem um valor extremamente alto, e não se dá conta disso. Nosso trabalho hoje com a nova fase do projeto “Brasil das
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Gérard Moss e Léo Ladeia no programa Sala Vip - Foto: Gentedeopinião
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águas” que é patrocinado pela Petrobras desde 2003, se chama Rios Voadores justamente porque são rios atmosféricos que dependem, em parte, da Amazônia em pé para a sua composição de água, é por isso que a idéia é demonstrar para a população brasileira que o rio voador - esse aporte de água úmido que vai da Amazônia para o sul do país - é a base do nosso PIB, é a base da produção de energia elétrica no sul do país, é a base da agricultura, e nós hoje em dia, sem saber o que está acontecendo. De certa forma nós temos que saber mais, na verdade nós estamos estragando a festa, falando de forma bem popular, porque não sabemos ainda os danos que estamos criando com esse aporte de água úmida para o sul com o desmatamento e com as mudanças climáticas.
LÉO LADEIA – Bom, quando você fala em rio voador, pra quem não é do ramo ou não conhece a terminologia, fica parecendo coisa de bruxo, e a bem da verdade o rio sai voando mesmo, nós temos isso, parte água da Amazônia, do vapor da Amazônia vai formar a chuva que vai cair em outro ponto. É isso que você chama de Rios Voadores?
GÉRARD MOSS – Exatamente, é o transporte dessa umidade, dessa correnteza de ar úmido que nós chamamos de rios voadores. Rio voador é um termo que já foi usado na ciência já pelo professor José Marengo, do CPT de São José dos Campos/SP, para descrever uma parte específica - um jato de baixo nível que passava por essa região - então essa palavra “rios voadores” é mágica, porque é um rio que você não vê, as pessoas imaginam rios só embaixo, mas tem rios lá em cima que são tão importantes ou mais importantes, e de certa forma, para o sudeste do país, a verdadeira nascente das águas de lá, são os vapores que vão daqui da Amazônia. Vamos explicar melhor o que está acontecendo, no Brasil a maior evaporação que existe acontece em Macapá e em Belém, agora é no atlântico norte que acontece uma grande quantidade de água evaporada porque os ventos predominantes da região vêm de leste para oeste, então empurra toda essa umidade da Amazônia. Se não existisse a Amazônia onde a chuva é muito grande, nós teríamos uma situação tipo Tabatinga, seria um deserto. O fato é que por termos uma região úmida existe a reciclagem da água, ou seja, nós temos tanta água lá em cima como aqui em baixo, então nós temos essa importantíssima reciclagem que faz com que os ventos continuem empurrando essa umidade que continua em quantidade razoável até o ponto que toda essa umidade que entra na Amazônia, de toda essa quantidade de vapor de água que entra no portal, por exemplo, digamos de São Luiz (Macapá), a metade dessa umidade sai da Amazônia pelo sul, ela vai para o Mato Grosso, Pantanal, Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul, até o norte da Argentina, isso tudo é uma quantidade de água enorme. Os cientistas estimam que a quantidade de água que está sendo exportada da Amazônia é praticamente equivalente a vazão do rio Amazonas, ou seja, seriam mais ou menos 200.000 metros cúbicos de água por segundo, estes são dados ainda em estudos, mas que seja pouco mais ou pouco menos é uma quantidade enorme de água.
LÉO LADEIA – Bom, pra você que precisa de uma analogia do que está sendo falado, é o seguinte: Toque fogo numa panela com água e coloque em cima da panela, um pedaço de madeira, o vapor que está sendo evaporado da panela vai chegar lá em cima, e uma hora vai cair e não vai ser em cima da panela, mas em vários pontos da tampa do fogão.
GÉRARD MOSS – Exatamente. Em Marabá-PA, há trinta anos, chovia todos os dias como em Belém hoje - as pessoas se encontravam antes ou depois da chuva -, toda essa mudança aconteceu devido ao fato de que nessa região hoje tudo é pasto, nós percebemos durante o vôo olhando de cima, estou muito consciente disso. Nós não queremos dizer que tudo está errado, mas nós temos que mensurar a vantagem comercial de abrir mais a floresta amazônica. O Brasil é o único país no planeta capaz de fornecer alimentos para a China e a Índia - e que estarão com demandas cada vez mais altas -, mas simplesmente temos que pensar mais à frente e usar a Amazônia de maneira sustentável.
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Gérard visitando local da futura Usina de Santo Antônio - RO - Foto: Gentedeopinião |
LÉO LADEIA – Gérard, falando de água especificamente, a questão da teoria de Malthos que se transformou em lei, ou seja, a população cresce geometricamente e os alimentos de forma aritmética. Por exemplo, quanto se gasta para produzir um quilo de
carne de boi?
GÉRARD MOSS – Precisa-se de 18 mil litros de água já o quilo de soja são 3 mil litros de água.
LÉO LADEIA – Ou seja, tudo passa pela água.
GÉRARD MOSS – Na verdade quando se exporta soja para o mundo inteiro, estamos exportando água, porque alguns países não têm espaço e também não têm água. E o mais incrível de tudo isso, é que a maior parte dessa produção, vem da água da chuva, somente alguns casos têm irrigação. É aí que você vê que o Brasil é campeão do mundo em matéria de chuva. Você sabia?
LÉO LADEIA – Não, eu não sabia.
GÉRARD MOSS – O Brasil é conhecido no futebol e no carnaval. O Brasil recebe mais chuva que muitos países. Vamos falar em números: em média o Brasil recebe 15 mil e 300 km3 de água por ano, o segundo país é a Rússia com 7.800km3 e depois vem os Estados Unidos 5.500 km3. Nós temos três vezes mais chuvas que os Estados Unidos. Então nós somos um país rico, muito mais rico que os Estados Unidos. O Brasil é um país de água, e a água é o recurso muito mais importante que petróleo, o grande elemento para o futuro é a água. O Brasil, em termos de água é um país super privilegiado, nós temos mais ou menos 75% das nossas águas - são mais de mil e duzentos pontos de amostragem espalhados no Brasil - são extremamente de boa qualidade, não pelo fato de que nós preservamos, mas porque o Brasil ainda não cresceu o suficiente para estragar todas as águas. Vamos falar de números: na China os principais rios são poluídos, em torno de 80% e a poluição que estamos falando é do tipo do rio Tiete - poluição de esgotos - aqui do Brasil. Eles estão com um trabalho enorme para tentar recuperar isso.
LÉO LADEIA – Rios Voadores só existem na Amazônia e quais os trajetos?
GÉRARD MOSS – Rios Voadores é um termo que estamos utilizando para esse transporte de umidade que existe no mundo inteiro, mas que é extremamente grande e importante nessa região da Amazônia, porque as quantidades são extraordinárias. Sobre o roteiro que você me perguntou, fui de Brasília, no domingo 03 de fevereiro para, o que chamamos de porta de entrada dos rios voadores, que é a região entre Belém, Macapá e São Luis. Às vezes, onde temos um fluxo de umidade que vem do mar, os ventos alísios empurram, os ventos que vem da África na verdade empurram essa umidade no continente e que Belém é a porta de entrada. Então eu fiz uma coleta de vapor de água em Belém-PA, temos agora o registro e uma assinatura do que é essa assinatura ali em Belém-PA. Na terça-feira 05 fevereiro, seguimos o movimento dessa água usando toda a tecnologia do CPT e do IMPE e eles fizeram uma modelagem de onde estaria essa parcela de ar que estava em Belém depois de 24 horas.
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Gérard no Porto do Cai n'água - RO - Foto: Gentedeopinião |
Então, 24 horas depois, seguimos até Santarém-PA e essa coluna de vapor já tinha percorrido entre 600 e 700 km. De Santarém fizemos a mesma coisa, uma amostragem de 3 mil metros e esperei 24 horas. Esse ar chegou à metade do caminho entre Santarém e
Porto Velho e chegou a Manicoré no Amazonas. E no dia 06 de fevereiro, entre dez horas a meio dia, a previsão é que o mesmo ar que estava em Belém três dias atrás ia se encontrar a mais ou menos a 70 km a sudeste de Porto Velho. Então vamos continuar fazendo isso
até onde essa água vá, talvez ela vá para São Paulo, talvez para o Rio Grande do Sul, talvez para a Argentina, nós vamos seguir essa parcela de ar. Porque fazer isso? Por que justamente nós estamos seguindo esse rio voador, imaginário, estamos definindo ao longo desse percurso a composição dessa água, de cada gotinha. E quando falamos dessa composição, a gotinha vem do mar, do rio amazonas, uma parte cai em forma de chuva, mas uma parte faz parte da recarga, então depois, da chuva tem a evaporação, pois uma árvore pode evaporar até 300 litros de água por dia, uma árvore só, imagine de quantos milhões de litros de água estamos falando). Então a idéia é ver, ao longo do caminho, qual a composição e assinatura isotópica dos átomos para definir qual é a parte que vem da evaporação/transpiração da floresta e qual é a parte do mar. A partir do momento que essa água sai da região amazônica, sabemos que ela vai ter pouca recarga, porque não tem mais a floresta úmida como temos agora. E aí nós devemos verificar de onde vem outra recarga. Então o nosso sonho é chegar um dia em São Paulo, Minas Gerais, etc., e afirmar: olha hoje a proporção da chuva que está em cima de São Paulo é 30% da Amazônia, 30% do mar, etc. Uma vez feito isso, poderemos calcular o aporte da Amazônia para qualquer região do Brasil e principalmente para a região de maior PIB do Brasil que é são Paulo e dizer: bom paulistas, vocês sabem que se vocês tirarem a Amazônia, vocês vão perder 40% das suas águas.
LÉO LADEIA – (aplaudindo) Parabéns!!! Emocionante !!!!
GÉRARD MOSS – Não sei se nós vamos conseguir, mas a idéia é essa, pois assim vamos poder quantificar o valor da Amazônia. A Amazônia não é só árvore é dinheiro vivo.
LÉO LADEIA – Se desmatar, o processo do
rio voador pode se acabar? O rio voador pode ficar menor, e em quanto tempo isso pode acontecer?
GÉRARD MOSS – Na verdade, Antônio Nobre e o chefe cientifico do projeto que é o grande professor Salade, está estudando essa questão dos isótopos na Amazônia há muitos anos. Foi a primeira pessoa que descobriu, em 1976 no Rio de Janeiro, em Petrópolis, ele pegou uma gotinha de água e descobriu que tinha uma assinatura da Amazônia, é por isso que esse estudo é muito gratificante, porque nós estamos tentando mudar a cabeça dos políticos no Brasil, porque sozinho não podemos fazer acontecer, nós precisamos da mobilização da população, mas só chegaremos ao fim com dados concretos.
Hoje temos que fazer uma grande pergunta se nós continuamos dessa forma - e a princípio nos próximos 25 a 30 anos vamos ter cortado mais de 20% da Amazônia, e vamos chegar num ponto de mais ou menos 40% de desmatamento e que segundo o
cientista Carlos Nobre, existe um grande risco que a partir de 40% existe um dano irreversível, e
não daria mais para recuperar.
Fonte: Gentedeopinião/Revista Momento Brasil com informações do programa Sala Vip, apresentado pelo jornalista Léo Ladeia.