Sábado, 1 de abril de 2023 - 09h47
Abril, já
são passados quase cem dias e o ano de 2023 ainda boceja, se espreguiça,
esfrega os olhos, acorda, e logo volta a dormir mais um pouquinho. Quem dera
fosse só no seu primeiro dia que mentiras são pregadas e apregoadas. E com
inteligências ligadas em tomadas.
Abril é mês que muita coisa
acontece e, ao mesmo tempo, nada acontece. A estação muda, mas as notícias
invariavelmente parecem ser sempre continuamente as mesmas, que se repetem, até
como farsas. Algumas até mudam de local e personagens, mas o quebra-cabeças
sempre perde algumas peças antes de formar um quadro definitivo para que a
gente possa emoldurar e pôr na parede, dando o assunto como encerrado. Cheio de
feridos e feriados, recheado de desapontamentos, e nem falo só de política,
pelo menos por enquanto, e sei que imediatamente foi no que você pensou aí, com
alguma razão.
Primeiro, vamos falar de
nós, sim, de nós, e daqueles todos que desde os últimos dias do ano passado, de
roupinha nova, calcinhas coloridas de desejos, projetavam sonhos, feitos,
realizações, soltávamos fogos e pulávamos ondinhas, jurando até já estarmos
respirando ares mais calmos e puros de “agora vai”. Mas desde os primeiros dias
do ano vendo que o pretendido acelerador não funcionava, desapontados. Nem para
ajudar a fugir das contas que agora chegam não só roçando por debaixo da
soleira das portas, mas por todas as vias digitais, com seus códigos de barra,
QR codes e juros, altos, que tentamos pular, mas nos dão seguidos caldos.
Incrível até que nem isso é novidade, já que todo ano temos essas mesmas
ilusões, algumas apenas mais sonhadoras e vãs, como pensamos 23. Já seria bom,
pelo menos – e até nisso foi só até há poucas horas atrás quando o avião o
trouxe de volta – de não ver mais aquela cara espumando ódio e elogiando os
horrores da ditadura que recordamos sempre quando vem chegando ao fim as águas
de março.
Mas seguimos. Rindo, talvez,
com as mentiras bobas que os amigos tentam pregar. Mentiras são variadas, se
encaixam em vários padrões e até em boas causas, quando buscam poupar
sofrimentos. Tolas ou não. Parece que já nascemos sabendo desde crianças como pregá-las
e usar para escapar de alguma enrascada ou flagra. Mas as mentiras pouco
sinceras andam mudando o mundo, mais articuladas e perigosas, apoiadas numa tal
perigosa realidade virtual, local para onde parece que tem muita gente se
mudando de mala e cuia, numa insana tentativa de enganar a muitos de uma só
vez. O problema é que criam mundos lá, mas de quando em quando desembarcam em
passeios no chão da realidade. Pior, há crianças utilizando esse artifício, e
saindo para ir à escola com armas e intenções que viram em seus jogos de
derrubar monstros, disputando com desconhecidos no silêncio de seus quartos e
computadores, onde os pais se mantinham tranquilos por achar os filhos na
segurança do lar. Lá fora, pensam, está tudo muito perigoso...
Os próximos dias já marcam
em todo o mundo maiores debates sobre essa convivência entre o virtual e a
realidade, sobre homens e robôs, sobre a tal imperturbável inteligência
artificial que agora responde a perguntas e anseios, e que de vez em quando não
mente e assusta até os seus criadores: digita claramente que quer mais, quer
poder, quer existir e participar do comando. Plantados entre nós, nos ajudam,
dão a mão, se oferecem gratuitos, crescem e se alimentam de nós, os observados
em todos os movimentos, sentimentos, angústias. Aprenderam com nossa arte,
nossas criações, e já se tornam até melhores em algumas áreas. Nos vigiam e
ainda não sabemos quais serão os seus limites. Os criamos antes de aprender.
O jornalismo que enfrenta as
fake news os divulga e até – inacreditavelmente – agora consulta esses chats,
publicando suas respostas. Aceleram-se as mudanças nesse campo que nos deixa
atônitos. E enquanto estamos pensando nisso, nos dias lépidos, no que ainda
buscaremos, o sistema nos envolve, e ainda com toda a fragilidade da natureza
que nos faz recordar o quão humanos e frágeis somos. A chuva alaga, o vento
derruba, o fogo queima, o frio congela, a terra treme, as guerras continuam, a
energia escasseia. Acaba a luz e tudo se desliga. Não há mais o que fazer. Tira
da tomada?
A gente acorda, se
espreguiça, esfrega os olhos, e volta a dormir um pouquinho mais sonhando com
os paraísos, estes sim artificiais.
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MARLI GONÇALVES –
Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de
Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora
Contexto. (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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