Sábado, 14 de dezembro de 2024 - 08h00
Em quem acreditar, sem duvidar? De um lado,
estamos como ilhas cercadas de golpes por todos os lados. De outro, aí já bem
esquisito, os cabeças-duras achando que tudo é ideologia, muitos sem nem saber
o que é ideologia, numa adoração desmedida e desinformada onde estacionam. Tudo
causa dúvidas e a informação sempre parece truncada. E a expressão do ano:
brain rot, cérebro podre.
O cérebro está mesmo na Ordem do Dia. As intervenções
cirúrgicas que ainda foram necessárias ao presidente Lula depois da nada pueril
inicial queda no banheiro, quase dois meses atrás, enquanto cortava as unhas
dos pés, dominou a semana. Porque é o presidente. Porque precisou de internação
de emergência e transferência para São Paulo numa madrugada. Porque as
informações saíram em conta-gotas da porta do hospital e quem as forneceu foi
um cardiologista. Porque demorou muito e apenas há pouco na tarde da
sexta-feira, 13, quatro dias depois, finalmente surgiram imagens – até um
vídeo. Para acalmar ao mercado? Aos brasileiros? Vai saber. Tanta pressão houve
sem que mostrassem, como informado todos os dias, de Lula cuidando do país,
cheio de apetite, lépido e conversador, saindo da UTI e andando pelos
corredores do Sírio Libanês, recebendo filhos e netos onde ficou apenas em
companhia dia e noite de uma “controladora” Janja. Janja que, aliás, antes,
publicou uma foto sorridente ao lado de Lula, mas antiga, para mais água na
fervura que se levanta de tudo quanto é lado contra sua influência e que deve
até derrubar um ministro nos próximos dias. Bastidores agitados.
Pimenta pura. Uma junção de fatos que, por mais verdadeiros
que fossem, fizeram a festa nas redes sociais. Pulularam memes, deepfakes,
entre votos de recuperação e muitos de que “morra logo”. Não há mais vergonha,
a situação é aberta, cruel, terrível, podre. De embrulhar estômagos sensíveis.
Mas, enfim, não sei o que foi melhor: lembrar das cenas dantescas do
ex-presidente anos anteriores quase mostrando entranhas também não é legal.
Não é por menos que a Oxford University Press anunciou a
Expressão do Ano: “brain rot”, ou “brainrot”, ou “brain-rot”. O cérebro
apodrecido, numa tradução mais literal, a condição de redução da capacidade de
atenção e declínio cognitivo resultante de uma excesso de tempo nas telas, nas
redes sociais; confusão mental, letargia. Um pouco de burrice total, preguiça
de pensar, na minha tradução mais real. Gente para a qual a informação precisa
passa a não ter qualquer valor; aceita só o que quer ver e ouvir, não aceita
contradição. Ninho de criação de negacionistas, de radicais, de exércitos de
cegueira intelectual e adoradores de ditadores.
Tudo confuso e nós, os comuns, no fundo sem saber mesmo, no
fundo, em quem acreditar, cercados de tubarões em luta pelo poder; ou pela
glória divina; ou querendo vidas milionárias obtidas em cima dos coitados ou
apenas meros e iludidos trouxas.
Lembrei muito esses dias de 1985, dos plantões diante do
Incor, em São Paulo, para onde o presidente Tancredo Neves foi transferido e
passou por uma longa e penosa internação, sobre a qual as informações eram ou
rareadas ou mentirosas, obrigando que buscássemos fontes extraoficiais e furos
jornalísticos, e que acabavam sempre contradizendo as versões, mostrando-as
como meias verdades até o fim da agonia. Coisas que, posso estar enganada, não
vimos agora. Só as engolidas notas, repetidas, vindas do cercadinho que
instalaram na porta do hospital, uma ou outra coletiva rápida tentando
simplificar procedimentos médicos complicados. Até que surgiu a publicação
inquestionável do vídeo de Lula quase correndo pelo hospital, animadíssimo. Que
bom desfecho.
Margens para dúvidas, no entanto, temos para tudo, mesmo.
No caso atual, até creio que estamos em novos tempos e nem se ousaria tentar
dourar esta pílula. Mas na economia estremecida, o tal mercado aproveitador.
Dados positivos que derrubamos conferindo os preços nos corredores dos
supermercados. Índices que flutuam, subindo e descendo como as ondas do mar. Um
Congresso aproveitando e aprovando de última hora coisas bem esquisitas, e ainda
com muitos jabutis anexados nos galhos.
Fim de ano chegando e acabamos duvidando até dos planos de
praxe que nossos cérebros tanto sonham.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação,
editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres.
E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em
São Paulo. marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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