Sábado, 16 de dezembro de 2023 - 08h00
Vocês estão contando o número de filmes e séries
com as ainda mais variadas e doidas formas de distopias e de apresentar o
apocalipse, o fim do mundo, e que depois da pandemia aparece sempre batendo
mais à porta? Se o que já está bem ruim pode piorar a indústria do
entretenimento está nos treinando para enfrentar, se esmerando em nos
apresentar as mais variadas e, segundo eles, prováveis, formas que o mundo se
acaba; não olhe pra cima, para baixo e nem para o lado.
Sempre brincamos. “Quero que o mundo acabe em barranco para eu morrer
encostado", ou “que o mundo acabe em melado para eu morrer doce”. Péssima
notícia: mantidas as projeções da ficção científica (e da realidade) não será
tão tranquilo.
A pandemia matou muito, se espalhou em todo o planeta, deixou sequelas,
na verdade ainda deixa, embora o pior tenha passado: não fez nada bem para as
cabeças, inclusive dos criativos roteiristas de filmes e séries. Se antes as
ficções já adiantavam nosso fim em epidemias, como zumbis andantes, em
acidentes nucleares, guerras, estraçalhados por robôs, tomados por alienígenas
ou perdidos em buracos no tempo e espaço, entre outras formas, depois que uma
delas aconteceu estão se esmerando. E todos vêm sendo campeões de audiência.
Cotado até para o Oscar e o Globo de Ouro, “The Last of US” (HBO) é um
dos tenebrosos. Não bastassem as bactérias resistentes, vermes, os vírus
altamente transmissíveis escapando de laboratórios, nos deparamos agora com os
fungos. No caso, o Cordyceps. Que se comunicam inclusive por debaixo da terra,
crescendo. As pessoas se destroem, mordendo umas às outras, vomitando
plantações. O, digamos, engraçado, é que na maioria dos roteiros a coisa é
mostrada com a destruição dos americanos e suas regiões mais conhecidas,
populosas. Como se fosse um castigo. Ninguém nem precisa mais de ataques
terroristas. É morte, porrada, feridas horrorosas, e uma enorme quantidade de
ideias para aparecer em festas de terror, também entre ideias libertárias, de
questionamentos de força e poder. Muitos figurantes contratados para aparecer e
morrer, enquanto os artistas principais se movem na destruição, nos escombros.
Outro, “O Mundo depois de Nós” (Leave the World Behind), o filme lançado
há pouco pela Netflix, para começar a nos aterrorizar já começa trazendo a
linda atriz Julia Roberts, também produtora, sem qualquer glamour, mostrando
nela as marcas do tempo - bem, mas sem retoques – o que já é de gritar e correr
para nos olhar no espelho verificando as nossas próprias rugas. Baseado no
livro de mesmo nome de Rumaan Alam, direção de Sam Esmail, tem duração de
2h18m. Você fica ali tentando entender o que está acontecendo, o que aconteceu,
que “catso” de ataque cibernético foi esse que faz com que centenas de cervos
se reúnam no jardim da casa alugada pela família, e fiquem mirando a garotinha,
entre outras cenas que é melhor nem descrever. Fora petroleiro invadindo praia,
aviões despencando como pombas abatidas, carros autônomos se esculhambando,
drones terroristas panfletando. Você fica aguardando. Puxa, afinal...Tudo
quanto é crítica ecológica, humana, racial, social, de domínio digital, está lá
claramente enfiada. Você persiste, afinal... Julia Roberts, Mahershala Ali,
Ethan Hawke. Resultado: duas horas e 18 minutos se passam e você vai dormir,
pensando porque não foi antes. Muito chato. Alguém desistiu de acabar o filme
direito e enrolou, dentro dessa onda de distopias, apocalipses, campeãs de
audiência. Minha opinião. Depois me conte o que achou.
Com tudo isso fica só melhor entender a enxurrada de filmes e séries coreanas.
Virei fã. O cinema coreano está com um nível impressionante de produção.
Também, claro, são bem chegados à violência, e têm características marcantes,
inclusive de umas excentricidades. Mas as séries de sucesso, até para isso,
também tratam de amor, seja com lendas ou demônios, armações terríveis de
vinganças, sempre com coreanas e coreanos lindos, jovens, ricos muito ricos com
pobres bem pobres e roupas e locais impressionantes. Já achei alguns ideias bem
originais. Aprendi sobre costumes e algumas palavras em coreano, além de já
reconhecer alguns atores seniores que aparecem em praticamente todos os filmes,
mudando só o papel.
São, ao menos, mais refrescantes para quem, como nós, parecemos estar
mesmo só esperando o fim do mundo, alguma hecatombe. Com tudo mesmo parecendo
tão próximo, tão quente. Parece que seremos punidos por tudo, pelo conjunto da
obra.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do
Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres. E para
homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).
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