Sábado, 21 de outubro de 2023 - 11h36
Vai ser – na verdade até já é e está estranho –
muito estranho - viver o Halloween este ano, uma vez que as bruxas já estão
soltas, os esqueletos se espalham, fantasmas e almas surgem das tumbas dos
bombardeios e as crianças que vemos – sequestradas, reféns, feridas sob
escombros, órfãs, pedem doces ou brincadeiras, ou qualquer coisa para comer e
beber. Pedem para sobreviver.
E olhem que o Halloween é na sua origem uma celebração de
culto aos mortos. Por aqui as coisas são de plástico, aos montes enchem as ruas
do comércio popular. Abóboras, morcegos, esqueletos, fantasminhas e fantasmões,
fantasias de monstros e bruxas competem há dias com os enfeites de Natal nas
vitrines – outra data que também já vimos não será fácil com a sua terra e
origem religiosa sitiada, abalada pelo medo.
Guerras são sempre fora de hora, nunca param, parece que
jamais serão banidas de nosso vocabulário. Os humanos se alimentam delas, os
senhores da guerra, fabricantes da morte, os líderes religiosos e dirigentes,
os países ricos, as instituições mundiais que se enfraquecem, inábeis ou mesmo
inúteis. Vivem da destruição, dos conflitos, das questões geopolíticas
intrincadas. Na do momento já perdemos jovens brasileiros, famílias, e as
crianças e mulheres claramente são suas principais vítimas. Milhões de pessoas
em todo mundo estão apreensivas e só isso já afeta e faz muito mal, e por um
longo tempo, à saúde mental de todos.
A guerra nos ocupa. Parece que tudo segue para um segundo
plano após a sua eclosão. O meio ambiente, os esforços globais para transformar
e salvar o que há de se salvar da natureza para evitar os grandes desastres
climáticos, estes a forma que a natureza encontra para sinalizar os limites das
destruições, desce o patamar. Tudo entra em suspensão. Não bastou a pandemia.
Incrível ser muito chamada de guerreira tendo verdadeiro
horror às guerras. A minha guerra, como a de tantos de nós, guerrilhas diárias,
é particular, quase solitária. Vivemos e agimos com elas. Mas guerras de
países, de ideologias, de territórios, perturbam sobremaneira, como devem
perturbar a todos os que ainda tem sentimentos, e captam estas, sim, uma forte
energia coletiva, a da apreensão. Onde tudo vai dar? Onde cairão os respingos?
Do que a humanidade ainda é capaz?
Que nossos Santos todos – de todas as fés, religiões,
credos – nos protejam. Aos ateus, que apelem ao mais racional para todos juntos
tentarmos brecar essa terrível escalada de violência. Óbvio que no momento o
conflito no Oriente Médio é o que assistimos horrorizados, o inferno aberto
pelos terroristas, com o fogo e o cheiro da morte alimentado na defesa raivosa.
Mas aqui também estamos cobertos de guerras e fatos.
Senão o que mais é a luta de “comunidades” contra
“comunidades” no Rio de Janeiro? Os confrontos entre traficantes e milicianos,
e destes com policiais, todos armados até os dentes, prontos a perder suas
balas no corpo de inocentes?
O que fazer nesse país de dimensões continentais
extraordinárias quando, de um lado, rios secam, florestas queimam numa estiagem
sem igual; de outro, cidades inteiras boiando debaixo da água, inundadas pelos
rios que sobem fora de seus cursos.
São todos fatos históricos, índices históricos que se
sobrepõem acelerados dia após dia. No meio de um tempo de pouca gentileza e
muito individualismo. Embora sabendo o que o contrário significaria, e querendo
ainda viver muito, ando bem cheia de presenciar a história e os seus fatos, sem
doces ou brincadeiras. Muito menos fantasias.___________________________
MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação,
editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres.
E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).
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