Sábado, 13 de maio de 2023 - 09h41
Ídolos sobem aos céus e descem ao inferno, na
morte e na vida. Sofremos como se fossem da nossa família quando se vão;
razoável, porque devemos a eles muitos aspectos de nossa própria existência
construída pela admiração, exemplos bons ou maus que imitamos. Suas vidas se
misturaram às nossas.
Para quem já viveu um pouco mais, os últimos tempos têm
sido de grandes perdas de ídolos importantes que acumulamos, acompanhamos
durante décadas e aprendemos a admirar e seguir. Não como se segue hoje
qualquer babaca em redes sociais, muito mais especulando fotos ou fofocas,
opinando em suas redes, cancelando-os quando decepcionam, tentando nos meter em
suas vidas amorosas, na forma como se vestem e até em suas opções políticas. E
eles, sempre, tentando nos vender algum produto.
Ídolos eram muito mais inatingíveis, íamos aos seus shows
adorá-los, tínhamos meras esperanças de um dia encontrá-los pelas ruas,
conseguir um autógrafo. Quiçá uma foto, um beijo, um abraço. De alguns eram
arrancados pedaços de roupa, fios de cabelo, tudo guardado em caixinhas
inconfessáveis. Para outros até se arremessavam calcinhas, bichos de pelúcia.
Tentávamos saber onde estavam, e ali nas portas de verdadeiros plantões
encontrávamos outros “iguais” para trocar figurinhas durante a vigília. Lembro
de muitas peripécias feitas por alguns ao longo dessa longa vida. Há uma magia
nisso.
A morte de Rita Lee esta semana abalou geral e o incrível é
perceber que foram lágrimas de todas as gerações e que foi o seu histórico
revolucionário em costumes o mais recordado, especialmente como mulher à frente
de seu tempo, corajosa e libertária, abrindo caminhos. Teve gente que chiou
muito porque nessa memória apareceram também aspectos como o uso de drogas e
álcool, bobagem, como se na hora da morte devesse ser apagada a verdadeira
existência de quem durante tantos anos seguimos, inclusive praticando os mesmo
erros muitas vezes. A expressão “sentar no próprio rabo” cai bem nos puritanos.
Ídolos de verdade não são perfeitos, e creio que por isso
mesmo é que os adotamos, quanto mais próximos são de nós mesmos, de nossas
imperfeições ou desejos. Não são santidades puras e cândidas, que essas
encontramos em igrejas. Nos nossos ídolos procuramos coisas externas, os
escolhemos para ver até onde vão dar seus hábitos, esquisitices. Eles acabam
avançando em paralelo às nossas vidas. Se fazem músicas, são elas e suas letras
que marcam indeléveis fatos de nossas histórias, e ao ouvi-las não há como deter
a memória, a emoção, a alegria ou mesmo a tristeza desses momentos. Podem
passar décadas e isso acontece. Rita Lee e sua carreira longeva é um dos
maiores exemplos de alguém que caminhou ao nosso lado, da rebeldia total ao
amor, da juventude ao envelhecimento, da saúde invejável a como conviveu serena
com a terrível doença até o fim. Ela nos contou sempre tudo. Escreveu tudo.
Disse tudo.
Mais: pareceu deixar preparados também todos os aspectos de
sua partida. Até a escolha do genial lugar para o velório, o Planetário do
Parque Ibirapuera, ali, entre o céu e as estrelas. Evitando assim, além de
políticos hipócritas presentes, o horror dos velórios no frio branco do mármore
do gigantesco salão da Assembleia Legislativa, onde normalmente são veladas as
personalidades em São Paulo.
À esta altura já perdi a conta de quantos de meus ídolos já
se mandaram; alguns até hoje teimo em não acreditar e fazer de conta que ainda
estão por aqui. Porque eu estou por aqui e trago em mim muitas das coisas que
neles admirei, segui, aprendi, fiz bobagem junto, cantarolei ou dancei.
Daí não poder deixar de dar uma boa reclamada sobre essa
mania cada dia mais insuportável de que todo mundo é “influencer”, famosinho,
“mito”, etc. etc. porque têm alguns “seguidores”, entre eles muitos até com
milhares de robôs ou nomes fantasminhas comprados de alguma agência de
marketing de influência.
Ídolo, minha gente, é coisa séria, não dá em árvore como
essas novidades que aparecem (e também na mesma desaparecem) todos os dias
postando o que comem, quem beijam, os seus escandalosos recebidinhos que
elogiam sem qualquer cuidado, como se eles próprios usassem mesmo aquelas
coisas. Fazem boca de pato, posam ao lado de carrões, barcos e aviões, andam
por aí com fotógrafos a tiracolo que registram seus passos como se fossem
naturais, mucamas e escravos os servindo e abanando seus calores. Podem ser
perigosos, especialmente quando tentam acreditar que são ídolos. Ou mitos.
Milionários e de pés de barro.
Uma coisa é uma coisa. Outra coisa é outra coisa. Ídolo
deixa história, é ícone. Mitos, a gente bem sabe o perigo que carregam.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação,
editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres.
E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).
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