Sábado, 25 de março de 2023 - 10h59
Repara só como o “já” vem sendo muito usado como
gerúndio, especialmente para justificar os atrasos e a inação quando estes são
flagrados. Já estamos vendo, já estamos tomando providências, já isso, já
aquilo. Até parece. Tranquiliza pra não fazer, continuar do mesmo jeito, estica
o tempo, o passado, o presente, e ainda embola o futuro.
De vez em quando escuto umas coisas que ficam ali zunindo
nos meus ouvidos, me dando choques, chamando atenção para os seus significados
e como e quando começam a ser usadas exaustivamente as expressões, sejam
sujeitos, verbos ou advérbios, como é o caso do “já”. Vocês, claro, sabem, que
jornalistas e escritores são extremamente ligados às palavras, aos sons, às
formas, às situações em que aparecem. Precisamos delas todas para nos
comunicar, contar histórias, buscar a precisão.
Assim foi que há dias venho reparando no tal “já” toda hora
aparecendo meio deslocado, coitado, principalmente em explicações e respostas
solicitadas pela imprensa ao descobrir malfeitos e pedir o outro lado aos
envolvidos. Fora as repetições de ladainhas, muitos garantem até que já estavam
mesmo até arrumando a tal situação. Mesmo que visivelmente não, e na verdade o
tal problema instalado – mesmo – isso sim, até em alguns casos há muitos anos.
Ouvimos isso sobre as enchentes e todos os seus problemas. Ouvimos muito isso
no caso da violenta balbúrdia no Rio Grande do Norte, com as autoridades já
tomando as providências que deveriam ter sido tomadas já há muito tempo, isso
sim. É o que nos explicam no caos e desorganização dos transportes coletivos em
São Paulo, e muitos causados por uma empresa cuja marca já está é registrada
como sinônimo de incompetência, citada praticamente todos os dias com acidentes
no Metrô e problemas nas linhas que deveria cuidar desde que obteve a
concessão, a Via Imobilidade, já mesmo este é o seu apelido na expressão de
quem é obrigado a usá-las.
Os apresentadores de tevê, quando leem essas notas, seguram
o ar irônico, ou pelo menos tentam, o que é quase impossível. Os jornais as
publicam por obrigação, lááá embaixo no rodapé das notícias. Quase um copia e
cola constante, já que sempre praticamente se repetem. Inclusive com a
expressão que estão “colaborando com as autoridades”. Não me digam! Folgamos em
saber.
Escrever notas oficiais, comunicados à imprensa, responder
por escrito às explicações solicitadas é uma arte e ela vem se perdendo
rapidamente, e perdendo o sentido, sendo achincalhadas, mesmo elas sendo tão
importantes para que as empresas ou pessoas envolvidas em problemas possam se
defender, um direito inalienável. Digo com conhecimento profissional da
questão, há anos como consultora de comunicação e especialista em gerenciamento
de crises e embates com a opinião pública. Primeiro, claro, preciso explicar a
importância delas, na origem – e de serem enviadas por escrito. Transformam-se
em documentos. Devem resumir o que precisa ser dito em cada situação, fecham a
opinião e os fatos. Não permitem, assim, quando corretas, erros de transcrição
que poderiam ocorrer em explicações orais à imprensa quando publicados.
Devem conter sempre informação clara e objetiva, cumprir o
papel de auxiliar a transparência da informação. Poupam ainda a imagem de quem
ou do que tem esse espaço valioso – ou ao menos deveriam ter - para se explicar
e se defender, há alguma reputação a zelar. Sei bem também o quanto isso anda
coisa rara de se encontrar, zelo pela própria reputação e condições reais para
isso. Mas ainda existe. E o direito à defesa deve ser garantido.
Vamos respeitar os sentidos das palavras já! Deixemos o Já!
prevalecer para quando precisarmos dele, como tantas vezes, lembram? Diretas
Já! Vacinas Já! – sobre o que deve acontecer rapidamente, logo, em tempo curto,
sem deixar dúvidas.
Por exemplo, no apelo: “Governem Já!”. Chega de tanto
falatório, atrito e confusão. Parem com isso, já!
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação,
editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres.
E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).
marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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