Sábado, 2 de novembro de 2024 - 08h05
Impressionante o estrago que uma língua solta
batendo nos dentes, consciente ou distraída, malvada ou engraçadinha, pode
fazer. Em épocas eleitorais as línguas ganham protagonismo porque podem
derrubar até quem já estava subindo ao pódio.
Desde criança a gente sempre ouviu um sábio conselho dos
mais velhos, para tentar manter a língua quieta lá dentro da boca, e esta
fechada. Pensar antes de falar, para evitar problemas. Aprendemos? Não. Duvido
que algum de nós já não tenha escorregado e falado mais do que devia, e depois
tentado se desculpar tentando explicar que não era exatamente bem aquilo que
queria expressar. Isso quando não tem outra pessoa que precisa correr para
consertar o linguarudo. Saia justa. O presidente dos Estados Unidos, Biden,
acaba de emitir uma frase muito infeliz sobre os eleitores do adversário Trump
(“lixo”). Por sua vez um comediante de palanque de encomenda de Trump acertou
os porto riquenhos falando horrores, destilando preconceitos (“ilha flutuante
de lixo”).
Línguas são o pavor dos profissionais de marketing
político. Como contê-las, como amarrá-las? Cortar não pode. Aí vem o
corre-corre para conter os sangramentos.
Também acontece dela, a língua, se soltar como quem não
quer nada – e isso tem de ser acompanhado sempre por uma cara de nuvem, de
inocente. Querem exemplo maior do que o do governador Tarcísio de Freitas, que
de bobo não tem é nada, no dia do segundo turno da eleição em São Paulo juntar
em uma coletiva uma investigação antiga de PCC nas prisões com o nome do
candidato Guilherme Boulos? Ora, ops! – foi sem querer. Então, tá. E no país do
momento, parece, ficou tudo por isso mesmo. A língua continuará solta e faceira
daqui pra frente. Assim como as eleições sendo tratadas de forma irresponsável.
Pois bem, esses fatos dos tempos que vivemos me fez
recordar de muitos outros e famosos tipos de língua, além da deliciosa, a
língua de gato; a de chocolate, que a do gato mesmo é muito áspera e faz
cosquinha.
A língua de chicote, aquela que fala e se arrepende recolhida
(um pouco a tal do momento eleitoral) é bem comum. É também aquela que que fala
tudo o que pensa, doa a quem doer, chicoteia.
Achei uma engraçada, a língua de lixa, que usam para,
digamos, definir uma língua que “visitou muitas bocas”. Também anda comum com
esse negócio aí de “ficar”, “beijar muuuito”, como dizem os jovens. Mas aí eles
têm de aguentar, além dos sapinhos, as línguas de trapo. Os indiscretos,
fofoqueiros, linguarudos, que gostam de cuidar da vida dos outros. Se bem que o
termo acabou criado um ótimo grupo musical, o Língua de Trapo.
Claro, falei logo no início do língua solta. Mas tem língua
presa. Só que isso tem nome mais complicado, médico: anquiloglossia. Uma
condição que dificulta a fala, e pode ser operada se descoberta a tempo, pelo
que vi. Coisa séria.
A língua de sogra, aquele negocinho de festa que a gente
sopra e ele estica, também tem esse nome porque em geral sogras não são amadas;
quando se metem na vida do casal podem enrolá-los. Assim como a língua enrolada
que precisa ser levada muito a sério e requer cuidados, porque quando aparece
pode ser sinal de grave distúrbio do sistema nervoso central, como um AVC.
Mas a língua também anda servindo de enfeite. Tem quem a
corte, divida - dizem para dar maior prazer sexual quando... vocês sabem. É a
tal língua de cobra; procedimento estético, perigoso, não recomendado, e que
pode dar ruim, bem ruim. Mas cada um sabe o quer fazer no próprio corpo, como
tantas várias modificações na moda por aí.
Enfim, a língua dá muito samba. Mais um conselho, aos
traidores: não bata com a língua nos dentes. E dá até uma praguinha bem
dolorosa:
- Se for falar mal de mim, morda a língua!
MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação,
editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres.
E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em
São Paulo. marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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