Sábado, 29 de abril de 2023 - 11h04
Todo dia é
dia de luta. Todo dia primeiro, seja de maio ou não, é sempre dia de uma luta
inglória com a gente se engalfinhando com a lista de contas, prestações e
quetais a pagar, que se estendem por todo o período, em círculos; acabou uma
vem outra, e outro mês. Pelo que se luta? A favor ou contra? Justiça ou
repressão? Pelo que cerramos os punhos, levantamos braços, nos mobilizamos?
O que quero dizer é que
vivemos, de alguma forma, sempre engajados em alguma luta, e isso independe até
de posições políticas - que agora até a rançosa direita, oportunista, se
apropria de falar que – logo ela, que as abate - está lutando por coisas que
sempre nos foram caras, tal a confusão estabelecida. Estabelecida, repito.
Lutar contra fake news é ir contra a liberdade de expressão? A busca de regular
as redes sociais e suas empresas milionárias que estão sempre deixando o barco
correr com a navegação de tudo que é muito ruim é certa ou errada? Isso pode se
virar contra nós em algum futuro? Podemos gritar “fogo!” em um ambiente fechado
cheio de gente para ver no que dá?
Precisamos tomar sempre
todos os cuidados com essas discussões que ocuparão um bom espaço nos próximos
tempos neste nosso endiabrado país às voltas agora com a busca de aprovação de
projetos de leis, com o andar de uma CPI sobre o maldito 8 de janeiro, com as
decisões da Suprema Corte e de alguns ministros mandões. O Brasil está
chacoalhado, dividido, armado. Com armas e ideias retrógradas, além das
desinformações. Descuidado da educação, da cultura, da história, o Brasil
deixou crescer barbaridades, influências, medos e ignorâncias e não há
pós-verdades simples que resolvam pelo menos não tão cedo, nem com tesouradas
de censura, muito menos com atos autoritários. Nossa gente está doente,
apavorada, insegura.
Conversando essa semana
com uma mulher simples, de comunidade, esta me contava, aflita – quando
perguntei como estavam as coisas – que achou, dentro da mochila que o seu
mirrado filho de oito anos levaria à escola, uma faca de cozinha, toda enrolada
em papel alumínio e panos. Ele, agoniado, explicou que era só para se defender
caso o “matador” (o novo bicho-papão das crianças) invadisse sua escola. Mais,
ela me contou que poucas escolas de sua área estão funcionando normalmente, que
as fake news (sim, ela sabe o que é isso e usou essa expressão) rolam
multiplicadas entre as mães que há quase um mês se recusam a enviar seus filhos
para estudar. Disse ainda que, mesmo com reuniões constantes com as forças
policiais e com os diretores e professores garantindo segurança, as coisas não
melhoram. E que tem até professor assustando alunos anunciando massacres,
reverberando boatos que continuam rolando em redes sociais.
Imaginei isso em escala
nacional. Não bastasse a rasante que a pandemia causou na educação, isso tudo
acontecendo agora que ela precisa ser retomada. Como preencher esse vácuo, esse
atraso no aprendizado? Como reestabelecer a tranquilidade de uma mãe que necessita
deixar os filhos na escola para trabalhar, isso, claro, quando ainda tem um
trabalho a garantir?
A quem interessa que
sigam essas molecagens digitais sem controle? Censura, aprender os autores?
Quantos pais estão conversando ou averiguando as mochilas de seus filhos até
para entender onde estão os seus medos? O que escutam dentro de suas casas ou
na igreja que frequentam? Que gerações futuras sairão disso tudo?
Que braços levantamos,
que punhos cerramos para continuar, toda a sociedade, e muito além do dia disso
ou aquilo, feriado ou não? Mulheres, contra a misoginia, para sobreviver à
violência doméstica, aos cuidados e segurança dos filhos. Negros contra o
racismo. A comunidade LGBTQIA+ contra o preconceito e a violência que mata e
sufoca. Todos, por trabalho, moradia digna, acesso à saúde física e mental.
A luta ainda é livre.
Vale tudo. Vale todas. Mudam o mundo.___________________________
MARLI GONÇALVES –
Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de
Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora
Contexto. (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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