Sábado, 15 de junho de 2024 - 08h00
Marcha à ré, na contramão, em alta velocidade,
sem freios. Este é momento em que, especialmente, nós, mulheres, estamos
vivendo no país, com assustadores números de feminicídios, violências e
projetos aterradores e aterrorizantes. A sociedade está sendo atropelada.
Ah, o país está mesmo sem freios, e agora, ainda por cima,
o pior Congresso, o mais conservador, preconceituoso e ignaro dos últimos
tempos ainda tenta usar medidas, projetos, PLs, Pecs e pocs contra nós,
ameaçando a ordem democrática como se fôssemos nada, apenas uma massa de
manobra, e embora maioria, pessimamente representadas nos parlamentos e no
Executivo. Minimamente no Judiciário.
Não gosto de escrever irritada, mas nesses últimos tempos
assustadores não há como evitar. A aprovação na Câmara, em uma “urgência”
silenciosa e anônima que durou 24 segundos, de projeto que equipara o aborto
após 22 semanas de gravidez ao crime de homicídio, mesmo nos casos em que a
gravidez é resultante de um estupro, e com penas maiores, até 20 anos de detenção,
do que as aplicadas ao próprio estuprador, no
máximo de 10 anos.
Quando o que precisaria estar sendo votado é a
descriminalização, luta de décadas.
Os números, para se ter uma ideia: 74.930 pessoas
estupradas no Brasil em 2022, 61,4% crianças com até 13 anos de idade, de
acordo com o levantamento do Fórum de Segurança Pública. Cada vez mais entraves
ocorrendo para a interrupção da gravidez indesejada em hospitais referenciados,
mesmo que de acordo com a atual lei vigente, fazendo com que se prolongue ainda
mais o horror e a dor, buscando obrigar até – o auge do sadismo – que se ouça o
batimento do coração do feto. Proíbem, e buscam atrasar mais a solução para
proibir. A alteração na legislação atingirá principalmente as vítimas crianças
menores de 14 anos, o maior grupo que necessita, por vários motivos, dos
serviços de aborto após esse período, terceiro trimestre. Aqui, além de a nós,
mulheres e nossas conquistas, tentam afrontar o atual Governo, aliás, amarrado
e imobilizado por tantos acordos para base com partidos que “faça-me o favor!”
Pior é que em tudo, e não é pouco, o que vem se desfazendo,
a gente tenha de ficar ouvindo as explicações que vem sendo dadas com a maior
cara de pau e pedra, misturando leis, palavras difíceis, alhos, bugalhos, religião,
cada uma pior que a outra, causando embaralhamento, tentando mascarar como se
fossem boas as intenções e calar a oposição, desorganizada e atônita, com
reflexos lentos. Outro exemplo é a tal PEC das drogas, aprovada também esses
dias na famigerada atual Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, que
busca criminalizar porte e uso de qualquer quantidade de drogas. Aqui, tentam
afrontar o STF que pode (e deve) votar a descriminalização do porte de maconha
para uso pessoal.
Quando o que precisaria estar sendo votado é justamente a
descriminalização, entre outras medidas de combate, outra luta de décadas.
Não querem resolver problemas, só criá-los, favorecendo
claramente a corrupção, com leis que obviamente, como sempre, não serão
cumpridas na realidade, por impossíveis. Ouvem cantar o galo em outras paragens
e também querem que ele cante aqui, rouco, à direita, tentando acordar o mundo
para o que há de pior.
Repito, em marcha à ré, na contramão da sociedade,
atropelando o que não vê direito. São muitos exemplos; entre eles, a
flexibilização do desmatamento, o sistema prisional, e a expansão da pata
pesada da privatização desvairada em todos os campos, como agora também tentam
na Educação. Reparem que no blá-blá costumam dizer toda hora que é “para
melhorar a gestão”. Ou seja, gestão, o que deveriam fazer, não fazem e querem
passar para a frente.
Ruy Castro resumiu assim, em sua coluna na Folha de S.
Paulo: "... Nasce um otário por minuto e o ser humano tem uma irresistível
tendência a ser tapeado"...
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação,
editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres.
E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em
São Paulo. marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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