Sábado, 7 de outubro de 2023 - 08h05
Não há democracia quando chegamos a um ponto em que
continuamos nessa toada, misturando facções, chacinas, supostos suspeitos,
justiçamentos, guerras, ações policiais, noticiário do dia esquecidos à noite,
ou melhor, atropelados e abafados por coisas ainda piores, mentiras espalhadas,
e especialmente aparentando certa normalidade como se normais os fatos fossem.
Não há nada de normal. Nada. Não se pode aparentar normalidade quando se
insere nos grupos de poder e ação fatos complexos como os que presenciamos.
Quatro médicos conceituados, no Rio de Janeiro para participar de um Congresso
internacional, atravessam a rua diante do hotel onde se hospedam para
aproveitar o beira-mar em um dos quiosques da orla. Um carro para e dele descem
três homens que metralham o grupo sentado à mesa. Em 30 segundos três deles
estarão mortos, um ferido seriamente, e o Brasil todo abalado. Depois, em menos
de 24 horas, caso “resolvido”. Como se a vida pudesse voltar ao normal.
Inclusive no próprio quiosque que poucas horas depois recebia alegremente seus
clientes, sentados na mesma mesa com marca de tiros e certamente rastros de
sangue. Um jornalista até reparou que sobre ela botaram uma garrafa de pimenta,
ao lado dos guardanapos. Um requinte incomparável.
Traficantes teriam confundido um dos médicos com um miliciano marcado
para morrer porque tinha matado um traficante líder. É guerra na Zona Norte do
Rio de Janeiro. Guerra pelo poder e comunidades. Guerras que se espalham pelo
país. Todos matam e muito. Polícia, milicianos, traficantes, golpistas. Vou
incluir aqui também bolsonaristas inescrupulosos que distribuem o ódio, a ode
aos armamentos que se espalharam como nunca, sempre tentando atentar contra o
que for contra os seus preceitos, sejam religiosos, estéticos, políticos ou
comportamentais. Distribuíram com rapidez recorde sua baba sobre a deputada
Sâmia Bomfim, do PSOL, irmã de um dos médicos assassinados. Crueldade e
oportunismo.
O caso teve repercussão mundial. Em poucas horas, resolvido. Pela
polícia? Um pouco, sim, porque todas foram para lá. Mas, mais do que isso, os
culpados pelo ataque não amanheceram o dia seguinte, não viram a luz do outro
dia: pena de morte. Da Justiça? Não! Dos próprios traficantes do Comando
Vermelho que não perdoaram o erro que tanta atenção chamou e os quatro
assassinos trapalhões foram condenados pelo seu “tribunal”. Tribunal? Se
reuniram na comunidade, com algum juiz ou autoridade? Não! Estavam presos no
complexo penitenciário do Bangu 3 e em videoconferência deram a ordem.
Julgaram. Fim.
Você entendeu bem. Vou repetir: decisão tomada em videoconferência de
presos dento do Presídio de segurança, onde inclusive deveriam estar
funcionando bloqueadores de comunicação. Resultado final: três médicos mortos
por engano, mais quatro traficantes, esses com corpos encontrados espalhados na
região, punidos imediatamente por terem errado ordens de seus líderes. Sete
mortos. Chacina.
Percebe que falamos de milicianos e traficantes como se eles fossem
praticamente membros da sociedade? Normalmente, a sociedade civil tem
instituições, como a ABI, OAB, entre outras. O poder paralelo não é uma
instituição, mas é quem tem dado as cartas, inclusive de dentro das
instituições oficiais. Polícia para quem precisa. Os caras sabem exatamente
quem manda no quê, onde lideram, seus nomes e até apelidos. Ouvem as suas
conversas em investigações lentas, que duram anos, como se tivéssemos todo o
tempo do mundo. O erro do ataque aos médicos foi detectado logo porque há um
grupo sombra, assim se denominam, que já ouvia há um ano e meio as conversas e
ouviu mais essa que percebeu que os médicos foram executados porque um deles
era mesmo a cara do miliciano marcado, o tal Taillon, que inclusive, sabe-se,
mora ali bem perto, também na Barra da Tijuca.
O reconhecimento facial deles está com defeito, e ainda podemos todos
ser confundidos. Eles mandam e desmandam. É Comando Vermelho, Amigos dos
Amigos, Terceiro Comando, Primeiro Comando da Capital, PCC, Primeiro Comando
Mineiro, Paz, Liberdade e Direito, Comando Norte/Nordeste, Bonde dos Malucos,
nomes de facções criminosas espalhadas de Norte a Sul do país – já se conta que
há 53 delas. Fora as milícias, grupos paramilitares se espalhando e impondo
terror onde se infiltram como cupins, dominando e amedrontando comunidades
inteiras.
Não aguento mais ver – neste e a cada caso frequente - a cara de tacho
das autoridades, de todos os níveis, com seus terninhos e caras consternadas
dizendo que estão sendo tomadas providências, que investigações estão em curso.
Inaceitáveis explicações em gerúndios.
Não há democracia que sobreviva a essa insegurança. Não há democracia.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do
Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres. E para
homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).
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Com tantos sustos como os que todos estamos passando nesse fim de ano até o próprio Espírito de Natal, creio, chamou as renas pelo aplicativo e está
Cérebro. Duvidando até da sombra.
Em quem acreditar, sem duvidar? De um lado, estamos como ilhas cercadas de golpes por todos os lados. De outro, aí já bem esquisito, os cabeças-dura
Não chama a polícia. Ela pode apavorar, te matar, te ferir. Não sei se é um surto, se são ordens ou desordens, mas estes últimos dias fizeram lembra
Stress, o já aportuguesado estresse. Até a palavra parece um elástico que vai, estica e volta, uma agonia que, pelo que se vê, atinge meio mundo e n