Sábado, 4 de maio de 2024 - 08h00
No meio de tantas tragédias, como a das destruidoras
enchentes que assistimos no Sul do país e as outras tantas de nosso cotidiano
nacional, imaginem o quão difícil é escrever sobre outros temas mais, digamos,
diferentes. Mas de longe, individualmente - a não ser expressar total
solidariedade e preocupação – pouco se pode fazer a não ser lamentar como
tragédias anunciadas vão e vem, também em ondas, e pouco se age sobre elas,
para evitá-las, no meio tempo. As grandes mudanças climáticas berram na porta
do planeta.
É preciso agir, opinião. Mas o mundo, do meu ponto de
vista, está tentando ficar bege, seguindo a moda que invade as vitrines e ruas
e que transformará, se sucesso tiver, todo mundo em robôs amorfos, sem cor, sem
luz, neutros, quase transparentes, sem graça. Tudo vendido como moderno, natural,
sofisticado, sereno, como se esse momento do século fosse tudo isso. Pudesse
ser assim. Bom se o nude fossem corpos nus, realmente livres.
Tô bege. A expressão, usada para exprimir surpresa ou ficar
admirado por algo, sempre me pareceu estranha. Melhor seria outra cor. Um
rubor, mais para o vermelho. Imposta pela indústria como “o novo branco”, ou
“novo preto”, o bege é o novo nada, em suas variações de nada. Nesses dias de
absoluta apoteose pela apresentação de Madonna nas areias de Copacabana, de bege
por lá – espera-se - o mais próximo vai ser a areia. Lembrando que o dourado
não é bege, claro, porque brilhos ali não faltarão, e o pop de sua rainha é
todo bem colorido em figurinos, shows e luzes. Em propostas.
O Brasil, de um lado penalizado pela destruição
especialmente no Rio Grande do Sul, de outro está mesmo alucinado com a
apresentação espetacular de Madonna no Rio de Janeiro, praticamente dividindo o
noticiário em todos os setores, além do musical, o econômico, social,
turístico. Madonna para dar e vender, grátis para a população que acredita
mesmo nisso, patrocinada por apoio de governo (e pinceladas eleitorais) e por
um grande banco, e bem aproveitada para seus grandes negócios, inclusive no
Hotel Copacabana Palace onde a trupe está hospedada, com estrangeiros fechando
ali seus gordos negócios.
O bom é que nosso criativo povo também está fazendo a
festa, e essa é bem colorida, com o turismo, ganhando algum com a venda de todo
o tipo de objetos, com destaque para o uso das cores do arco-íris, nas
bandeiras, nos “flaps” dos enormes leques, e mostrando a nossa verdadeira face
e diversidade racial e de gênero em apresentações performáticas de todas as
idades, afinal a musa comemora aqui o final de sua turnê de 40 anos de uma
carreira gloriosa onde sempre esteve adiante do tempo e dos principais temas
polêmicos dos quais nunca se esquivou. Ao contrário, os apresentou e garantiu
inclusive que ela, hoje aos 65 anos, seja também um ícone contra o etarismo
árduo e especialmente enfrentado por todas as mulheres. Nascida em 1958, assim
como eu, sobrevivendo como camaleoa, e como diz a propaganda, ainda, pelos
próximos 100 anos.
Saracoteando na cabeça dos beges. Dos neutros.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação,
editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres.
E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em
São Paulo. marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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