Sábado, 24 de fevereiro de 2024 - 08h00
Chaaata! Uma nota só, e que não é de samba bom,
vira mania para qualquer assunto e é uma nota perturbadora, porque seja qual
for o assunto parece sempre se obrigar a dividir em apenas dois tons de
opinião, como se muitos outros tons não houvessem, ou não precisassem ser
considerados para o melhor entendimento e posicionamento em qualquer questão.
Fora que outros assuntos importantes acabam negligenciados.
A tecla fica até gasta. O debate, cada vez mais pobre.
Gente atarracada numa posição, grudada mesmo, moucos a qualquer contra
argumentação. Moucos, mas estridentes, porque não param sequer um instante de
repisar, enviar “gracinhas”, ataques, informações falsas, memes de mau gosto e
etceteras esculhambando quem ouse mudar o ritmo e tentar trazer algum fato ou
argumentação que navegue entre o sim e o não. Recordei muito de uma antiga
propaganda, creio que de tintas, se a memória não falha: O que seria do vermelho
se todos gostassem do azul?
O indefensável. Não poderia haver exemplo maior do que
alguns fatos desses dias, como a desastrada declaração de Lula, que juntou a
palavra Holocausto e sua triste memória ao horror da guerra que se desenvolve
mortal e cruel no Oriente Médio em pleno 2024, criando uma polêmica que a
última coisa que conseguiu foi buscar a paz ou solução, desviando a atenção,
piorando as coisas, e sendo utilizada para aumentar o barulho e ainda mais a
divisão. Ou, também, como a inócua discussão ainda tentando absolver o
abominável e fracassado – além de cheio de provas - plano de golpe perpetrado
pelo grupo que, travestido de verde e amarelo, tenta reescrever a palavra
patriota, sempre com a tinta do ódio e da divisão que assistimos nos últimos
anos. E, pior, muito pior, agora envolvendo o delicado aspecto da religião.
Tudo isso para aumentar o grau de fervura que querem levar para as ruas.
Assim, fica difícil expressar a falta de cuidado das
declarações do atual presidente, para quem o considera intocável. Virou guerra
também. Criticar muitas das medidas tomadas monocraticamente pelo Xandão, o
xerife. Enumerar a lista telefônica de barbaridades cometidas durante o Governo
Bolsonaro, às quais se soma agora a execrável caminhada pró-golpe que ainda
tentam defender, mas que quem viveu o negro período da ditadura militar ainda
mostra no corpo e mente as suas cicatrizes.
Outro dia precisei pedir, com muito cuidado, mãozinhas
juntas, a um velho jornalista e amigo descambado que, por favor, não mais me
enviasse vídeozinhos ridículos - a gota d´água foi um sobre dois otários
segurando uma faixa pedindo o impeachment de Lula em cima de um viaduto - ou
mensagens quilométricas de como os militares consertariam o país. A resposta
foi que, como jornalista, eu seria obrigada a ver, como se nas quase 18 horas
diárias de trabalho nas quais passo na ativa diante do mundo já não fosse
obrigada não só a ver, ignorar ou mesmo responder a coisas até piores que
parecem mostrar o país indo para um brejo do qual demoraremos a tirar o pé.
Chegam por todos os lados: e-mails, redes, imagens. E até no noticiário
oficial, diário. Atrapalha o serviço de uma forma indescritível.
O país de uma nota só está de tal forma cansativo que, ao
mesmo tempo, tenho conhecido muitas pessoas que fogem de tudo isso, como se
diz, como o diabo foge da cruz, e se alienam em seus sins ou nãos, sem qualquer
vontade ou capacidade de rever a posição, que acaba cristalizada, como
assistimos.
Pior é a dificuldade que tudo isso traz exatamente quando
queremos mudar de assunto, uma vez que tantos estão na lista de espera. Quase
impossível. A verdade é cada vez mais alcançamos menos, falamos mais para
nossos próprios bandos na refeição feita com uma só panela. Na mistura, o
tempero vem sendo complexo: misoginia, preconceitos de todo o tipo,
individualismo, verborragia, e, por fim, a liberação de aspectos que jamais
imaginávamos encontrar em muitos dos que nos cercam.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora
do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres. E para
homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São
Paulo. marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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