Sábado, 13 de agosto de 2022 - 11h19
Queria muito saber o que é que exatamente ainda consegue emocionar
verdadeiramente as pessoas nesse mundo tão duro, cruel, que se apresenta a quem
tem olhos para ver, ouvidos para escutar os apelos. Há dias em que a
sensibilidade está tão à flor da pele que choro vendo propaganda boba na tevê,
escutando o acorde de alguma música daquelas que transporta ao momento passado
bom, ou a lembranças de amores idos e bem vividos.
Ao mesmo tempo, muito estranho, uma série de coisas que
antes me faziam chorar e derreter igual manteiga já não me tocam mais e –
verdade - hoje até chegam a irritar. Como mudamos com a passagem do tempo,
impressionante. Tantas são as bordoadas e situações difíceis a serem
ultrapassadas ao longo da vida que a gente vai ficando meio que insensível,
duro, casca grossa. Ou pior, até ranzinza. O que não é legal.
Mas, pera lá, isso não quer dizer insensibilidade. A gente
troca, abre espaço para novos sentimentos, uma vez que muitas vezes descobre
até que sofria e chorava antes por coisas que não mereciam, nem valiam a pena
esse desgaste todo. Sim, desgaste, porque se emocionar é de alguma forma
desgaste; sofrimento é desgaste. Amar é desgaste, com tudo que envolve para
durar e enquanto dura.
Esses mais de dois anos de pandemia, que de certa forma
ainda vivemos e viveremos suas consequências ainda por muitos outros,
transformou várias coisas dentro de nós, em nosso íntimo, nossas cabeças,
pensamentos, sentimentos. Penso que é como se, além do tempo real, tivéssemos
envelhecido o dobro, seja pelo isolamento que no fundo ainda enfrentamos, seja
pela perda diária de lascas de nós a cada notícia, a cada pessoa querida que
foi embora, cada lembrança que junto levaram. Pareceu um desmoronamento. Sei
bem o quanto é difícil falar sobre isso, admitir nem que seja só para você
mesmo. Não saímos iguais desses tempos. Foram muitas mudanças, aceleradas
transformações, formas de convívio alteradas, silêncios e intermináveis gritos
ainda sendo sufocados. É assim; está assim, não conseguimos realmente
transformar essa realidade por mais que o desejemos.
Vocês podem se perguntar porque raios toco nesse assunto, e
podem se surpreender com a resposta, pelo menos a atual, a de hoje. Por causa
da política. Por causa do que vejo a cada dia que vou às ruas e me defronto com
uma miséria absurda, que revira latas de lixo para comer, que vai às feiras
pegar os restos jogados no chão, os olhos secos e tristes de pais e mães
levando pelas mãos crianças cabisbaixas nessa caminhada. A pintura de quadros
realistas e sombrios que se apresentam e histórias que superam quase que
qualquer clássico da literatura que um dia tivesse ousado pensar o futuro; ou
melhor, agora o presente quase distópico.
A pandemia nos pegou, a nós, brasileiros, em um momento
ainda mais terrível, suportando um governo grosseiro, deselegante, atrasado,
que abriu o cadeado do terror, liberando - além de verbas indiscriminadas -
armas, feras, preconceitos, censura, guerra religiosa, ódio, ações e
pensamentos. E que aconteça o que acontecer nas próximas eleições – e nessa
mais uma vez o erro do par ou ímpar, pif-paf, #elenão e #éoquetemos – levaremos
um bom tempo para recalibrar as coisas, voltarmos à paz entre nós. Tempo esse
que para muitos de nós se torna mais escasso.
Enfim, respondo sobre tocar no assunto emoção, e peço a
compreensão na medida do possível, para o que chamo a atenção.
Não pude ir, mas acompanhei como pude o movimento desse 11
de agosto, ao vivo, na hora que acontecia. Desse ângulo, claro, fiquei feliz,
juntou gente, até opositores. Acendeu, sim, 45 anos depois, uma esperança. Mas
dentro da perspectiva da expectativa X realidade me deixou apenas,
infelizmente, com uma tristeza danada. Esperava, mas não chorei ao ouvir a
leitura das cartas, que foi quase monótona, sem os tons inflamáveis de
discursos e da oratória dos líderes de outrora que naturalmente movimentavam
suas plateias desde o momento que pisavam as tribunas e na simples menção aos
seus nomes. Imagino, claro, que ao vivo, estando lá, vendo as bandeiras sendo
agitadas, velhos amigos se encontrando, possa mesmo ter sido mais emocionante.
Mas só isso. Muito pouco ainda. Pelo menos acordamos. Eu
estive na Diretas Já! Precisa mais, precisamos de muito mais para que a maré
forme ondas. E rápido, porque estamos em perigo real e temos poucos dias para
buscar emocionar e movimentar muitos outros milhões de pessoas para que todos
voltem a sonhar, se entusiasmem, sintam-se seguras para inclusive voltar a
chorar de alegria ou emoção com o que bem quiserem. Até ouvindo o Hino
Nacional.
Com a Democracia, com a liberdade, sempre.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação,
editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres.
E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).
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